A redução da dívida pública será mais lenta do que o previsto, nos próximos anos, em vários países incluindo Portugal. O FMI adiou em um ano o momento em que acredita que Portugal irá conseguir diminuir a dívida para menos de 100% do PIB, num contexto geral em que os países enfrentam “maiores pressões para aumentar a despesa”. Há que contrariar essas pressões e resistir aos “grupos que tentam ser compensados pela inflação passada”, defende o departamento de Assuntos Orçamentais do FMI, liderado pelo ex-ministro das Finanças português Vítor Gaspar – caso contrário, a dose de aperto orçamental e monetário terá, depois, de ser redobrada.
No Fiscal Monitor, um relatório aprofundado que o Fundo Monetário Internacional (FMI) divulga semestralmente, antecipa-se que o endividamento público (bruto, excluindo depósitos) irá fechar o ano de 2023 em 112,4% do PIB. No próximo ano deverá cair para 108,6% e em 2025 para 105,2%, porém em 2026 ainda estará acima dos 100% da riqueza produzida anualmente na economia portuguesa: 102,2%. Só no ano seguinte, 2027, se admite que a dívida pública possa estar em 99,3% do Produto Interno Bruto (PIB).
Em outubro, a redução esperada para a dívida era mais rápida, partindo de uma base (melhor) de 111,2% de 2023. A previsão que existia era que já em 2026 a dívida baixaria dos 100% do PIB, para 99,8%, e em 2027 já estaria bem mais distante dos três dígitos: 97%.
Mas “o ritmo da consolidação orçamental deverá abrandar em 2023, com as economias a enfrentarem pressões para aumentar a despesa”, afirma o FMI, referindo-se às economias globais em geral. Para as contas de Portugal, o FMI mostra-se um pouco mais otimista do que antes e aponta para um défice de 1,2% este ano – melhor do que os 1,4% previstos em outubro mas um défice maior do que os 0,9% que o Governo prevê.
As previsões do FMI significam que Portugal irá continuar entre os países mais endividados da zona euro – que nos próximos anos irá baixar a dívida, em média, de quase 90% para a casa dos 85% em 2028. Porém, a tendência em Portugal é para uma descida do endividamento, o que não acontece, por exemplo, em França, onde a dívida pública (bruta) sobe dos 111,4% em 2023 para 115% em 2028. Em Espanha, os esforços de redução de dívida também devem estagnar perto dos 108% nos próximos anos.
“Grupos” podem tentar ser “compensados pela inflação passada”
O FMI salienta, no Fiscal Monitor, que “no atual contexto de inflação elevada, aumento das taxas de juro e dívida elevada, é essencial que as políticas orçamentais e monetárias estejam alinhadas para assegurar a estabilidade dos preços e a estabilidade financeira”. “Em muitos países, a política orçamental deve ser apertada para ajudar a atenuar as pressões inflacionistas, permitindo que os bancos centrais aumentem menos as taxas de juro”, afirma o FMI, acrescentando que “essa contenção orçamental deve salvaguardar as áreas prioritárias e gerir a pressão pública associada ao custo de vida em contexto de abrandamento económico”.
Porém, salienta o organismo liderado por Vítor Gaspar, “as pressões para aumentar a despesa têm de ser contidas, já que vários grupos podem tentar ser compensados pela inflação que passou“. Caso esses “grupos” o consigam, não só irá colocar em risco as contas públicas como “irá tornar a inflação mais persistente” e, por sua vez, “obrigar a um aperto orçamental e monetário ainda mais forte no futuro”.
O Fiscal Monitor divulgado esta quarta-feira inclui uma caixa onde o FMI reflete sobre um dos grupos mais relevantes da economia, a Função Pública. E a conclusão é que, especialmente num mercado de trabalho com pouco desemprego como aquele que existe na Europa e nos EUA, por exemplo, “os aumentos da função pública têm impactos significativamente maiores e mais duradouros nos salários do setor privado e na inflação“.
Deve evitar-se qualquer tipo de indexação, nessa matéria, diz o FMI. “Se os salários da função pública funcionam como uma referência para os salários no setor privado (como acontece em muitos países), uma indexação agrava as despesas reais, contribuindo para estimular a procura agregada e potencialmente levando a inflação a tornar-se mais persistente”, avisa o organismo.
Lembrando que os níveis de dívida ainda estão acima dos valores anteriores à pandemia, a recomendação feita pelo FMI é que exista uma “política orçamental mais apertada – assegurando um apoio localizado aos mais vulneráveis – que complemente os esforços levados a cabo pelas autoridades monetárias para trazer a inflação para perto do objetivo”. “Se a inflação mostrar ser mais persistente do que o previsto, isso obrigará a maior aperto durante mais tempo“, termina o FMI.
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