São mais de 600 nomes russos apontados pela Ucrânia como suspeitos de crimes de guerra. Num enorme painel, de quatro metros de largura por 1,5 de altura, o Ministério Público ucraniano construiu uma cadeia militar de alegados envolvidos que vai desde os soldados rasos até oficiais políticos e militares de alta patente, altos funcionários do governo russo, incluindo o ministro da Defesa, Sergei Shoigu.
No quadro estão nomes e fotografias dos “cabecilhas” das operações militares, regimento por regimento, até às ligações que estes estabelecem com o Presidente Putin. Funciona quase como uma árvore genealógica, onde cada um é responsável por um determinado crime numa cidade diferente. “Começámos a construir este mapa o ano passado e vamos atualizando-o semana após semana”, explica Oleksandr Filchakov, procurador-geral da região de Kharkiv ao jornal The Guardian que consultou o grande esquema e através de entrevistas com ex-soldados e oficiais de justiça, traçou o perfil de alguns dos principais combatentes e militares russos acusados pela Ucrânia.
Do carniceiro de Mariupol ao herói caído em desgraça
Entre os nomes que constam do quadro está Mikhail Mizintsev, conhecido como “o Carniceiro de Mariupol”, a cidade que esteve cercada pela Rússia durante três meses – uma das batalhas mais terríveis da guerra da Ucrânia. Segundo as autoridades ucranianas, nesta cidade morreram mais de 22.000 pessoas às mãos dos russos. Esta tragédia foi comparada com a destruição provocada em Aleppo, na Síria, quando, em 2015, a região ficou reduzida a escombros devido às bombas russas que atingiram aquele território.
Ambos os ataques foram dirigidos pelo coronel general Mikhail Mizintsev – o primeiro chefe do Centro de Controlo da Defesa Nacional da Rússia, que supervisionou a construção do centro de comando no coração do Kremlin.
Tal como fez em Aleppo, durante os violentos bombardeamentos, Mizintsev coordenou o bloqueio e a execução das forças ucranianas pelas ruas de Mariupol, evitando a saída de civis da cidade. Foram as suas manobras militares que lhe deram a alcunha de “o carniceiro de Mariupol”. Aliás, muitos dos militares que estiveram a combater na Síria integraram as tropas de Moscovo na invasão à Ucrânia.
“Ele sempre foi um ótimo coordenador”, indicou ao The Guardian um ex-funcionário do Ministério da Defesa russo, que trabalhou com Mizintsev, acrescentando que este tinha uma relação forte com Valery Gerasimov, o Chefe do Estado-Maior do Exército Russo.
A cidade de Kharkiv registou igualmente um elevado número de mortes na sequência de vários ataques aéreos com recurso a bombas de fragmentação, consideradas ilegais e proibidas pelas convenções internacionais – as munições ‘clusters’.
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O Centro de Resiliência da Informação, uma organização sem fins lucrativos que denuncia casos de abuso dos direitos humanos, foi capaz de identificar o comandante russo detrás destas operações militares – Alexander Zhuravlyov.
Zhuravlyov esteve ao lado de Mikhail Mizintsev em Aleppo e foi considerado Herói da Federação Russa, um dos maiores prémios militares russos. O tenente-general russo foi o único a poder autorizar o lançamento das armas de fragmentação para território ucraniano a nordeste de Kharkiv. Mas a situação mudou de figura quando as tropas ucranianas, numa contraofensiva, reconquistaram a cidade, obrigando o Kremlin a despedir Zhuravlyov, substituindo-o por Roman Berdnikov.
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Timoshin, responsável pelo ataque de Dnipro
As imagens de um centro comercial em Kremenchuk, na região de Kursk, encheram os noticiários a meio de junho passado depois de um míssil Kh-22 o atingir. Do grande edifício em chamas, sobraram apenas os escombros onde morreram pelo menos 20 pessoas. O autor do ataque foi o Comandante da Unidade Militar das Forças Armadas russas, Oleg Timoshin. Mas não se ficou por aí. Timoshin também foi responsável pelo ataque contra um conjunto de apartamentos na cidade de Dnipro, que matou 44 pessoas.
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Não esteve só. Sergei Dronov, Comandante da Força Aérea e Vice-Comandante em Chefe das Forças Aéreas e Espaciais, tem coordenado todas as operações aéreas do conflito na Ucrânia. Na fase inicial da guerra, gabou-se dos números de aeronaves disponíveis para combater – 700 caças contra 64 da Ucrânia –, mas, até agora, nem sempre brilhou na conquista e domínio do espaço aéreo para eliminar as tropas ucranianas.
“Dronov era conhecido por ser altamente corrupto, talvez por isso é que não seja grande surpresa que a aviação russa tenha falhado nas suas funções”, afirma Gleb Irisov, ex-tenente da Força Aérea russa, ao The Guardian.
Azatbek Omurbekov e o massacre de Bucha
A cidade de Bucha é uma autêntica zona de crime – 458 corpos recuperados das valas comuns, centenas de cadáveres de cidadãos ucranianos soterrados nos escombros dos edifícios de Borodianka e Hostomel.
Azatbek Omurbekov não escapa à lista de criminosos de guerra russos. Nascido no Uzbequistão soviético e sob o controlo de Oleg Salyukov, comandante-chefe das Forças Terrestres russas, chefiou as tropas de Moscovo responsáveis pelos crimes de morte, violação e tortura a civis, que lhe valeram, à semelhança de Mikhail Mizintsev, a alcunha de “O Carniceiro de Bucha”.
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Salyukov é um dos oficiais mais antigos do Exército russo e acredita-se que “quem quer fazer carreira no exército, precisa da sua aprovação”, confirma ao The Guardian um ex-funcionário do Ministério da Defesa.
Mas não é só o Ministério Público ucraniano que está a investigar os crimes de guerra cometidos pelas forças russas em território ucraniano. Desde o ano passado que o Tribunal Penal Internacional na cidade de Haia tem recolhido informações sobre os alegados autores dos crimes de guerra nas cidades ucranianas com o objetivo de garantir que não saem impunes.