Todos os partidos se manifestaram esta terça-feira contra a proposta do Chega para incluir na Constituição a castração química como pena acessória para crimes de abusos sexuais, considerando-a um retrocesso civilizacional ou “uma linha vermelha” inultrapassável.

A comissão eventual para a revisão constitucional analisou esta terça-feira, durante cerca de três horas, três artigos da lei fundamental, entre as quais o relativo ao “Direito à integridade pessoal”, numa discussão em que se falou do filme Laranja Mecânica, de Stanley Kubrick, se aludiu à lei islâmica sharia e ao Papa Francisco.

O PS e o PAN propuseram pequenas alterações a este artigo — os socialistas querem incluir o direito à “integridade psíquica” e o PAN a referência à “autodeterminação corporal e sexual” —, mas nenhuma deverá recolher os necessários dois terços para ser aprovada, apesar de o PSD ainda admitir refletir quanto à dos socialistas.

Já o Chega queria introduzir na Constituição um novo artigo para que ficassem fora do âmbito da norma que refere que “ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanos” as penas que “digam respeito a tratamentos químicos que se considerem necessários para a prevenção de crimes de natureza sexual“.

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“São vários os países do mundo que têm castração química para agressores sexuais, uns de forma coerciva, outros de forma voluntária”, disse, citando Estados Unidos e Polónia no primeiro grupo e Alemanha, França e alguns países nórdicos no segundo caso.

A partir daqui, multiplicaram-se as intervenções das várias bancadas, com o PS, através da deputada Alexandra Leitão, a considerar que não pode haver exceções em matérias que violam a dignidade humana, e o PSD, por Mónica Quintela, a questionar se não podem estar em causa os limites materiais de revisão da Constituição.

“Eu li isto e parecia que estava a revisitar o filme ‘Laranja Mecânica’ de Stanley Kubrick, parece um ‘remake’ de mau gosto deste filme (…) É proibido, ponto, é uma linha vermelha que não podemos ultrapassar em circunstância nenhuma”, disse.

“O nosso esforço deve ser no sentido de alargarmos os nossos princípios e não recuarmos. Há uma confissão integral dos factos da parte do autor de que pretende reintroduzir uma pena cruel e degradante”, corroborou o coordenador do PS Pedro Delgado Alves.

Pela IL, o deputado João Cotrim Figueiredo acusou Ventura de defender este tipo de pena por entender que é popular na sociedade, com Rui Tavares, do Livre, a repudiar o argumento de que quem é contra esta proposta está do lado dos abusadores sexuais.

O líder parlamentar do BE, Pedro Filipe Soares, acusou Ventura de querer introduzir a lei islâmica ‘sharia’ em Portugal, enquanto Alma Rivera, do PCP, reiterou o repúdio por uma “pena cruel, desumana e degradante”, e Inês Sousa Real, do PAN, a classificou como “um retrocesso dos direitos humanos”.

“Quando o Chega procurou introduzir a castração química como pena na lei foi-nos dito que tinha de ser na revisão constitucional, agora dizem que viola os limites da revisão. Qualquer dia temos de ir ao papa”, ironizou, o que levou o presidente da Comissão, José Silvano, a interromper os apartes dizendo que “ir ao papa tem algum significado”.

A discussão sobre este ponto prolongou-se por mais de uma hora e terminou com Pedro Delgado Alves a fazer um ‘mea culpa’ perante a comissão: “Devemos ter a resistência perante os populistas de os deixar a falar sozinhos”, assumiu.

Nos outros dois artigos esta terça-feira discutidos não se anteveem alterações na lei fundamental, já que PS e PSD manifestaram objeções quanto à pretensão da IL de incluir no artigo relativo ao acesso ao direito o recurso de amparo dos cidadãos para o Tribunal Constituição “por violação de direitos, liberdades e garantias”.

Quer PS quer PSD mostraram-se contra as três propostas apresentadas sobre o Provedor de Justiça: o BE queria que os militares pudessem recorrer diretamente a esta figura, sem passar pela hierarquia militar; o PCP pretendia que o seu mandato passasse a ser único e com duração de seis anos (em vez dos atuais dois de quatro anos); e o Chega propunha que a sua escolha fosse feita por um júri independente, em vez de eleito pelo parlamento.

Na quinta-feira, deverão ser apreciadas pela comissão as propostas do PS e do PSD para incluir os confinamentos sanitários entre as exceções que permitem a privação da liberdade.

O 12.º processo de revisão constitucional foi desencadeado pelo Chega (só sete foram até hoje concluídos) e conta com projetos dos oito partidos com assento parlamentar, que, no total, apresentaram 393 propostas de alteração, revogação e aditamento de artigos da Constituição.