Mais de 2.000 pessoas cumpriram esta sexta-feira um minuto de silêncio em frente ao parlamento em Atenas pelas 57 vítimas mortais do desastre ferroviário ocorrido na terça-feira, acidente que gerou consternação mas também protestos a exigir respostas às autoridades gregas.
Num país a cumprir um luto nacional de três dias, e após este minuto de recolhimento, um protesto sob o lema “Choramos os nossos mortos, exigimos a verdade” teve início, com os manifestantes a dirigirem-se para a sede da companhia ferroviária privada grega Hellenic Train, acusada de numerosas negligências e lacunas que estarão presumivelmente na origem deste acidente que está a abalar a Grécia.
Na capital grega, os manifestantes transportaram balões negros em memória das vítimas, onde se incluem numerosos estudantes que não resistiram à colisão dos dois comboios.
Também esta sexta-feira a maioria das universidades gregas esteve encerrada.
Este crime não deve ser escondido debaixo do tapete” ou “Envia-me uma mensagem quando chegares”, numa alusão ao testemunho de uma mãe cujo filho morreu no acidente, eram algumas das frases nas faixas exibidas no protesto.
Ao terceiro dia de luto nacional, os gregos estão a exigir respostas das autoridades, apesar do Governo ter admitido falhas “crónicas” na rede ferroviária que conduziram ao acidente.
De acordo com o diário de Atenas Efimerida ton Syntakton, e na sequência da privatização da rede ferroviária helénica no decurso da “crise da dívida” e a intervenção da ‘troika’ internacional de credores na primeira metade da década de 2010, nem o Governo nem os empresários aceitaram investir na renovação de um desatualizado sistema ferroviário.
O diário indicou que as carruagens foram adquiridas à Suíça, que as disponibilizou por considerá-las problemáticas. O mesmo jornal referiu que o acidente terá sido uma consequência de uma caótica privatização da rede ferroviária, considerando não se ter tratado essencialmente de um erro humano, como tem sugerido o Governo conversador de Kyriakos Mitsotakis.
O título avançou igualmente que o sogro de Georgios Gerapetritis — o novo ministro dos Transportes designado por Mitsotakis na sequência da demissão do seu antecessor Kostas Karamanlis, sobrinho do antigo primeiro-ministro grego conservador com o mesmo nome — é detentor de todos os contratos com a Hellenic Train.
O diário apontou ainda que o filho do procurador-geral responsável pela investigação é o advogado de Georgios Gerapetritis, que se demitiu após o desastre, numa altura em que o Governo tenta atribuir a quase total responsabilidade ao chefe da estação ferroviária de Larissa, entretanto detido.
Em paralelo, uma fonte judicial citada pela agência noticiosa AFP indicou que o inquérito em curso se destina “a iniciar processos penais, se necessários, contra os membros da direção da empresa” Hellenic Train.
A mesma fonte confirmou que “ficheiros áudio, documentos e outras provas que poderão ajudar a clarificar este caso e atribuir responsabilidades penais foram apreendidas” na gare de Larissa, após uma busca policial.
Esta anunciada operação destina-se a determinar as “eventuais causas” da brutal colisão de terça-feira, na mesma linha, do comboio que efetuava a ligação entre Atenas e Salónica (norte) e uma composição de mercadorias.
Em Larissa, a cidade mais próxima do acidente, e em Patras, uma cidade universitária do Peloponeso, centenas de manifestantes também se concentraram esta sexta-feira numa ação de protesto.
Para a tarde desta sexta-feira está prevista uma manifestação em Salónica, segunda cidade do país, onde numerosas vítimas seguiam os seus estudos.
Pelo segundo dia consecutivo prossegue a greve do setor ferroviário, com a confederação de sindicatos a denunciar “a ausência de respeito dos governos ao longo do tempo pelos caminhos-de-ferro gregos”, postura que, segundo frisou o coletivo, “originou este desastre”.
A população grega quer entender por que motivo um comboio que transportava 342 passageiros em dez carruagens foi autorizado a utilizar a mesma linha única, onde em sentido contrário circulava um comboio de mercadorias.
Na noite de quinta-feira já ocorreu uma manifestação em Salónica, que terminou em confrontos com forças policiais.
Perante a justiça, o chefe da estação de Larissa, indiciado por “homicídio por negligência” e “ferimentos corporais”, confessou o seu “erro”. O funcionário ferroviário arrisca uma pena de prisão perpétua caso seja comprovada a sua culpabilidade.
Diversos ‘media’, incluindo a televisão pública ERT, assinalaram a inexperiência do funcionário, pelo facto de ter sido designado para o posto há apenas 40 dias, após um emprego no Ministério da Educação e uma formação de três meses.
As organizações sindicais do setor há muito que reclamam um recrutamento de pessoal permanente, uma melhor formação e, em particular, uma adoção de modernas tecnologias de segurança, mas estas reivindicações nunca foram atendidas.
Neste âmbito, Kostas Genidounia, presidente do sindicato dos condutores ferroviários OSE, questionou a ausência de segurança na linha onde ocorreu o acidente.
Toda a sinalização é feita manualmente. Desde o ano 2000 que os sistemas não funcionam”, revelou.
Há três semanas, os representantes sindicais da companhia Hellenic Train tinham já emitido um sinal de alarme.
Não poderemos esperar por um acidente que vai acontecer para ver os responsáveis a verterem lágrimas de crocodilo”, advertiram na ocasião, mas sem resultados.
Em Atenas, centenas de pessoas também se manifestaram na noite de quinta-feira em frente à sede da Hellenic Train, empresa adquirida em 2017 no âmbito do programa de privatizações exigido pelos credores internacionais de Grécia no decurso da “crise da dívida” entre 2009 e 2018.