O método de escolha dos candidatos nacionais à Procuradoria Europeia está a causar um choque institucional entre o Ministério da Justiça e os conselhos superiores da Magistratura e do Ministério Público.

Tal como o Observador avançou em primeira mão, a ministra Catarina Sarmento e Castro homologou um parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR), datado de 24 de janeiro, que impõe um número mínimo de três candidatos nacionais à Procuradoria Europeia para que a lei seja cumprida. O que significa que não chegam os dois candidatos (Ivo Rosa e José Ranito) que tinham sido considerados elegíveis pelos conselhos.

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O problema é que, após a ministra da Justiça ter notificado o Conselho Superior da Magistratura (CSM) e o Conselho do Ministério Público (CSMP) do parecer acima referido, estes dois órgãos de gestão recusam-se a seguir a interpretação legal que foi homologada por Sarmento e Castro.

O CSMP liderado pela procuradora-geral Lucília Gago faz mesmo questão de manifestar discordância total sobre as principais conclusões do Conselho Consultivo, que também é um órgão da PGR.

O CSM, por seu lado, diz que não vai reabrir o segundo concurso concluído em outubro de 2022 mas aceitou publicitar na rede informática interna durante a tarde desta quarta-feira “uma divulgação” informal em que convida “os senhores magistrados judiciais (…) a candidatarem-se no prazo de dez dias”, respondeu fonte oficial do CSM

Conselho do Ministério Público refuta totalmente parecer do Conselho Consultivo da PGR

Fonte oficial do CSMP foi bastante claro na resposta enviada ao Observador, garantindo que o órgão de gestão do Ministério Público (MP) recebeu o parecer do Conselho Consultivo da PGR mas deliberou esta quarta-feira que considera “executadas (…) todas as diligências que lhe competia envidar tendentes ao cumprimento das exigências” previstas na lei.

Ou seja, o CSMP não vai abrir novo concurso, tal como, aliás, já tinha feito em setembro de 2022 quando recusou a primeira sugestão da ministra da Justiça nesse sentido — o que motivou o pedido de parecer de Sarmento e Castro ao Conselho Consultivo da PGR.

Fazendo um histórico de todos os passos que foram dados entre 25 de maio de 2022 (quando foi aberto o concurso formal), e 19 de julho de 2022 (quando aprovou como elegível o único nome que se apresentou a concurso [José Ranito]), fonte oficial do CSMP garante que “à luz do quadro legal vigente, não lhe era nem é exigível, muito concretamente, preencher por uma outra qualquer via, ou pela mesma, a ‘quota’ de três magistrados”.

Ou seja, o CSMP faz questão de dizer oficialmente que discorda em absoluto do parecer da autoria do procurador João Conde Correia, ao qual a ministra Catarina Sarmento e Castro aderiu.

Mais: em resposta à ideia de que o CSMP e o CSM “devem convidar candidatos ao cargo de procurador europeu que não tenham sido opositores ao referido concurso”, como o procurador Conde Correia defende no seu parecer, fonte oficial do CSMP faz questão de dizer tal hipótese procedimental coloca em causa a “independência” do “processo de seleção e no exercício do cargo de procurador europeu”.

Além do mais, os magistrados do MP são livres de se candidatarem, caso entendam que cumprem os requisitos exigidos. “Nenhum era obrigado a concorrer”, enfatiza a mesma fonte.

CSM aceita fazer divulgação informal

Em resposta a perguntas idênticas às que o Observador enviou para o gabinete da procuradora-geral Lucília Gago, fonte oficial do CSM garantiu que o plenário do órgão de gestão dos juízes também já decidiu não reabrir o concurso que tinha sido concluído em outubro de 2022, tendo-se apurado o juiz Ivo Rosa como o único candidato elegível.

Enfatizando que o CSM apenas recebeu “excertos relevantes do referido parecer”, através de ofício da ministra Catarina Sarmento e Castro datado de 31 de janeiro, fonte oficial revelou que apenas será feita “uma divulgação através da plataforma interna dos magistrados judiciais” de forma a convidá-los a “candidatarem-se no prazo de dez dias, ao procedimento de seleção e designação candidatos nacionais a procurador europeu”, lê-se na resposta enviada ao Observador.

Ivo Rosa autorizado a julgar empresário do Ruanda acusado de genocídio no TPI

Tendo em conta que o CSM autorizou o juiz Ivo Rosa a integrar em Haia o tribunal que está a julgar Félicien Kabuga, empresário acusado de genocídio e crimes contra a humanidade no Ruanda, o Observador questionou sobre um eventual pedido de desistência da candidatura do juiz. Fonte oficial afirmou que tal pedido de renúncia ainda “não deu entrada”.

E agora? CSMP dá pista para o futuro mas Governo pode alterar a lei

A ministra da Justiça tem agora que ‘descalçar a bota’. Por um lado, aderiu à interpretação jurídica de que a lei impõe a seleção de pelo menos três candidatos nacionais à Procuradoria Europeia. E, por outro lado, tem os dois órgãos de gestão das magistraturas a recusarem a reabertura formal dos concursos de 2022.

Uma possível solução é adiantada pelo CSMP. Em resposta ao Observador, fonte oficial diz que “a situação poderá ser ultrapassada” por uma Decisão de Execução decidida pelo Conselho da União Europeia a 9 de julho de 2020.

Isto é, “sempre que estiver suficientemente demonstrado que é objetivamente impossível para um Estado-Membro encontrar um terceiro candidato elegível num prazo razoável, apesar de ter envidado todos os esforços necessários para o efeito”, podem ser apresentados apenas dois candidatos elegíveis — que é o número existente atualmente.

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Contudo, é pouco provável que o Governo siga esta opção. Tudo porque a maioria do Conselho Consultivo que aprovou o parecer homologado pela ministra Catarina Sarmento e Castro recusou de forma clara essa via. Mesmo perante três membros a defenderem tal caminho, sendo um deles o vice-procurador-geral Carlos Adérito Teixeira.

Assim, qual será a opção do Governo? Há uma segunda opção que foi aberta pelo parecer da autoria do procurador João Conde Correia, já que o mesmo deixou a sugestão do Executivo ponderar “uma intervenção legislativa dirigida para a resolução das obscuridades e omissões legais detetadas.”

Uma coisa é certa: o mandato do procurador José Guerra termina em julho de 2023 e o Governo terá de propor os candidatos nacionais antes dessa data.