Nos Estados Unidos, a violência policial contra a comunidade afro-americana volta a estar na ordem do dia. Dias depois da morte de Tyre Nichols às mãos de cinco membros das forças de segurança (também eles negros), agora foi a vez de um homem duplamente amputado e em cadeira de rodas ser morto a tiro pela polícia da Califórnia.

Relatório policial sobre morte de Tyre Nichols desmentido por imagens de vídeos. Agentes não incluíram agressões a murro e pontapé

Anthony Lowe, de 36 anos, terá sido abordado pela polícia na passada quinta-feira. Os motivos que levaram a essa abordagem permanecem, até agora, desconhecidos. Imagens de vídeo amador captadas mostram o momento em que a polícia se aproxima do homem, apontando-lhe uma arma.

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(As imagens que se seguem podem ferir a suscetibilidade dos leitores mais sensíveis)

No vídeo, é possível ver os agentes da polícia empunharem as armas numa altura em que Lowe, amputado de ambas as pernas, tem uma faca na mão e acaba por deixar a cadeira de rodas para tentar fugir. Um veículo da polícia aproxima-se e acaba por obstruir o ângulo de visão do autor do vídeo. A gravação termina momentos antes dos disparos: Lowe terá sido atingido com 10 tiros.

O vídeo foi publicado nas redes sociais no sábado, dois dias depois do incidente, e voltou a alimentar a chama dos protestos contra a violência policial racializada nos Estados Unidos. Ao jornal britânico The Guardian, a irmã de Lowe confessou-se “de coração partido”.

“Não consigo compreender como é que eles puderam fazer aquilo a alguém numa cadeira de rodas. Quer que alguém me explique qual foi a justificação para terem de abater a tiro alguém que não tem pernas”, disse Tatiana Jackson.

O relatório da polícia, citado pelo Los Angeles Times na quinta-feira, referia uma ocorrência segundo a qual a polícia teria tentado apreender um homem em cadeira de rodas suspeito de um esfaqueamento.

O vídeo da abordagem e fuga de Lowe parece desmentir a versão oficial da polícia. Segundo os agentes, o suspeito teria respondido com agressividade à tentativa de detenção, brandindo um cutelo de 30 centímetros que tentou atirar aos agentes da autoridade. Num primeiro momento estes teriam respondido com força não-letal, recorrendo a um taser; apenas depois de Lowe supostamente tentar por uma segunda vez magoar os agentes é que estes dispararam, abatendo-o com disparos na parte superior do corpo.

A publicação do vídeo, e a contestação que se seguiu, levou uma fonte do corpo de segurança a emendar a posição oficial da polícia, clarificando ao LA Times que Lowe “não atirou, em última instância a faca, mas por várias vezes simulou um gesto sobre a cabeça de que iria atirar a faca” aos agentes.

A família contesta a versão da polícia, e diz que o vídeo mostra claramente que Lowe “temia pela vida”. Ebonique Simon, mãe da vítima, diz que a situação “podia ter sido resolvida de várias formas. Mas eles escolheram resolver o problema disparando. É de loucos… é suposto a polícia manter a lei e a ordem, e nós devemos confiar-lhes as nossas próprias vidas, mas como podemos fazer isso quando fazem uma coisa destas?”.

De acordo com a família, Lowe tinha sido amputado há cerca de um ano no Texas, precisamente depois de um incidente envolvendo as autoridades. A irmã de Lowe sublinhou o impacto que o caso teria na relação da comunidade com a polícia. “Se estiverem em perigo, acham que estes miudos vão ligar para a linha de emergência? Não o fazem porque têm medo”.