Os 13 militares que se recusaram a embarcar no navio Mondego aterraram esta sexta-feira de manhã no aeroporto de Lisboa. Os militares viajaram a bordo de um voo civil da TAP, que tinha hora de chegada prevista para as 9h25. A maioria chegou fardada.

Os oficiais da Marinha foram recebidos na zona das chegadas por familiares, que bateram palmas e cantaram o hino nacional. Os representantes legais, os advogados Paulo Graça e António Garcia Pereira, estiveram também presentes. Graça e Garcia Pereira criticaram as declarações desta quinta-feira do almirante Gouveia e Melo, com o segundo a admitir, em declarações à TSF, avançar com um processo contra o Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas.

“[Os militares] foram objeto de uma repreensão pública e filmada pela comunicação social. É um ato infamante de desrespeito pela sua dignidade e proibido pelo regulamento de disciplina militar”, começou por dizer Garcia Pereira à TSF. “Sanções disciplinares podem ser aplicadas na sequência de um processo onde há uma acusação concreta, onde houve uma defesa e a produção das respetivas diligências, onde há uma decisão, quando essa decisão se torna definitiva e depois se ela implicar a aplicação de uma sanção, essa sanção deve ser aplicada de forma a que salvaguarde a dignidade do visado. O que nós assistimos foi uma cerimónia de humilhação e vexame público completamente inaceitável.”

O especialista em direito laboral descreveu o momento da chegada dos 13 militares a Lisboa como “um momento de grande dignidade e emoção”. “São pessoas que têm servido a Marinha Portuguesa e que se orgulham da farda que envergam e não são os miseráveis como foram apresentados publicamente. A seu tempo e pelos meios adequados farão a prova de tudo o que era levante para se esclarecer esta questão”, declarou.

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Garcia Pereira denunciou a existência de “uma tentativa de apagamento de vestígios de prova”, especificando que “o navio foi limpo de manhã na quarta-feira para que a comunicação social fosse chamada”.

Em declarações à RTP, Paulo Graça adiantou que tinha a informação de que os marinheiros seriam levados do aeroporto para a Direção de Serviço de Pessoal da Marinha, não sabendo no entanto especificar se está previsto algum “expediente” para esta sexta-feira. Também Garcia Pereira não soube dizer qual “o objeto da diligência a que eles foram agora sujeitos”. “Têm uma indicação para se dirigirem à direção de pessoal para procedimentos que não sabemos quais são, continuaremos a acompanhar de perto”, disse à TSF.

Os marinheiros serão ouvidos na segunda-feira pela Polícia Judiciária Militar e serão provavelmente suspensos até lá.

Novamente questionado sobre as declarações de Gouveia e Melo, o advogado classificou-as como “lamentáveis”, esclarecendo que o que aconteceu não teve nada a ver como “revolta naval”. Graça condenou também que” estes homens, alguns deles condecorados e com muitos anos de serviço, tenham sido enxovalhados sem sequer terem sido ouvidos previamente”.

“Estupefação” e “indignação”. Advogado Paulo Graça critica “condenação pública” feita por Gouveia e Melo

“Estupefacto” e “indignado”. Foi assim que o advogado reagiu num primeiro momento às declarações de Gouveia e Melo e da Marinha sobre a situação, criticando a “grave condenação em praça pública” dos militares, que ainda não conseguiram contar a sua versão dos factos.

Em declarações à SIC esta quinta-feira, Paulo Graça comentou as duras palavras do Chefe do Estado-Maior da Armada, que disse em visita à embarcação no Funchal, que atos de disciplina “não são admissíveis” e que não vai permitir que esses comportamentos “alastrem”, além de considerar que nenhum interesse foi “servido” pelo ato de indisciplina: “O país não serviu, da Marinha não serviu e destes homens, que também serão vítimas dos seus próprios atos, também não serviu certamente.”

Ora, apesar de Gouveia e Melo ter recusado fazer “julgamentos precipitados”, para Graça o julgamento público está feito através das declarações “infelizes” do chefe militar e da Marinha. “[Os treze militares] têm estado privados, desde dia 11, da sua liberdade e a Marinha teve oportunidade de desenvolver a sua tese”, atirou. “Ninguém ouviu estes 13 militares, nem o que têm a dizer”.

Gouveia e Melo: recusa dos militares vai ser algo “notado pelos nossos aliados”

Isto é, a Marinha e Gouveia e Melo “permitiram-se condená-los e a executar a sanção em praça pública, através deste tratamento infamante”, considerou. “Só posso estar indignado pela completa postergação das regras”. Até porque estas “sanções produzidas em praça pública”, insistiu, “tem uma repercussão de monta e atinge seriamente a dignidade pessoal e profissional destes militares”.

O advogado revelou ainda que os militares em causa têm “uma história para contar” que não “coincide” com a da Marinha, e que contarão “a seu tempo” para que “cada português possa fazer o seu juízo” — não o fizeram até agora porque não tinham, inicialmente, “aconselhamento jurídico” para tal, esclareceu.

E prometeu que quando isso acontecer os factos que têm para pôr em cima da mesa “trarão uma luz completamente diferente da que está a ser lançada”, pedindo, por isso, que não se façam juízos precipitados e que o caso chegue depois a “instâncias imparciais” — “tenho dúvidas de que a Marinha seja neste momento uma [instância imparcial]”, atirou.

Gouveia e Melo: recusa dos militares vai ser algo “notado pelos nossos aliados”

Para a Marinha, estará em causa um crime de insubordinação, que pode significar, se houver condenação, uma sentença de um a quatro anos de prisão, explicou o advogado. Para já, os militares, que já estão a ser substituídos, regressarão na sexta-feira a Lisboa, para que na segunda-feira possam ser ouvidos pela Polícia Judiciária Militar, confirmou o advogado. “Relativamente à parte criminal que se diz que existe, responderão perante o Ministério Público”.

Os 13 militares que se recusaram a embarcar na missão de acompanhamento de um navio russo ao largo da Madeira justificaram a decisão com receios sobre a segurança do navio, alegando que havia um motor e um gerador de energia elétrica que estavam inoperacionais e que as previsões meterológicas apontavam para ondulações de até três metros. Mas a Marinha anunciou que seriam sujeitos a um processo disciplinar, considerando que “não cumpriram os seus deveres militares, usurparam funções, competências e responsabilidades não inerentes aos postos”.

Entretanto, Gouveia e Melo admitiu que a embarcação “não está nas melhores condições”, mas frisou que a Marinha não enviaria para missão “navios sem capacidade” e que essa avaliação nunca seria da competência dos militares. Além disso, disse que pediu uma inspeção independente ao material e que obteve como resposta “um rotundo não” sobre a falta de condições da embarcação para cumprir a missão.

Artigo atualizado às 12h52 de 17/03/23 com novas declarações do advogado Paulo Graça