Ainda o rei não tinha acordado, às cinco da manhã, e já as ruas de Westminster, em Londres, estavam cortadas ao trânsito e com multidões a dirigirem-se para o palácio de Buckingham. Miúdos e graúdos traziam consigo impermeáveis, bancos, mesas, toalhas e comida. Um autêntico piquenique real para fazer jus à ocasião. O The Mall – a avenida que fica de frente para o palácio – não foi suficiente para todos aqueles que queriam ver o rei. Às sete da manhã, já as forças de segurança tinham fechado todas as entradas impedindo que os “royal fans” menos prevenidos se dirigissem para os parques que ladeiam a residência oficial da monarquia.
Green Park, Hyde Park e St. James Park ficaram repletos de pessoas obrigadas a seguir o momento histórico através de ecrãs gigantes. Ao Observador, Adam Scott confessou que “podia ver a coroação em casa, mas não era a mesma coisa”. O sentimento de comunhão e partilha que se vive “quando o povo se junta tem outra emoção”. Nos bolsos e nas mochilas, quase todos traziam pequenas bandeiras do Reino Unido e acessórios como coroas ou mantos improvisados em casa.
O cortejo do rei começou à hora marcada – não fosse a pontualidade britânica – e às 10h20 os portões de Buckingham abriram-se para passar o Rei. Carlos III escolheu uma carruagem preta com detalhes em dourado, que foi usada pela última vez no Jubileu de Diamante de Isabel II, em 2012. Pesa três toneladas, tem vidros elétricos e ar condicionado. À imagem de Carlos III, a carruagem tem materiais reaproveitados de locais icónicos ligados à monarquia britânica, como peças do palácio de Kensington, da catedral de St. Paul, ou de navios históricos. Foram 30 minutos até chegar à abadia de Westminster, onde mais de 2000 mil convidados já esperavam desde as 7h30.
Coroado mas pouco aplaudido – William “rouba” entusiasmo do povo
Eram 11h00 quando o agora coroado Carlos III entrou pela abadia de Westminster. Junto ao palácio de Buckingham, todos acompanhavam a celebração à distância através dos ecrãs espalhados um pouco por toda a parte. Mas se tudo faria prever que os fãs reagissem com euforia ao ver o rei a sentar-se no trono, foi quando William e Kate Middleton apareciam nas grandes telas que a população entrava em histeria.
Michael, um londrino de 75 anos veio com a mulher para assistir a este momento “porque é algo histórico”, diz. Mas atira a Carlos: “Ele sempre tentou criar conflitos políticos, conflitos com a família, enfim… é problemático. Não o odeio, mas gostava de ainda ver William a subir ao trono”. Michael, que assistiu pela televisão à coroação de Isabel II continua: “Há 70 anos o povo estava em êxtase. Hoje vê aqui algumas pessoas aos gritos, mas nem se compara”.
Nas largas horas em que estes fãs da família real se reuniram no centro de Londres, não parou de chover um único segundo, mas isso não foi suficiente para demovê-los até ao momento em que a coroa pousou na cabeça do rei. Ouviram-se aplausos e um ou outro “God save the King”. O mesmo não se passou quando a rainha consorte foi coroada. A reação foi praticamente nula, afinal, muitos dos que ali estavam defendiam que quem deveria subir ao trono era Diana.
Harry, o filho mais novo do Rei, também não gerou entusiasmo. O duque de Sussex voou propositadamente dos Estados Unidos para se sentar na terceira fila da abadia de Westminster, vestido como um dos demais convidados. O príncipe deixou em casa, na Califórnia, Meghan Markle e os filhos, Archie (que celebrou hoje o 4º aniversário) e Lillybet. Pouco depois da cerimónia terminar saiu direto e acabou por não fazer parte do clã que subiu à varanda de Buckingham para saudar os milhares que encheram o The Mall e a rotunda fronteira ao palácio.
O percalço dos aviões e um regresso a casa conturbado para os britânicos
A segunda carruagem de Carlos e Camilla saiu – como estava previsto – da abadia de Westminster às 13h00. Numa marcha mais lenta, fizeram todo o caminho de volta pelo Parlamento britânico, passando em frente a Downing Street, até romperem pelo Admiralty Arch e darem de caras novamente com os milhares que os esperavam. Os dois acenavam com um sorriso tímido a quem os via a passar no segundo coche usado para o cortejo. Uma carruagem dourada feita em 1760, usada pela primeira vez pelo rei George III e última no Jubileu de Platina de Isabel II, no ano passado.
Desta vez o cortejo teve direito a uma escolta maior, com militares de países da Commonwealth e dos mais diversos regimentos das forças armadas do Reino Unido, e claro, o corpo da guarda do rei. A coreografia castrense foi irrepreensível na solenidade contribuindo para um espetáculo seguido do mundo inteiro.
Depois do regresso a Buckingham, o momento mais esperado: A subida do Rei e da rainha consorte à varanda do palácio, ladeados pelo núcleo duro da família, onde se incluem os príncipes de Gales, William e Kate, e os filhos, George, Louis e Charlotte. Todos acenaram, mas os mais sorridentes continuaram a ser o “casal sensação” que muitos dos ingleses anseiam por ver no trono.
O mau tempo não deu tréguas e o culminar da cerimónia de coroação acabou por ser alterado. Em vez dos sete minutos do habitual espetáculo com os aviões da Força Aérea a colorirem os céus de Londres a azul, branco e vermelho, foram apenas dois minutos. Por esta altura já muitos tinham abandonado os parques onde viram e ouviram atentamente, em silêncio quase absoluto, a coroação.
Para muitos, era hora de voltar a casa, mas não sem serem obrigados a caminhar vários quilómetros por entre outros milhares que abandonavam a zona de Westminster. Por questões de segurança, várias estações de metro foram encerradas, estradas cortadas, e viagens de comboio canceladas. Encharcados e com sentido de dever cumprido, foram abandonando o The Mall, a conta gotas, milhares e milhares de pessoas que quiseram fazer parte da história.
Por aqui, em Londres, continuam a ouvir-se os helicópteros da Força Aérea a sobrevoar a cidade, assim como a azáfama daqueles que não quiseram ceder ao cansaço e entram pelos bares do Soho com uma desculpa adicional para beber mais um copo. O rei fechou a porta da varanda, e agora é aguardar que o trono lhe dê aquilo que prometeu: mudança.