O primeiro-ministro lamenta que José Sócrates “não tenha compreendido a necessidade de haver uma separação clara entre o que era a política e a questão pessoal”. Em entrevista à CNN a propósito do meio século de vida que o Partido Socialista comemora esta quarta-feira com um jantar que inclui todos os antigos líderes “filiados” — o que deixa o ex-primeiro-ministro de fora —, António Costa falou sobre a não conclusão da Operação Marquês que envolve José Sócrates e também do seu próprio futuro político.
“Tenho pena de tudo, tenho pena de tudo porque toda a história é horrível. É horrível nunca mais se chegar a um apuramento final da verdade através de um julgamento a que toda a gente tem direito e que deve ser realizado”, disse referindo-se à Operação Marquês, que tem como um dos principais arguidos José Sócrates, ressalvando que “qualquer que seja a decisão, deve ser respeitada”.
O secretário geral do Partido Socialista lamentou ainda que o ex-primeiro-ministro “não tenha compreendido a necessidade de haver uma separação clara entre o que era a política e a questão pessoal dele, mas isso há que respeitar”. “Eu percebo que ele não compreenda que o PS e eu próprio tenhamos tido de fazer uma separação entre aquilo que era a solidariedade pessoal e o que era a questão política, e eu respeito essa decisão”, rematou.
António Costa foi ainda questionado sobre os planos para o futuro e esclareceu o seu desinteresse em candidatar-se à Presidência da República: “Nunca Belém”, frisou. Já sobre um possível cargo europeu, Costa mostrou-se menos taxativo. “Europa são muitos quadros”, começou por dizer. “Aquilo que já disse é que até ao final desta legislatura não tenho disponibilidade para qualquer função europeia”, afirmou ao mesmo canal. “Assumi um compromisso com o país até outubro de 2026”.
O que irrita Costa na política? A “agressividade” e o “papagueismo”
Na mesma entrevista, o primeiro-ministro falou sobre a atividade política, o panorama nacional e o papel como secretário-geral do PS. “Irrita-me muito a agressividade, não acho que ajude a vida política”, confessou à CNN. Irrita-o também o “papagueismo, a repetição”. “Há uma coisa que me enerva muito na política que é as pessoas não perceberem que a função essencial dos políticos é resolverem os problemas”, criticou. “Há pessoas que vivem a vida toda na política só a dizer que só há problemas”.
António Costa falou também sobre a sua postura perante o presidente do Chega, do qual faz questão em demarcar-se. “Não se é líder da oposição porque se consegue mais soundbites na televisão”, começou por dizer. “Acho que é preciso ser muito claro na demarcação com o André Ventura, e começar a querer imitar o estilo ou a deixar condicionar o estilo ou pensar sobre a política criminal ou sobre a política de imigração em função do que é que pensa o André Ventura é uma tragédia”, classificou.
Numa entrevista que abordou a relação de Costa com o partido em que é militante desde os 14 anos, não faltaram menções às figuras que se mostram críticas do atual secretário-geral do PS, de António José Seguro a Ana Gomes ou José Sócrates. “É difícil tirar-me o sono, mas foi duro”, admitiu o PM sobre a cisão com Seguro. “Nunca mais tivemos contacto, mas mantém-se felizmente no PS”, acrescentou, lembrando que “de todos o único que saiu do PS foi o José Sócrates”.
Vinte anos volvidos desde a detenção de Paulo Pedroso no âmbito do processo de pedofilia na Casa Pia, António Costa fez também uma reflexão sobre o momento que colocou o partido socialista em estado de sítio. Em 2003, Pedroso foi detido para interrogatório, ficando em prisão preventiva vários meses e chegando a ser constituído arguido. Indiciado pela prática de 15 crimes de abuso sexual de crianças, acabaria por não ir a julgamento e ser libertado. Em 2018, o Estado português foi condenado a pagar mais de 68 mil euros ao ex-ministro socialista, depois de o Tribunal Europeu considerar que deveriam ter sido tomadas “medidas alternativas” à prisão preventiva. “Diria que talvez seja um momento muito semelhante àquele que os católicos ou os crentes vivem, quando têm dúvidas. Acho que superei bem as minhas dúvidas quanto ao sistema de justiça”, refletiu o primeiro-ministro sobre o caso, assegurando que, no PS, “nunca houve uma tentativa de condicionamento de justiça”.
Notícia atualizada às 23h45 com mais declarações da entrevista emitida na íntegra na CNN.