O Conselho de Redação e as delegadas sindicais do Diário de Notícias (DN) entregaram uma “Carta Aberta” ao Presidente da República, na qual apelam para que se mobilize “na defesa de uma inversão no rumo da degradação” do título.
De acordo com informação divulgada à redação, a que a Lusa teve acesso, os membros eleitos do Conselho de Redação (CR) e as delegadas sindicais do título do grupo Global Media (GMG) entregaram esta terça-feira a “Carta Aberta” que a redação aprovou a 8 de março ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
“Dirigimo-nos a todos os que em Portugal percebem a necessidade de pluralismo na comunicação social para que o princípio democrático se mantenha forte. É a estes que a redação do DN vem apelar para que connosco se mobilizem na defesa de uma inversão no rumo de degradação do DN enquanto jornal de referência“, lê-se na “Carta Aberta” da redação do jornal entregue ao PR.
Esta carta aberta “surge por constatarmos ter sido, até agora, impossível o diálogo com a Comissão Executiva do Global Media Group no sentido de encontrar uma forma de reforçar este jornal, garantindo que o seu jornalismo não perde qualidade”, refere a redação, na missiva.
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“Três despedimentos coletivos nos últimos 14 anos (2009, 2014 e 2020) e rescisões ditas ‘amigáveis’, como as que foram tentadas no último mês, têm vindo a esvaziar o DN dos seus quadros mais qualificados”, alerta, referindo que neste momento “a redação está nos mínimos de sobrevivência, longe de poder medir os seus recursos com os concorrentes diretos e continuar a honrar a sua história de 158 anos”.
Aliás, entre os generalistas da GMG – DN, JN e TSF, “este é o que tem sido mais duramente sangrado: dos 17 jornalistas incluídos no último despedimento coletivo na empresa, oito eram” do Diário de Notícias, aponta.
“Sem jamais esclarecer qual o seu projeto para o jornal, a administração do grupo parece considerar que ganha com ‘saídas amigáveis’ e com precariedade laboral. Mas o que, num mero exercício contabilístico, poupa em massa salarial, é o que o DN perde em memória e experiência, ou seja, em qualidade – logo, em viabilidade”, lamenta.
Ora, “por decisões de gestão, que contrariam até o discurso público do acionista principal – que invariavelmente garante querer ‘jornalismo de excelência’ – o DN está a ser morto por dentro“, enfatiza a redação, que duvida que o atual presidente executivo (CEO) [Marco Galinha] “deseje ficar para a história como ‘o empresário que fechou o Diário de Notícias'”.
“Resta-nos a perplexidade: porquê? E entre vários exemplos que atestariam a falta de recursos ou visão estratégica com que o DN é gerido hoje, atente-se no seguinte: um jornal que teve entre os seus colaboradores Eça de Queirós e Ramalho Ortigão, que viu Césario Verde estrear nas suas páginas a publicação da sua poesia, que integrou na sua direção a escritora Alice Vieira e o futuro Nobel da Literatura José Saramago”, que teve colaboradores como Herberto Helder e Vasco Pulido Valente, entre outros, “encontra-se hoje numa inacreditavelmente degradante situação de falta de meios humanos e tecnológicos em todas as áreas de produção do jornal”.
O DN “não vê, há sucessivas administrações, e ao contrário do que souberam fazer os seus principais concorrentes, qualquer investimento ou sinal de revitalização” e “mesmo a recente valorização do Arquivo do Diário de Notícias como Tesouro Nacional aconteceu malgrado sucessivas tentativas internas de o descaracterizarem e de o integrarem num arquivo geral do grupo, sem atender ao seu ADN próprio”, denuncia a “Carta Aberta”.
Apesar de reconhecer o papel da massificação da Internet, que criou “problemas globais de sobrevivência” nos media, ou os problemas nacionais de pobreza e iliteracia, a redação do DN considera que a estes constrangimentos “somam-se causas próprias de incompetência na gestão empresarial do jornal, como o foram os recentes avanços e recuos na decisão de abandonar a edição diária impressa por uma semanal, de forma totalmente imprudente e que apenas serviu para sustentar mais um processo de esvaziamento da redação”.
Citando o lema do Washington Post desde 2017, que sem jornalismo a democracia morre na escuridão, os jornalistas do DN acreditam “na missão do jornalismo e na sua importância fundamental na vida democrática e na defesa dos direitos humanos”.
“Acreditamos num jornalismo que faz diferença. Com rigor, acutilância, assertividade, coração e ganas. Somos jornalistas, não ‘produtores de conteúdos’. Queremos continuar jornalistas. Morrendo o DN como jornal de referência, o panorama do jornalismo de imprensa ficará substancialmente reduzido“, alertam.
“Ficará um pouco mais escuro; a democracia ficará a perder. Num momento em que o ideal democrático parece por vezes perder fulgor, queremos crer que a sociedade portuguesa não ficará indiferente ao nosso apelo”, concluem na missiva.