O secretário de Estado das Finanças, João Nuno Mendes, garantiu este sábado que a suspensão da atual série de certificados de aforro, e o lançamento de uma nova, com remuneração mais baixa, não se tratou de uma “cedência à banca”. E sublinhou que o novo produto é “bom, atrativo, competitivo” face a outras soluções no mercado.
João Nuno Mendes disse ainda concordar com o Presidente da República na necessidade de aumentar a remuneração dos depósitos. Este sábado, Marcelo Rebelo de Sousa sugeriu que o travão aos certificados de aforro foi feito para proteger os depósitos bancários e fez um apelo para que os bancos façam um “esforçozinho” para aumentarem as remunerações dos depósitos a prazo.
“Julgo que é importante haver um incentivo a que exista a subida das taxas de juro dos depósitos dos bancos portugueses. Temos uma referência, que é as taxas de juro dos depósitos dos bancos na zona euro, que anda na casa dos 2,11%. Portanto, este devia ser um referencial a incentivar a banca portuguesa a convergir para esses valores. Isso seria natural”, afirmou o secretário de Estado, em declarações aos jornalistas, quando instado a comentar as palavras do Chefe de Estado.
Afinal, o que vai acontecer aos certificados de aforro?
A série de certificados de aforro que estava disponível até aqui, a série E, vai chegar ao fim para dar lugar a uma nova série, a F, que terá uma remuneração mais baixa. Vai arrancar na segunda-feira.
Qual foi a justificação do Governo para esta mudança?
João Nuno Mendes justificou a decisão com a necessidade de se fazer uma “correta gestão da dívida pública” e de gerir as necessidades de financiamento. Os certificados de aforro são um investimento sem risco que remunerava até 3,5%, acima das opções que existem no mercado. Isso refletiu-se na procura e, nos últimos meses, os portugueses correram a este instrumento. Segundo dados do Banco de Portugal, entre janeiro e abril as subscrições líquidas de certificados de aforro atingiram quase 11 mil milhões de euros, um valor que o secretário de Estado apelida como “extraordinário”.
Noutros números: “Se comparar com o final de 2021, o conjunto de produtos certificados significava 31 mil milhões de euros. Hoje representa sensivelmente 45 mil milhões. Isto representou um grande esforço da parte do Estado de mudar as suas fontes de financiamento habituais, para corresponder a essa procura acrescida dos portugueses”, afirmou o secretário de Estado.
Os certificados de aforro são uma opção que o Estado tem à disposição para se financiar mas estavam a ter um custo para o erário público maior do que, por exemplo, as obrigações do tesouro, o principal instrumento que o Estado usa para se financiar nos mercados internacionais de dívida pública. Há semanas, perante esta corrida, o Governo alterou os limites de endividamento previstos no Orçamento do Estado ao subir o limite de emissão de certificados de aforro.
Agora, torna os certificados menos atrativos, suspendendo a série E e criando outra menos atrativa, uma mudança que já estava a ser planeada há um mês. Um dos argumentos do secretário de Estado é que é preciso “equilíbrio” entre os aforradores e os restantes contribuintes, no desenho do Orçamento do Estado.
No comunicado sobre a decisão, o Ministério das Finanças disse que a nova série “realinha a renumeração dos certificados de aforro com a remuneração das restantes fontes de financiamento da República Portuguesa”. E “permitirá também distribuir de forma mais equilibrada as amortizações de dívida por diferentes anos, assim contribuindo para a gestão prudente da dívida pública”. O montante de subscrição desce para “contribuir para a eficiência e sustentabilidade da dívida pública portuguesa”.
“É uma medida correta que se impunha neste momento”, disse João Nuno Mendes.
Quais são as principais diferenças entre as séries?
Desde logo, a remuneração. O limite da taxa-base diminui de 3,5% da série anterior para 2,5%. Este limite pode subir, consoante os prémios de permanência. Mas também estes mudam, tornando-se menos favoráveis. A estrutura destes prémios começa em 0,25% entre o 2.º e 5.º anos, atingindo os 1,75% nos últimos dois anos do prazo máximo de subscrição.
- 0,25 do 2.º ao 5.º ano;
- 0,50 do 6.º ao 9.º ano;
- 1,00 no 10.º e 11.º;
- 1,50 no 12.º e 13.º ano;
- 1,75 no 14.º e 15.º ano.
E, de facto, o prazo máximo também sofre mexidas, de 10, na série que agora chega ao fim, para 15 anos. A subscrição mínima é de 100 unidades por conta aforro e a máxima de 50.000 unidades, ou seja, 50 mil euros (antes era 250 mil).
Ou seja, a nova série é muito menos atrativa do que a anterior…
O secretário de Estado argumenta que, apesar da quebra de remuneração, estes certificados continuam a ser um produto competitivo tendo em conta o que existe no mercado. À Rádio Observador, Filipe Garcia, especialista em mercados financeiros, defendeu que a alternativa é menos favorável do que a série anterior, mas continua a ser “relativamente atrativa”, tendo em conta as opções no mercado.
[Oiça aqui as declarações de Filipe Garcia à Rádio Observador]
Mas sublinha: “A parte pior é que a série anterior tinha como taxa-base a Euribor a três meses mais 1 ponto. Quer dizer que se a Euribor a três meses fosse 1%, a taxa-base passaria a ser 2%. No novo produto, se a taxa Euribor for 1%, a taxa que vai ser aplicada é 1%. É bastante pior, e num contexto em que as taxas de juro provavelmente, em termos de Euribor, estejam perto de bater o máximo, se calhar daqui a um ano vai-se notar que esta série é bastante pior do que a anterior”.
E se já tiver certificados da série anterior, posso subscrever novos?
A portaria do Governo estabeleceu um máximo de certificados da nova série, a F, que podem ser acumulados com os certificados da série anterior, a E: esse limite é de 250 mil euros. Os novos certificados são lançados na segunda-feira. A subscrição dos antigos certificados já foi, entretanto, suspensa.
O secretário de Estado assegurou que “relativamente às subscrições já feitas por quem tem estes produtos não há nenhuma alteração, apenas para quem vai fazer novas subscrições”.
Esta alteração foi uma cedência à banca?
Nos últimos tempos, houve uma corrida aos certificados de aforro, um investimento sem risco e que ajuda a explicar a redução que os bancos sentiram em depósitos nos últimos meses. É por isso que os partidos políticos, como o Bloco e o PCP, acusam o Executivo de estar a ceder aos bancos. O secretário de Estado diz que se trata de “zero cedência à banca” — com quem, garante, o Governo tem sido “exigente” — e insiste com a necessidade de gestão da dívida.
O PCP pediu uma audição, com carácter de urgência, ao secretário de Estado das Finanças sobre a suspensão da série E.
Que “esforçozinho” pediu Marcelo à banca?
Em visita à Feira Nacional da Agricultura, em Santarém, Marcelo Rebelo de Sousa sugeriu que o travão aos certificados de aforro foi feito para proteger os depósitos bancários e faz um apelo para que os bancos façam “um esforçozinho” para aumentarem as remunerações dos depósitos a prazo.
Questionado sobre estas declarações, João Nuno Mendes defendeu que a banca da zona Euro é mais generosa a remunerar os depósitos — a uma taxa de 2,11%, segundo dados recentes —, pelo que esse devia ser um “referencial” para a banca nacional, sugeriu. Segundo o Banco de Portugal, em março, a taxa de juro média dos novos depósitos a prazo de particulares aumentou de 0,65% para 0,90%. Foi a maior subida mensal desde 2011, mas “Portugal é o país da área do euro com a segunda taxa mais baixa”, dizia o BdP.