O príncipe Harry chegou esta manhã de terça-feira ao Supremo Tribunal, no centro de Londres, pouco depois das 9h30, e sentou-se no banco das testemunhas pelas 10h30. “Sinto hostilidade por parte da imprensa desde que nasci”, disse o príncipe em resposta ao interrogatório do advogado que defende o Mirror Group Newspapers (MGN), segundo cita a BBC.

Quando Harry começou a ser questionado, foi também divulgada a sua declaração enquanto testemunha. Neste documento, o príncipe Harry fez uma dura declaração política, algo que os membros da família real têm por hábito evitar a todo o custo. “A um nível nacional neste momento, o nosso país é julgado tanto pelo estado da imprensa como do nosso governo, acredito que ambos bateram no fundo”, lê-se na referida declaração, citada no Telegraph. “A democracia falha quando a vossa imprensa falha no escrutínio e na responsabilização do governo e, em vez disso, escolhe ir para a cama com eles para que possam garantir o status quo.”

Esta foi uma das passagens mais duras da declaração apresentada ao Supremo Tribunal e que conta com 55 páginas. Mas Harry tocou ainda em outros aspetos importantes da sua vida, como por exemplo as alegações de que James Hewitt poderia ser seu pai, o período em que namorou com Chelsy Davy e , claro, a situação da sua própria mãe. Harry acredita que as notícias que questionaram se Hewitt seria o seu pai biológico tinham como objetivo “expulsá-lo” da família real e só em 2014 ficou a saber que o major e Diana só se conheceram depois de Harry nascer. Quanto a Chelsy Davy, Harry culpa os media pelo facto da antiga companheira ter decidido que “uma vida na realeza não era para ela”. Em relação a Diana, Harry disse que percebeu que a mãe não era paranoica, mas “tinha medo do que estava realmente a acontecer-lhe”.

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O príncipe criticou o jornalismo e disse que este precisa de ser “salvo”, e para tal contribui a exposição daqueles que “roubaram ou invadiram os privilégios e poderes da imprensa”. Considera que os media são um “espaço inacreditavelmente perigoso” e que até o governo teme os jornais. “Quanto mais sangue vai manchar os dedos que escrevem até que alguém ponha fim a esta loucura?”, questiona o príncipe na sua declaração, citada no Telegraph.

O príncipe explicou que os membros da família real eram encaixados num determinado perfil e que a ele coube o papel de adolescente com episódios de drogas, bebida e traição, admitindo que muitas histórias até são verdade — contudo questiona a forma como foram obtidas e refere mais de 30 peças jornalísticas nas quais a informação foi recolhida de forma ilegal.

Harry foca-se muito no jornalista Piers Morgan, que foi editor do jornal Daily Mirror entre 1995 e 2004 e afirma que, desde que decidiu investir neste caso contra o grupo que detém o jornal, este se dedicou a uma campanha de intimidação contra o príncipe e Meghan, mais precisamente, “sujeitos a uma quantidade de ataques pessoais horríficos e intimidação”, descreve Harry. “Presumivelmente em retaliação e na esperança de que eu recuasse, antes de ser capaz de o responsabilizar pela atividade ilegal em relação a mim e à minha mãe enquanto era editor.”

O primeiro membro da família real a testemunhar em mais de 130 anos

No início da sessão no tribunal, o filho mais novo do Rei Carlos III foi chamado pelo seu próprio advogado, David Sherborne, e começou por ser tratado como Sua Alteza Real, mas terá escolhido ser tratado por príncipe Harry. “Sinto hostilidade por parte da imprensa desde que nasci.”, começaria por lamentar o irmão de William. A última vez que um membro da família real esteve em tribunal foi há 130 anos, num caso que envolveu um filho da Rainha Victoria, em 1891. Harry é, assim, o primeiro membro da realeza dos tempos modernos a ser interrogado em tribunal.

