O antigo secretário de Estado das Obras Públicas e Transportes defendeu os méritos da privatização da TAP que conduziu em 2015, remetendo para as conclusões da auditoria realizada pelo Tribunal de Contas à operação e com uma investigação que o Ministério Público abriu e arquivou. Sérgio Monteiro referiu ainda que a transação foi aprovada por auditores da TAP e da Parpública, a empresa do Estado que liderou o negócio. “Ninguém encontrou nenhum problema em 2015”.

O antigo governante de Passos Coelho garantiu também que nunca foi feita referência à existência de um apoio da Airbus ao consórcio que ganhou a primeira privatização da TAP.

E apesar de não saber à data que o dinheiro aplicado pelo empresário americano David Neeleman na TAP tinha vindo diretamente da Airbus (empresa que vendeu aviões à companhia aérea) sublinhou que, para o Governo do PSD/CDS que fez a venda, o mais importante era garantir a “perenidade da capitalização feita pelos privados”. Ou seja, que o dinheiro colocado pelos acionistas privados, neste caso David Neeleman e Humberto Pedrosa, ficava na empresa a longo prazo e não seria logo reembolsado aos acionistas. E essa salvaguarda existia para 30 anos no contrato que foi fechado em julho de 2015, embora só finalizado em novembro do mesmo, e já depois da eleições legislativas, pelo segundo governo de Passos Coelho que durou um mês (e do qual Sérgio Monteiro já não fazia parte).

Governo ignora apelo do PS e fecha venda da TAP

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O ex-secretário de Estado foi ouvido na comissão de Economia a pedido do PS, numa iniciativa paralela à comissão parlamentar de inquérito à gestão pública da empresa, na sequência de informação recentemente sobre a engenharia financeira que o comprador de 2015, David Neeleman, usou para colocar recursos na TAP. Recursos esse que resultaram da renegociação do contrato de compra de aviões à Airbus que avançou esses fundos (227 milhões de dólares) ao empresário americano. A Atlantic Gateway, de David Neeleman e Humberto Pedrosa, comprou 61% do capital da TAP em 2015, uma operação que foi parcialmente revertida pelos socialistas em 2016.

Para o antigo governante, “ainda bem que David Neeleman encontrou uma entidade que confiou nele”. Considerando que a expressão “fundos Airbus parece ter origem duvidosa”, reconheceu que esse aspeto da origem dos fundos “nunca nos preocupou”.

Argumentou que a mera desistência do contrato dos A350 não permitiria obter o valor que veio a ser injetado na TAP pelo empresário americano, defendendo que foi a dimensão da encomenda de 53 aviões que permitiu alavancar a verba paga pela Airbus a Neeleman e que este canalizou para a capitalização da TAP.

A TAP, lembrou, preferiu a proposta da Gateway (de David Neeleman) e aceitou a alteração dos aviões. “Queríamos acautelar que o dinheiro não saía da empresa. E isso ficou salvaguardado”.

O tema foi suscitado pelo deputado Carlos Pereira do PS, que confrontou o ex-secretário de Estado com a avaliação inicial feita da proposta do consórcio Gateway que assentava já na utilização de fundos da Airbus por parte deste concorrente para capitalizar a TAP, tendo como contrapartida a mudança da frota encomendada pela transportadora. Em vez de 12 aviões A350, a TAP ficou com 53 aviões A 330 com menor alcance de voo.

Esta troca, segundo uma auditoria recente entregue já em 2021 ao Governo pela atual administração da TAP, representou um agravamento de custos de 420 milhões de euros para a empresa. E suscitou uma queixa ao Ministério Público por parte do ministério ainda liderado por Pedro Nuno Santos. O empresário americano que vendeu a sua posição na TAP em 2020 no início da pandemia por 55 milhões de euros já veio publicamente afirmar que os governos de Passos Coelho e de António Costa estavam a par de todo o negócio feito em 2015.

TAP. David Neeleman assegura que Passos Coelho e Costa estavam a par do negócio com a Airbus

Segundo explicou Sérgio Monteiro, a troca de frota encomendada proposta por David Neeleman correspondia a uma visão estratégica para a TAP que apostava na expansão da oferta para a América do Norte e do Sul (viável para aviões de menor raio como os A330) e uma maior capilaridade de destinos, o que seria alavancado com um maior número de aeronaves. “Hoje ninguém discute o mérito da proposta da Gateway”, face à apresentada pelo outro concorrente à TAP, o empresário Germán Efromovich (dono da Avianca), que apostava em crescer para a Ásia.

Em resposta a perguntas do deputado social-democrada, Paulo Moniz, Sérgio Monteiro descreveu a TAP de 2015 como uma empresa descapitalizada, com dívidas de combustível à Galp e de taxas aeroportuárias e que estava em incumprimento com a Airbus que não mostrou disponibilidade para adiar os pagamentos da TAP. A empresa estava em risco de entrar em incumprimento e perder um contrato que tinha um grande valor económico. E se isso acontecesse, perdia os mais de 50 milhões de euros já pagos ao fabricante europeu.

