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Acusações e erros. As primeiras explicações de Hugo Mendes, o ex-secretário de Estado que deu a benção aos 500 mil euros de Alexandra Reis

Este artigo tem mais de 1 ano

Uma das audições mais aguardadas da comissão de inquérito abriu com uma longa intervenção inicial de Hugo Mendes, ex-secretário de Estado das Infraestruturas, que deu o aval aos 500 mil euros.

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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Algumas dezenas de páginas lidas em 45 minutos. E com duas interrupções, inéditas na comissão parlamentar de inquérito (CPI) à TAP, pelo meio. Foi assim que Hugo Mendes, ex-secretário de Estado das Infraestruturas, peça central do puzzle Alexandra Reis, se apresentou perante os deputados da CPI, naquela que é a antepenúltima audição do inquérito à TAP.

Na longa intervenção inicial, Hugo Mendes procurou descodificar alguns dos temas que foram sobrando para si desde o início do processo e nas audições anteriores: o ‘ok’ aos 500 mil euros de Alexandra Reis, a informalidade na comunicação entre o Ministério e a TAP, o suposto bloqueio da comunicação entre a TAP e as Finanças e a viagem do Presidente da República.

Hugo Mendes, que foi secretário de Estado das Infraestruturas durante dois anos e três meses até ao passado dia 28 de dezembro, começou por afirmar que tanto na TAP como nas outras empresas que tutelou, sempre pautou as relações com os conselhos de administração “pelo respeito da autonomia de gestão”, com “disponibilidade para acompanhar em tudo, estivesse em causa alguma dificuldade junto do Ministério das Finanças, bloqueio com concessionários ou sindicatos”. Era assim com todas, afiançou, incluindo a TAP. Mas a TAP era uma empresa “diferente”, reconheceu, devido à injeção de 3,2 mil milhões de euros, à reconfiguração acionista de 2020 e à reestruturação. “Tem uma ferida aberta a sangrar todos os dias que exige os cuidados de todos os que a querem salvar”.

Essa “ferida aberta, que fez com que o Governo se atravessasse “por uma decisão impopular”, a nacionalização, que para Hugo Mendes foi feita sem ingerência política, mas antes com uma “excelente relação de trabalho” com a administração da TAP. E sempre em proximidade com as Finanças, com quem era feita a supervisão do plano de reestruturação.

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“Essa supervisão era feita pelo Ministério das Finanças nas vertentes financeira e societária; e pelo Ministério das Infraestruturas e da Habitação nas dimensões laboral e operacional. Esta divisão do trabalho, porém, não faz jus à intensa cooperação que sempre existiu entre as tutelas. Se esta cooperação existe em todas empresas públicas, a necessidade de negociar com Bruxelas um plano de reestruturação tornou-a muito mais intensa”, sublinhou, elogiando o então secretário de Estado do Tesouro, Miguel Cruz.

Foi o Ministério das Finanças que liderou o processo crítico para a sobrevivência da TAP. Este é o primeiro indício de que como é ridícula a acusação que eu queria ‘impedir’ a TAP de comunicar com as Finanças”, realçou.

Voltaria ao tema para garantir que a relação entre as tutelas desenvolveu-se sempre com “solidez normal”, e que a tese de que o Ministério impedia a TAP de falar com as Finanças é “absurda, grave e irresponsável” e que foi alimentada apenas por Manuel Beja e a ex-CEO, e que foi rejeitada por todos os os ex-governantes e restantes gestores da TAP que passaram pela CPI.

Hugo Mendes lembrou a mensagem que suscitou esta polémica, enviada por si a Christine Oumières-Widener, e que dizia que esta deveria falar apenas com as Infraestruturas. Uma mensagem, diz Hugo Mendes, que foi usada de forma “truncada e manipulatória”, e da qual foi apenas revelada uma parte.

Segundo o ex-governante, a 6 de junho de 2022 terá trocado mensagens com a então CEO da TAP para perguntar se ia ter uma reunião com a ministra do Trabalho e a ex-CEO disse que sim. “Um ministério que não tutela a TAP”. Não seria, nas palavras do ex-secretário de Estado, a primeira vez que a ex-CEO dispersaria nos contactos com o Governo. E foi isso que motivou a advertência. “Christine, de novo: todas as questões colocadas ao Governo deviam ser colocadas através de nós. Isto aconteceu tantas vezes que eu já não sei o que dizer. A TAP é a nossa única companhia que se comporta desta forma. O Ministério das Infraestruturas e da Habitação é a única porta de entrada para o governo. Não existem ligações diretas entre a TAP e os outros ministérios”.

Esta é a parte da mensagem conhecida. Mas há mais, revelou Hugo Mendes. No dia seguinte, a ex-CEO afirma que está “disponível para falar sobre o assunto”, ao que Hugo Mendes respondeu que “não existe muito para falar. A TAP está sob a tutela de dois ministérios: Ministério das Infraestruturas e da Habitação e Ministério das Finanças. Qualquer outro contacto com outro membro do governo ou outra entidade pública deve acontecer através do nosso ministério. Estas são as regras e todas as empresas as seguem, menos a TAP. É realmente desagradável que depois destes meses isto continue a acontecer”, leu. E criticou depois a leitura “fragmentada e avulsa” de mensagens na comissão que “tem servido para alimentar teses fantasiosas”.

