PS e PSD mostraram-se esta terça-feira abertos à possibilidade de eliminar da Constituição o critério “político” do conceito de refugiado, proposta pela Iniciativa Liberal, que quer ainda impedir a extradição de cidadãos que possam estar em “risco sério de vida”.
Na comissão eventual para a revisão constitucional, os deputados abordaram esta terça-feira o artigo 33.º da Lei Fundamental sobre ‘expulsão, extradição e direito de asilo‘, com a IL a querer eliminar a palavra “político” do conceito de refugiado, passando a ler-se apenas que “a lei define o estatuto do refugiado” — proposta que mereceu abertura de PS e PSD, que perfazem os dois terços necessários à alteração da Constituição.
Os liberais querem também acrescentar um ponto que estabelece que “não é admitida a extradição, nem a entrega a qualquer título, nos casos em que se verifique um risco sério de vida ou de sujeição a tortura ou a tratamentos desumanos e degradantes, nomeadamente por comprovada violação de direitos fundamentais pelo Estado requerente”.
Sendo esta apenas uma primeira leitura e debate sobre os artigos e havendo uma segunda ‘ronda’ na qual os partidos irão votar, Isabel Moreira, do PS, remeteu uma tomada de posição mais definitiva sobre as propostas da IL para o futuro, mostrando abertura e salientando que este partido “toca num ponto muito sensível” no que toca à extradição.
E é uma proposta relativamente à qual reservamos a nossa posição no sentido de um possível acompanhamento”, disse.
Em discussão estavam também outras propostas, nomeadamente uma do BE que visava estabelecer na Constituição o estatuto do ‘refugiado climático’. Para Isabel Moreira, a proposta da IL de eliminar o critério “político” permitiria abranger esta e outras possíveis preocupações.
A socialista argumentou que, desta forma, não haveria um compromisso “com outro tipo de subcategorizações que podem vir a ser alteradas no tempo” — dando como exemplo que, no futuro, pode eventualmente surgir o conceito de ‘refugiado sanitário’, ou outros.
Na mesma linha, a deputada do PSD Catarina Rocha Ferreira disse concordar genericamente com ambas as propostas da IL, e avisou, em relação ao conceito de ‘refugiado climático’ do BE, para eventuais constrangimentos na gestão de fluxos migratórios, apontando para uma “fronteira muito ténue entre refugiados climáticos e económicos”.
André Ventura, do Chega, concordou em retirar o critério “político” do conceito de refugiado mas deixou alertas quanto à proposta da IL de proibição da extradição para alguns países, argumentando que existem prisões estrangeiras que não têm, por vezes, condições humanas mínimas, o que faria com que Portugal não pudesse extraditar cidadãos para “nenhum país da América do Sul”.
Apesar destes argumentos, Pedro Filipe Soares, do BE, insistiu na necessidade da lei especificar o conceito de ‘refugiado climático’ e Rui Tavares, do Livre, confessou ficar “mais descansado” se a Constituição passasse a estabelecer que “a lei define a proteção internacional à luz da Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados e seus protocolos e do direito europeu aplicável” — proposta do partido também em debate que a maioria não considerou necessária ou com a qual não concordou.
O PCP levou também a discussão várias alterações a este artigo da Constituição, nomeadamente, “a retoma da proibição da extradição de cidadãos nacionais, bem como de cidadãos estrangeiros nos casos em que se apliquem nos países de destino penas de prisão perpétua ou de duração indeterminada”.
Sobre esta alteração, André Ventura deu um exemplo peculiar, argumentando que, seguindo a proposta do PCP, se Bin Laden tivesse nacionalidade portuguesa em 2001, após os atentados de 11 de setembro, e tivesse sido detido em Lisboa por estar na capital “a passar férias”, não poderia ser extraditado e seria punido com 25 anos de prisão.
Significava que o Bin Laden não podia ser entregue aos Estados Unidos da América, nem extraditado, tinha que ser julgado em Portugal com uma pena que ia acabar agora e dentro de uns dias seria posto em liberdade”, sustentou.
Pelo ‘caminho’ ficou a alteração do Chega para o artigo 26.º sobre ‘outros direitos pessoais’ na qual se definia que “a lei estabelecerá garantias efetivas contra a obtenção e utilização abusivas, ou contrárias à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias, no entanto, admitindo restrições a estes direitos por razões de segurança pública”.
O deputado Rui Paulo Sousa argumentou que esta proposta visava resolver o problema do acesso aos metadados das comunicações, depois de o Tribunal Constitucional ter ‘chumbado’ a atual lei, argumentando que o acórdão do TC faz referência a este artigo — no entanto, a proposta acabou rejeitada com PS a considerá-la “perigosa” e PSD a alertar para uma eventual “caixa de Pandora”.
A primeira hora desta reunião foi dedicada ao artigo 27.º, sobre o ‘direito à liberdade e à segurança’ — cuja discussão ficou interrompida na semana passada — com PS e PSD a reiterar a necessidade de incluir na Constituição a privação da liberdade para doentes graves, em caso de emergência sanitária, mostrando-se disponíveis para chegar a um consenso sobre as suas duas propostas.