O blogue “Program Think” já tinha 12 anos de críticas dirigidas ao governo da República Popular da China quando cessou de publicar conteúdos, revela a CNN. O espaço online debruçava-se sobre temas como censura e dava sugestões sobre como neutralizar a proibição das redes sociais imposta pelo regime de Xi Jinping.
Contudo, pouco é sabido sobre a autoria deste blogue. Mas existem fortes suspeitas desde que Bei começou a tentar perceber o que é que tinha acontecido ao marido, um engenheiro.
A 10 de maio de 2021, no dia seguinte ao blogue ter deixado de publicar artigos, Ruan Xiaohuan foi detido na sua residência em Xangai e acusado de subverter o regime autoritário. As autoridades chinesas sentenciaram-no em fevereiro último a sete anos de prisão.
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A sua mulher, de apelido Bei, estranhou inicialmente a detenção porque o marido estava focado na área da tecnologia e não lhe conhecia qualquer atividade política. O julgamento foi feito em privado e Bei viu o seu marido, visivelmente mais magro e de cabelo todo branco, apenas na leitura da sentença, a 10 de fevereiro deste ano. A polícia tinha-lhe dito apenas, há nove meses, que a detenção do cidadão chinês de 45 anos de idade envolvia “segredos de estado”.
Porém, após ter consultado uma cópia do veredicto do julgamento, Bei acabou por perceber que o companheiro não era apenas um mero “crânio” tecnológico. O documento não explicita o nome do blogue ou o tipo de conteúdo escrito, mas refere que Ruan, desde 2009, tinha publicado 700 artigos que “espalham rumores e calúnias, atacam e difamam o atual sistema político do país”.
Bei ficou ainda surpreendida com a acusação, pois desde o ensino básico que Ruan se interessava pelo estudo de vírus de software, tendo mais tarde frequentado um curso superior de engenharia química juntamente com a mulher.
Além de ter aprendido a programar, Ruan passava muito do seu tempo livre enquanto estudante a ler sobre computação na biblioteca da Universidade de Ciência e Tecnologia da China Oriental, em Xangai. Apesar de não ter concluído a licenciatura, optou pela ramo da cibersegurança, tendo feito parte dos Jogos Olímpicos de Pequim em 2008 como engenheiro para o sistema de segurança de informação.
Bei quis perceber mais sobre as incriminações imputadas ao marido e efetuou uma pesquisa sobre autores chineses declarados desaparecidos. Encontrou o “Program Think” e, ao ler alguns dos artigos, reconheceu o tipo de escrita e o estilo do marido. Segundo a Vice News, o e-mail do blogue foi associado a um outro atribuído a Ruan. Além de Bei, também organizações como a Human Rights Watch e a PEN America acreditam que o arguido é o autor.
No ano de 2011, o “Program Think” divulgou alguns detalhes sobre o massacre na praça de Tiananmen em 1989. O blogger chegou a receber ataques ao seu e-mail por parte do governo, tendo a secção de comentários do blogue sido vítima de críticas pró-regime.
Em 2012, Ruan decidiu ficar em casa por estar descontente com as limitações impostas na área da investigação e desenvolvimento e focou-se em software de open source . No ano seguinte, o “Program Think” venceu o prémio “Best of the Blog” da Deutsche Welle. Para “comemorar” a ocasião, o blogger escreveu no seu espaço online: “Podemos não querer saber de política, mas a política virá sempre atrás de nós”.
Após a divulgação dos Panama Papers em 2016, o blogue compilou vários dados sobre um alegado envolvimento de líderes do Partido Comunista Chinês (PCC) e os seus familiares. Esta compilação levou as autoridades chinesas a prestarem mais atenção ao “Program Think”.
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Bei continua a lutar pela libertação do marido, tendo no mês passado contratado dois advogados peritos em direitos humanos para refutar as acusações em recurso. O Supremo Tribunal Popular de Xangai argumenta que Ruan, por já ter nomeado os seus assistentes jurídicos, não os pode agora substituir.
Apesar da disputa legal, o papel do blogue na luta por liberdades na China é realçado e reconhecido por alguns peritos devido à sua frontalidade.
À CNN, Zhou Fengsuo, líder estudantil durante o movimento em Tiananmen, salienta que o blogue “conseguiu durar 12 anos, mesmo sob a vigilância do PCC”. Já Eric Liu, analista do China Digital Times, revela que a “rápida diminuição do espaço político da China durante a última década empurrou o Program Think para a linha da frente das atividades do chamado Partido Anti-Comunista”.
Já Bei preferia que o marido tivesse deixado o comentário político de lado. “Penso que teria dado um maior contributo para a sociedade se tivesse dedicado o seu tempo à tecnologia”, lamenta.