Este ataque motivou aquela que seria a primeira intervenção do presidente da CPI, Lacerda Sales, que chamou à atenção de Hugo Mendes, pedindo que se abstivesse de fazer juízos sobre a comissão de inquérito. A chamada de atenção voltaria a repetir-se. Porque Hugo Mendes continuou a considerar “fantasiosas” as teorias da CPI sobre as mensagens que bloqueariam a TAP a outros ministérios.

“É ridículo, para quem tem mais vaga ideia de como funciona o Governo, pensar-se que um Ministério setorial pode querer impedir a comunicação de uma empresa pública com o ministério mais poderoso”, como o das Finanças.

Também Paulo Moniz, do PSD, considerou, a meio da intervenção, que a declaração estava a resvalar para um cariz “desrespeitoso”, e pediu ao presidente da CPI que não permitisse que o inquirido “destratasse” a CPI de forma “impávida, ligeira e serena”.

Hugo Mendes continuou mais cauteloso, retirando do discurso adjetivos como “ridículo”. Mas seguiu com a mesma ideia. “Não sabia nem tinha de saber quantas vezes a administração da TAP falava com as Finanças. Não é possível pensar que um Ministério setorial pode querer impedir a comunicação de uma empresa pública como o ministério mais poderoso do Governo”.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Não deixou, ainda, de atacar o ex-presidente do conselho de administração da TAP, Manuel Beja, uma das pessoas que falou sobre a ingerência das Infraestruturas, sobre quem diz que “não apresenta uma única prova para suportar tão grave acusação”.

“As únicas duas pessoas que criaram esta fantasia são gestores em litígio com o Estado sobre a sua forma de saída da TAP, e que acham que podem usar-se do meu nome para justificar atos de gestão”, ressalvou.

Comentário sobre Marcelo foi “infeliz”

Hugo Mendes destacou depois as “pressões” que a TAP sofria, e que contra isso foi criado “um anel de segurança em torno da gestão face a todas as pressões externas e internas”, e sobre isso deu exemplos daquilo que considera ser o “exercício de ironia em que, do meu ponto de vista, se transformou esta CPI”. Sendo um deles Rui Rio e os pedidos de “rotas políticas independentemente da sua rentabilidade comercial”, garantindo que o Ministério não cedeu.

“Nunca cedemos a nenhuma pressão externa ou fizemos pressão interna”, resume. “A nossa resposta foi sempre a mesma: quem decide para onde a TAP voa é a Comissão Executiva”, garante o ex-secretário de Estado.

E aqui, surge o voo da polémica de Marcelo Rebelo de Sousa, um dos casos de “ingerência” que surgiram na comissão de inquérito. E a mea culpa de Hugo Mendes. “Penalizo-me pelo comentário que partilhei com a ex-CEO sobre o senhor Presidente da República. Embora quisesse tão só sinalizar, junto de alguém com quem tinha uma relação profissional de confiança, o apoio que o senhor Presidente da República deu à difícil decisão do Governo de resgatar a TAP em 2020, reconheço que não devia ter emitido nem partilhado aquela opinião, tanto no seu conteúdo como na sua forma”, admitiu. “É o nosso maior aliado mas pode tornar-se no nosso maior pesadelo” era a opinião em causa.

Secretário de Estado pressionou CEO da TAP a mudar voo de Marcelo: “É o nosso maior aliado mas pode tornar-se no nosso maior pesadelo”

Quis salientar, no entanto, que a iniciativa não foi sua e que o comentário foi “infeliz” mas não foi uma instrução. “Não fiz acompanhamento da decisão, só voltei a ouvir falar do tema na CPI.”

Já sobre a “ingerência” relacionada com a frota automóvel, Hugo Mendes diz que a tutela não participou da decisão, e que soube dela pela comunicação social. “Em poucas horas transformou-se num furacão político” e foi nesse momento “que indicámos à TAP que deveria inverter a decisão para resolver o problema. E apelámos ao bom senso da administração” que acabou por anular a troca.

Saída de Alexandra Reis foi para “empoderar” a CEO

Outro dos temas que recaia nas costas de Hugo Mendes era a indemnização de 500 mil euros paga a Alexandra Reis, que motivou, de resto, a CPI. E que teve em Hugo Mendes o pivot do lado do Governo.

O ex-secretário de Estado começou por afirmar que o acordo de saída aconteceu porque o Ministério “quis dar as melhores condições para a líder da equipa da TAP executar o plano de reestruturação. Queríamos reforçar, empoderar a autoridade da CEO na sua equipa.” Hugo Mendes lembrou que Christine só tinha escolhido uma das pessoas da sua equipa e defendeu que manter uma administradora com quem tinha um desalinhamento seria enfraquecer a sua posição.