A proposta da Gateway permitiu evitar esse risco, porque, defendeu em resposta ao deputado Bernardo Blanco da IL, ficou assegurado que “todo o dinheiro entregue pela Airbus à Gateway teria de ser canalizado para a TAP e não podia ser devolvido aos acionistas por 30 anos”. E se isso não acontecesse, o Estado teria direito a retomar o capital da transportadora sem reembolsar os fundos colocados na capitalização privada.

Sérgio Monteiro confirmou ainda que o Estado e a Parpública recusaram uma proposta inicial da Atlantic Gateway de comprar à TAP o contrato de aquisição dos 12 A350 feita em maio de 2015 e que foi alterada na proposta final que veio a ganhar a privatização. “Era inaceitável em maio e aceitável em julho”.  Mas deixa claro que, “não houve qualquer referência em qualquer momento anterior a setembro (quando abandonou as funções) uma referência a um apoio da Airbus ao agrupamento Atlantic Gateway. O que há em maio é uma vontade do consórcio de comprar um contrato que tinha como contraparte a Airbus. Essa questão, diz, surge mais tarde no contexto de uma negociação já como um apoio do vendedor sobre a forma do pagamento de fundos Airbus.

E assegurou que enquanto esteve em funções (até setembro) nunca foi feita referência à existência de um apoio da Airbus ao grupo Atlantic Gateway.

Para Sérgio Monteiro, a TAP pública não conseguiria fazer o negócio que Neeleman fez com a Airbus

O ex-secretário de Estado explicou ainda ao deputado do PCP, Bruno Dias, porque a TAP pública não poderia ter feito o mesmo negócio que o empresário americano com a Airbus (e internalizado ela própria os ganhos dessa troca). “A TAP pública não podia fazer esse negócio porque não podia comprar 53 aviões. Nem tinha dinheiro para pagar os 12 já encomendados”. Sérgio Monteiro invocou ainda o percurso de David Neeleman no setor da aviação, um empresário “que abriu o mercado americano à Airbus”, permitindo ao fabricante europeu concorrer com a Boeing. “Era uma relação de muitos anos” que foi uma mais-valia porque a Airbus não queria adiar os pagamentos por parte da TAP.

O antigo governante, que é um homem da banca de investimento, foi ainda confrontado com a opção de pagar os aviões através de leasing operacional, o que, segundo Filipe Melo do Chega, resultou num agravamento a prazo dos custos operacionais da empresa — e que eventualmente explicará porque a TAP chegou à conclusão, recentemente, que está a pagar mais pelos aviões do que as empresas concorrentes.

Para Sérgio Monteiro, a estratégia de financiamento era da responsabilidade do parceiro privado e não dizia respeito ao Estado. E para o Estado, “quanto menos dívida financeira, melhor”. Se a dívida da TAP fosse reembolsada mais depressa (pela opção de comprar em leasing operacional os aviões) e substituída por dívida nova, e isso era uma boa notícia porque o Estado tinha assumido junto dos bancos a responsabilidade pelo pagamento da dívida contraída pela TAP até à privatização. Isto no caso de empresa entrar em incumprimento de rácios mínimos de capital após a recapitalização privada feita em 2015.

A auditoria que “validou” venda de 2015 e criticou reversão socialista

Na sua intervenção inicial, Sérgio Monteiro recuperou as conclusões da auditoria divulgada em 2018, segundo a qual a  operação permitiu “viabilizar uma empresa estratégica, melhorando as contas da vendedora (a holding estatal Parpública) e assegurar a recapitalização da TAP pelo investidor privado.

Auditoria do Tribunal de Contas. Recompra da TAP aumentou riscos para o Estado

A auditoria alerta também que o Estado perdeu “o controlo estratégico e garantiu dívida financeira em caso de incumprimento”, parte não referida pelo ex-governante do PSD/CDS, para além de tecer várias críticas à reversão parcial conduzida pelo primeiro Governo do PS que, considerou o Tribunal, resultou num aumento dos riscos para o Estado.

Sérgio Monteiro, que voltará a dar explicações na comissão parlamentar de inquérito, recupera a auditoria publicada em 2018 para levantar várias suspeitas sobre o resultado da operação conduzida pelo primeiro governo do PS que deu 50% do capital da TAP ao Estado, mas manteve a gestão privada. Questionou o afastamento deste processo da Parpública, a entidade pública que vendeu a transportadora em 2015, e o papel da comissão paritária que deveria ter controlado a execução dos contratos assinados com os acionistas privados.

O ex-governante sublinhou contudo um aspeto positivo concretizado durante a tutela socialista da TAP que foi o reembolso da quase totalidade da dívida histórica da empresa que seria uma responsabilidade financeira para o Estado, caso a empresa entrasse em incumprimento na gestão privada. Foram amortizados mais de 400 milhões de euros (e substituídos por nova dívida) desse passivo bancário, o que reduziu para pouco mais de 200 milhões de euros o risco do Estado.