Têm uma relação “privilegiada” com a distribuição, pois é através dela que chegam à maior parte dos consumidores. E numa altura em que se discutem as margens de lucro dos supermercados, e de todas as peças da cadeia, a Nestlé Portugal também quer ver esse tema debatido e esclarecido. Mas sem dogmas, dizem os responsáveis.

“É um tema sensível, pois quem fixa os preços ao consumidor e quem fixa as suas próprias margens é a distribuição. É à distribuição que cabe definir a margem sustentável no seu negócio”, começa por dizer Gonçalo Granado, diretor de comunicação da Nestlé Portugal, no âmbito da apresentação dos resultados anuais da empresa, e questionado sobre o reforço da ação do Governo sobre o escrutínio das margens da distribuição.

“Fazer um julgamento sobre se a margem é elevada ou baixa, não nos compete. A sermos chamados [à discussão que o Governo vai promover com a indústria], diria que estaremos naturalmente presentes. É fundamental que o Governo tenha um conhecimento profundo da forma como cada indústria” forma os preços, dos agricultores até à distribuição e ao consumidor, defende o responsável. “Qual é o negócio de cada um, quais são as margens, como funciona, quais são as contribuições de cada setor e que parte do valor fica em cada parte da cadeia”.

Para a Nestlé, é “fundamental” perceber “que a indústria gera emprego, paga impostos, contrata serviços, compra matérias-primas”. Questionado sobre quais seriam as soluções para atacar o problema dos preços, o diretor de comunicação da Nestlé considera que “é bom que se compreenda que não é com posições dogmáticas que estes temas se resolvem”.

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O mercado tem de funcionar, defende, e até “pode ser necessário em algum setor haver alguma intervenção, e não estou a dizer que é”, mas essa intervenção “não pode ser uma prática generalizada. Temos exemplos de aplicação dessas práticas generalizadas noutros sítios e sabemos que não funcionaram”, justifica.

“O que tentamos fazer com a distribuição, que é o nosso parceiro preferencial e é através deles que os nossos produtos chegam aos consumidores, é tentar encontrar as otimizações na nossa cadeia e do lado deles, para que os consumidores tenham acesso aos produtos ao preço mais acessível possível”, aponta.

Distribuição sob pressão máxima do Governo por causa de preço dos alimentos. Medidas de outros países estão a ser estudadas

Menos rentabilidade e ingredientes com aumentos de 60%

No dia em que faz 100 anos, a Nestlé Portugal revelou que fechou 2022 com um volume de negócios de 677 milhões de euros, mais 52 milhões de euros do que no ano anterior, o que significa um aumento de 8,3%. Apesar desta subida, a empresa ressalva que o ano passado foi “difícil” e que houve perda de rentabilidade devido ao aumento generalizado dos custos de produção.

Metade do crescimento resultou das vendas locais e a outra metade das exportações, que atingiram os 125 milhões de euros e já representam 20% das vendas.

“2022 foi um ano complicado. A inflação impactou todos. Para mitigar os aumentos, pusemos o foco nas eficiências internas para tentar reduzir a pressão da inflação. Mas perdemos rentabilidade”, notou Silvia Balcells, diretora financeira da empresa.

A Nestlé Portugal admite que aumentou os preços, mas limitou as subidas a “mais ou menos metade da inflação na categoria alimentar”, que rondou os 18% em 2022, pelo que as subidas médias do preços dos produtos ficaram pelos 9%.

“Nós fizemos muito na nossa cadeia de valor interna para minimizar o impacto ao consumidor neste ano difícil, mas aceitámos, em 2022, uma redução do nosso lucro. Houve aumentos de custos muito pronunciados em toda a cadeia de valor, tivemos ingredientes que aumentaram 60%, o vidro aumentou brutalmente, e também o café, que consome bastante energia”, revelou Anna Lenz, diretora-geral da Nestlé Portugal. “Fizemos tudo para mitigar os aumentos, foi o nosso contributo neste ano muito complicado para a população”.

A empresa, que emprega quase 2500 pessoas em Portugal, de 52 nacionalidades, decidiu aumentar os colaboradores em mil euros anuais em 2022, “tendo em conta o difícil contexto económico e por forma a mitigar o impacto da inflação no poder de compra” dos trabalhadores. Esta “intervenção salarial excecional” acumulou com a revisão dos subsídios de turno e um aumento dos benefícios dos colaboradores das fábricas e centros de distribuição.

Em 2022 o investimento da empresa em Portugal totalizou 73 milhões de euros, mais que os 64 milhões investidos no ano anterior. Deste valor, 30 milhões foram aplicados nas operações, nomeadamente na modernização das fábricas e no aumento da sua capacidade, e 43 milhões tiveram como destino as atividades de marketing e comunicação.

A Nestlé comprou em Portugal mais de 50% das suas necessidades totais de matérias-primas, materiais de embalagem e serviços, no valor de 140 milhões de euros. A empresa tem mais de 900 fornecedores nacionais. Em 2022, a Nestlé registou uma quota de mercado de 33,5%. Para este ano, a diretora-geral da empresa prevê que seja “complicado outra vez”, mas não prevê uma quebra nas vendas, antes um possível crescimento dos produtos mais acessíveis e dos chamados “pequenos mimos”.