Sobre a sua intervenção na negociação, garante que acompanhou o processo a pedido da CEO da TAP. Mas que não estava em causa uma intervenção formal do Ministério que exigia uma assinatura das duas tutelas, mas sim um acordo entre a TAP e Alexandra Reis. “A preocupação do nosso Ministério era de cariz exclusivamente político, de modo que o valor de compensação do acordo entre as partes fosse o mais baixo possível e respeitasse os direitos da administradora”.

As baterias do ex-governante foram apontadas para o consultor jurídico da TAP, da SRS Legal, que nunca levantou os riscos jurídicos, como era o seu dever. “Embora este tenha dito que a proposta inicial próxima do milhão e meio de euros era “política e financeiramente inaceitável”, o seu dever primeiro devia ser o de garantir que o enquadramento jurídico usado na operação era o adequado, e alertar para os riscos jurídicos, se existissem. Tal não aconteceu em momento nenhum do processo”, adiantou.

Hugo Mendes garantiu ainda que não deu instruções sobre valores. Deu a “benção política” aos 500 mil euros porque era um terço da proposta inicial e pareceu um ponto de equilíbrio possível entre as salvaguarda dos interesses da empresa e da administradora. O ex-secretário de Estado afirmou ainda que não conhecia o clausulado do acordo, mas apenas os valores.

E diz que agiu de acordo com os princípios da responsabilidade dos administradores e da confiança. “Por próximo que fosse o acompanhamento do Ministério das Infraestruturas e da Habitação dos temas centrais da TAP, as responsabilidades não se confundiam. A tutela política era, isso mesmo, política, e a empresa, isto é, os seus administradores eram juridicamente responsáveis pelos seus atos de gestão”.

Em processos de complexidade jurídica, a TAP não reunia com o Governo sem acompanhamento jurídico. E, justificou, “isto é importante para contrariar a ‘informalidade’ de que se fala neste processo”. Essa informalidade existia porque a intervenção do Governo era “desnecessária”. Isto porque a decisão de despedir Alexandra Reis era da ex-CEO e “nem precisava” do Governo. Assegurou que “procedimento e formalismo seriam bem diferentes” se estivesse em causa uma decisão que exigisse a assinatura do ministro ou do secretário de Estado. Se fosse preciso um despacho do Governo, insiste, as conversas sobre o assunto não seriam tão informais.

Sobre princípio da confiança, diz não havia diferença se o apoio jurídico era da TAP ou externo, porque a TAP “escolhia com quem trabalhava”. O contrário, se fosse o Governo a escolher, é que seria ingerência.

Neste tema, Hugo Mendes chamou ainda a atenção para as sociedades de advogados “reputadas” envolvidas na negociação que já tinha experiência com empresas públicas e com a TAP em concreto. Confiou que não violariam o seu código deontológico, que prevê que “não usem de meios ou expedientes ilegais”. Além disso, o acordo foi enviado para o departamento jurídico da TAP, assim como o texto para a CMVM e este não avisou nem a CEO nem o Chairman sobre nenhuma ilegalidade, o que quer dizer que esse passo também falhou, aponta.

“Significa isto que tudo correu bem na minha gestão deste processo? A resposta é não”, admite.

Uma reunião que foi “um erro”

Neste processo, encontrou outro momento em que esteve “menos bem”, que foi a reunião de 26 de dezembro do ano passado, em que se redigiu um documento com os esclarecimentos que os ministros das Infraestruturas e das Finanças pediram à TAP, na sequência do acordo com Alexandra Reis. “Estive na reunião porque, tendo validado o valor da compensação, julguei meu dever saber, de viva voz, as respostas. No início da reunião, o consultor que representou a TAP na negociação expôs o quadro jurídico que sustentava o acordo e como se constituíam as parcelas que totalizavam os €500 mil”. Foi quando se passou da explicação à fase de os presentes na reunião iniciarem a redação da resposta ao despacho do Governo “que eu a devia ter abandonado. Eu não saí da reunião, e esse foi o meu erro, que assumo”.

Hugo Mendes guardou para o fim a saída de Alexandra Reis da TAP e a sua entrada na NAV, para garantir que os dois factos não estão relacionados. “O convite só foi feito em abril de 2022, depois da tomada de posse do atual Governo”, garante enumerando as competências da gestora.

O ex-secretário de Estado concluiu a intervenção inicial invocando o “orgulho” que teve por ter integrado os Governos que integrou e do que “mais se orgulha é de ter feito parte das equipas que evitaram a falência da TAP, aplicaram o plano da reestruturação e que levaram ao lucro, três anos antes” do previsto. “Estou convicto que estes anos ficarão para a história como aqueles em que a TAP quase desapareceu e, com a dedicação de muitos, renasceu”.

Quis deixar claro ainda que “as milhares de decisões” que tomou foram sempre tomadas “pelo e com o ministro” e que “nem todas foram perfeitas, tal não é possível”, argumenta. Saiu do Governo no final do ano passado porque entendeu que devia “assumir responsabilidades políticas” pelo que tinha sucedido. “Só não erra quem não é chamado a decidir coisa nenhuma, e quem aspira à decisão perfeita acaba paralisado”.“

Quis proteger o bom nome do Governo ao máximo aplicando a mim próprio a sanção política máxima”. Pedro Nuno Santos recebeu o agradecimento final.

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