Os municípios de Miranda do Douro e Mogadouro pediram e o Ministério das Finanças acedeu. Esta sexta-feira, foi assinado um despacho pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Nuno Félix, que determina que as barragens estão sujeitas ao pagamento de IMI. Terá agora de ser feita a avaliação do valor patrimonial dos edifícios para determinar, ao certo, o valor a cobrar.

A posição do Governo é sustentada por um parecer do conselho consultivo da Procuradoria Geral da República (PGR) de maio de 2006, e contraria um outro parecer da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) de 2016, que tinha sido seguido pela Autoridade Tributária (AT) para rejeitar a cobrança de IMI às barragens da EDP.

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O despacho, a que o Observador teve acesso e que será enviado aos municípios requerentes, à AT e ao Ministério do Ambiente, refere que, no que toca às barragens concessionadas construídas antes da entrada em vigor da Lei da Água, em 2005, a “avaliação, inscrição e a atualização matriciais das construções respeitantes aos aproveitamentos hidroelétricos, nos termos e para os efeitos do Código do IMI” deverá ser feita “com base na natureza jurídico-patrimonial resultante do entendimento que resulta” do parecer do Conselho Consultivo da PGR de 2006.

Esse parecer visava, na altura, clarificar a titularidade dos edifícios ou construções inseridos nas barragens, na sequência de concessões nacionalizadas e reprivatizadas. A conclusão, então, foi unânime. Uma coisa são os bens incorporados pelo Estado na concessão, sobre os quais “o concessionário limita-se a adquirir sobre eles um direito de exploração ou utilização mas não existe qualquer transferência de propriedade”. Outra diferente diz respeito aos bens adquiridos ou construídos pelo próprio concessionário, relativamente aos quais é apenas “titular de um direito de propriedade temporário ou resolúvel”.

O que significa que, de acordo com o mesmo parecer, finda a concessão, as obras executadas nas barragens revertem para o Estado. O despacho dá ainda o enquadramento sobre o conceito de “prédio” para efeitos fiscais, de acordo com o Código do IMI, que determina que um “prédio” precisa de ter um elemento físico, um elemento jurídico e um elemento económico. E que os edifícios podem ser considerados prédios para efeitos fiscais mesmo que estejam situados numa fração de território que não tenha natureza patrimonial, ou seja, que pertença ao Estado.

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Com base nesse parecer, a AT concluiu, em 2015, que as barragens concessionadas construídas antes da entrada em vigor da Lei da Água, em 2005, preenchiam os requisitos para serem consideradas prédios e deveriam, por isso, pagar IMI. Só que essa decisão provocou um grau elevado de litigância, após a privatização da EDP em 2012. O que levou a AT a pedir ajuda à APA sobre a natureza jurídico-patrimonial das barragens. A APA entendeu o contrário do Conselho Consultivo da PGR. Ou seja, que as barragens de utilidade pública “integram o domínio público do Estado”. E que, assim, não devem ser sujeitas a IMI.

A venda das barragens no Douro pela EDP à Engie em 2020, por 2,2 mil milhões de euros, voltou a levantar a questão. Desde esse ano que o movimento Terras de Miranda luta para que a receita dos impostos dessa operação seja canalizada para a região. Mas, neste caso, não foi cobrado IMI (nem IMT ou Imposto de Selo — devido à forma como foi montada a transação, já que as partes consideram que não foi diretamente uma venda mas uma transmissão de títulos de utilização de recursos hídricos). Esse caso está a ser investigado pela própria AT e ainda não tem conclusões.

Mas o enquadramento do despacho assinado esta sexta-feira pelo secretário de Estado refere o relatório final do Grupo de Trabalho que se dedicou a analisar o negócio, e este concluiu que “se no decurso do período de concessão forem implantados ou assentes no território dominial edifícios ou construções que integrem a esfera patrimonial” da concessionária, esses edifícios constituem prédios, tal como é entendida a definição no Código do IMI, pelo que lhes deve ser cobrado IMI.

É essa a intenção do Governo com este despacho, que obrigará a AT a requerer à APA todas as informações sobre as construções que se enquadram na definição de prédio, para que se determine o seu valor e quanto devem de imposto. Essa cobrança deverá ser feita até ao final do ano, para que seja possível cobrar retroativamente o imposto, já que a lei permite que a liquidação possa ocorrer até quatro anos antes, ou seja, desde 2019, inclusive.

O despacho refere, por fim, que “caso subsistam dúvidas dos serviços” sobre o alcance e a extensão do parecer do Conselho Consultivo da PGR, as mesmas devem ser informadas “tendo em vista eventual pedido de clarificação” ao Conselho Consultivo da PGR”, sem prejuízo de serem cumpridos os passos essenciais para a cobrança do imposto no prazo devido.