PS e PSD rejeitaram esta quarta-feira a proposta do BE que pretendia consagrar na Constituição a possibilidade de a lei definir leques salariais de referência e limites aos lucros de empresas privadas, “na defesa do interesse geral”.
Na reunião da comissão eventual para a revisão constitucional desta quarta-feira, que durou cerca de três horas, os deputados abordaram vários artigos, tendo PS e PSD – que perfazem os dois terços necessários à alteração da Constituição – mostrado abertura a outra proposta do BE para acrescentar no artigo 90.º, sobre os objetivos dos planos de desenvolvimento económico e social, a promoção do “garante da acessibilidade física”.
Já quanto à alteração do BE ao artigo 86.º sobre empresas privadas, abrindo a possibilidade de a lei definir leques salariais de referência e limites aos lucros, “na defesa do interesse geral”, Catarina Martins lamentou que existam empresas em Portugal nas quais algumas pessoas tenham que “trabalhar mais de uma centena de anos para ganhar o mesmo que o CEO”, argumentando que “não há nenhuma razão para um ser humano, naquilo que é capaz de fazer com a sua inteligência e a sua força de trabalho, ser 200 vezes mais do que o outro na mesma empresa, ou 70 vezes mais”.
Pelo PS, a deputada Isabel Moreira disse estar em total acordo sobre a “injustiça flagrante” quanto aos exemplos de desigualdade salarial, mas considerou que incorporar a possibilidade de se definir leques salariais de referência e limites aos lucros na Lei Fundamental seria limitar o que uma Constituição deve ser. Na opinião da socialista, o texto constitucional deve permitir “a governação do tipo ‘A’ ou ‘B'”, tendo o Estado várias formas de poder corrigir essa desigualdade.
Márcia Passos, do PSD, classificou a proposta como uma “ingerência injustificada” na esfera privada das empresas, defendendo que os trabalhadores devem ter um “plano de desenvolvimento” com compensações pelo mérito e acrescentou que, para os sociais-democratas, “as empresas terem lucro não é crime”.
Pedro Pinto, do Chega, também se manifestou “determinantemente contra” a proposta bloquista, argumentando que o objetivo das empresas é dar lucro, mas Duarte Alves, do PCP, contrapôs que o texto do BE não pretendia proibir os lucros, salientando que seriam necessárias “razões de interesse geral em determinadas circunstâncias” para uma eventual limitação.
Inês Sousa Real, do PAN, defendeu que as disparidades salariais em algumas empresas devem ser resolvidas na lei ordinária e quanto aos lucros lamentou que a proposta do BE não referisse de forma expressa “lucros extraordinários ou especulativos”.
Pelo Livre, Rui Tavares alertou para o desequilíbrio do capitalismo “em aspetos que são perniciosos para o próprio capitalismo”, mostrando-se favorável à alteração.
Na resposta, Catarina Martins argumentou que todos os partidos, à exceção da IL, apresentaram propostas para fixar limites às margens de lucro face à especulação dos bens alimentares e deu ainda como exemplo o grupo BES, afirmando que “às vezes os lucros são feitos de formas em que quem paga são os portugueses, que não viram um tostão dos lucros”.
“Não há motivos de interesse geral para limitar lucros? Só por hipocrisia, já toda a gente o propôs, nuns momentos ou noutros”, atirou.
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Márcia Passos, do PSD, manifestou-se contra “o sinal que a proposta do BE dá”, argumentando que o texto constitucional atual já permite a possibilidade de, “em momentos limite”, poderem existir mecanismos de limitação de lucros ou outros.
Catarina Martins respondeu que a proposta não impunha qualquer limitação, abrindo apenas a possibilidade de tal acontecer, se necessário.
Já no artigo 80.º, sobre os princípios fundamentais da organização económica, o PSD propunha que esta deve assentar no princípio do “planeamento democrático e ambientalmente sustentável do desenvolvimento económico e social”, proposta que mereceu a concordância do PS.
Foi também discutido o artigo 81.º relativo às incumbências prioritárias do Estado, com os sociais-democratas a propor várias alterações, tendo o PS dito que está “muito confortável” com a atual redação e remetido para a segunda ronda de debate uma decisão sobre apenas uma das propostas: caber ao Estado a promoção da justiça social, bem como da “coesão e equidade entre gerações”.
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No início da reunião, o deputado da Iniciativa Liberal João Cotrim Figueiredo teve que se ausentar, o que gerou alguma confusão nos trabalhos uma vez que estavam em debate várias propostas de alteração dos liberais. Os deputados acabaram por debater as propostas de alteração da IL sobre princípios gerais da organização económica, que acabaram rejeitadas pela generalidade dos partidos.