O príncipe procurou justificar a sua ação contra o grupo de media, mostrando que os jornalistas não tinham outra forma de saber a informação publicada nos jornais, senão recorrendo a métodos ilegais. A queixa inicial do príncipe Harry contaria com cerca de 140 artigos publicados a seu respeito, dos quais o próprio escolheu 33 (publicados entre 1996 e 2011), como sendo aqueles “que mostravam os elementos mais óbvios de atividade intrusiva e ilegal”, cita o Telegraph. Durante o seu interrogatório ao longo do dia, o príncipe foi confrontado com uma série destes artigos publicados nos jornais já referidos do MGN, passando em revista alguns dos seus conteúdos e como estes já eram do domínio público ou não. A meio da tarde, Harry chegou a descrever a situação de revisitar estas notícias como “uma experiência stressante”.

Andrew Green KC, advogado do MGN que interrogou Harry, questionou o príncipe se ele leu todos os referidos artigos na data da sua publicação. Sendo os mais antigos datados de 1996, este respondeu que, mesmo que não tenha lido todos os artigos em questão, eles terão sido lidos pelas pessoas no seu círculo e que isso fez com que o comportamento deles “mudasse comigo”. Para a história este dia fica ainda o facto de Harry ter admitido uma contradição no seu livro de memórias.

“Fui ao Polo Norte e congelei o meu Polo Sul”. 65 memórias de Harry que ficámos a conhecer (e que podiam ter ficado “Na Sombra”)

Em causa está um artigo de 2003 no jornal People que, segundo o advogado de Harry disse na véspera, terá causado uma desavença séria entre Harry e William.  Segundo o artigo o irmão mais velho queria encontrar-se com Paul Burrel (antigo mordomo de Diana) para o impedir de dar mais entrevistas sobre a princesa de Gales, e o irmão mais novo era contra por achar que ele era uma pessoa “com duas caras”. Contudo, esta terça-feira, em interrogatório, o duque de Sussex foi confrontado com o facto de no seu livro de memórias, “Na Sombra”, não constar uma oposição a esta reunião com Burrell. “Não, porque eu escrevi isso com 38 anos e nessa história eu tinha 18. Assumi que quereria uma reunião… Eu teria adorado dizer-lhe o que penso”, respondeu Harry. “Não me consigo lembrar se queria a reunião ou não”, acabou por admitir depois de pressionado pelo advogado.

Green KC chegou a pôr em causa se foi Harry que escreveu a sua declaração de testemunha e questiona se está “apenas a ler algo que foi escrito pelos advogados”. Ao que o príncipe responde que a declaração foi toda escrita por si. “Toda esta declaração foi escrita por mim depois de uma série de chamadas de vídeo feitas com a minha equipa legal enquanto eu estava na Califórnia.”

A sessão acabou pelas 16h40. Foram passados em revista esta terça-feira 21 dos 33 artigos de jornal reunidos pelo duque de Sussex, que regressará ao banco das testemunhas esta quarta-feira pelas 10h30 da manhã.

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O aparato mediático que aguardava a chegada do príncipe Harry

Depois de não ter comparecido na sessão do dia anterior, esta segunda-feira, o príncipe era aguardado por uma série de jornalistas e fotógrafos à porta do Rolls Building, na City de Londres, o complexo onde está situado o Supremo Tribunal de Justiça que trata casos graves ou de alto perfil criminal ou civil, assim como os tribunais de negócios e propriedade de Inglaterra e do País de Gales.

O caso em questão foi movido pelo príncipe Harry e por mais três pessoas, contra o Mirror Group Newspapers por, alegadamente, reunirem informação sobre os queixosos de forma ilegal para produzirem histórias. Ao príncipe juntam-se os atores Michael Turner e Nikki Sanderson, ambos da série Coronation Street, e Fiona Wightman, ex-mulher do comediante Paul Whitehouse. Estes acreditam que jornalistas dos títulos Daily Mirror, Sunday Mirror e The People acederam a mensagens de voz de amigos e familiares.

O MGN admitiu anteriormente ter usado escutas telefónicas, mas não nestes casos específicos. Como alerta a BBC, este pode ser um caso de teste que, caso Harry e os outros queixosos ganhem, o juiz vai definir um valor para os danos causados que se irá refletir também em futuros casos de outras celebridades.

Este é um dos três casos contra grupos de comunicação social que Harry tem a decorrer na justiça britânica.

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