Pouco a pouco, vão sendo conhecidos os pormenores do “calvário” vivido pelos quatro irmãos que, durante 40 dias, sobreviveram sozinhos na selva colombiana. À medida que o exército procurava os menores incessantemente, e o país sustia a respiração à espera de um final feliz, uma heroína emergiu: Lesly, a mais velha das crianças, que com um engenho e responsabilidade muito além dos seus 13 anos de vida, conseguiu salvar os irmãos até ao dia do resgate.
Desnutridas e enroladas em cobertores térmicos. Como foram encontrados os irmãos-milagre da Colômbia
Foi a própria Lesly quem contou os detalhes ao jornal espanhol El Mundo, um dos poucos meios de comunicação a quem foi permitido falar com a adolescente. A jovem encontra-se neste momento sob observação e a receber cuidados hospitalares. Apesar de debilitada, está livre de perigo e, à medida que recupera as forças, começa a revelar como, exatamente, é que se conseguiu manter, a si e aos irmãos, vivos.
Tudo começou momentos após a queda da pequena aeronave em que seguiam e que vitimou três pessoas (incluindo a mãe das crianças). Ainda atordoada, Lesly, que não se tinha apercebido da turbulência e dos alertas antes do acidente, tratou imediatamente de retirar os irmãos do avião. Primeiro, Soleiny, de 9 anos, e Tien Noriel, de 4, que estavam a seu lado; depois, Cristin, o bebé de 11 meses (completou o primeiro ano de vida na selva), que estava ao colo da mãe.
Uma vez fora da aeronave, tratou de procurar nos destroços por mantimentos que lhes durassem alguns dias. Na pequena bolsa, guardou alguma comida que levavam para a viagem, fraldas, leite em pó e o biberão de Cristin, algumas roupas da mãe e uma rede mosquiteira para se protegerem dos insetos.
De seguida, era imperativo encontrar um local para dormir. Por sorte, quando era mais nova, a jovem indígena costumava brincar com a tia montando refúgios à base de folhas e troncos grossos — um conhecimento que, na selva, se revelou essencial. “A Lesly é forte, sabe como estar na vegetação”, afirmou a Damaris, a sua tia, ainda antes de os jovens serem encontrados. “Sinto que é ela quem cuida dos irmãozinhos”.
Mais de um mês na selva em busca de um rio
Lesly pensava que o resgate demoraria horas, talvez um par de dias a acontecer. Não tinha como saber que as equipas de resgate demorariam cerca de duas semanas para encontrar o local do acidente e outras três para encontrar os quatro irmãos. Não podiam esperar tanto tempo.
Quatro dias depois do desastre, com os mantimentos a esgotarem-se e o cheiro dos corpos em decomposição a tornar-se cada vez mais intenso, a adolescente decidiu partir vegetação dentro. O objetivo era encontrar um rio; Lesly deduziu que, se encontrasse um corpo de água, talvez conseguisse encontrar uma embarcação para pilotar ou, melhor ainda, uma povoação local que os acolhesse.
Para matar a sede, iam bebendo dos riachos no caminho e aproveitavam a água da chuva que caía copiosamente. Enganar a fome era mais difícil: os únicos alimentos comestíveis na região eram frutas — maracujás e cocos — que Lesly foi apanhando e racionando pelos irmãos. A certa altura, perdeu o biberão de Cristin, e viu-se forçada a improvisar um recipiente com a vegetação da floresta, que usou para alimentar o bebé com a pouca fórmula que restava.
Foi precisamente este o biberão que Wilson, o cão de resgate das forças especiais, encontrou, naquela que foi a primeira prova de que as crianças estariam vivas. Por esta altura, já tinha sido montada uma mega-operação para os encontrar, com cerca de 100 elementos das forças de segurança e do exército a aliarem-se às dezenas de indígenas na região.
Quanto ao pastor-belga, acabou por fugir da equipa que acompanhava (estando neste momento a decorrer uma operação para o tentar encontrar). Dias depois, Wilson esteve mesmo com os irmãos, no primeiro sinal que estes receberam de que estavam a ser procurados.
A jovem confirmou que, ao longo das semanas, foram-se cruzando com membros das equipas de busca. No entanto, num misto de medo e exaustão, Lesly instruiu os irmãos para não fazerem barulho e permanecerem escondidos, tapando inclusive a boca de Cristin para que este não chorasse. Pelo meio, os kits de emergência que foram sendo largados pelos meios aéreos que participavam na busca foram essenciais para prolongar a sobrevivência das crianças, que encontraram dois deles.
Mas, ao fim de 40 dias, Lesly já não tinha forças para continuar. Resignada e sem conseguir encontrar o rio, sentou-se num local abrigado com os irmãos, à espera da morte — ou da salvação. No dia anterior, depois de um dos muitos rituais celebrados pelas tribos nativas da região, um líder indígena tinha afirmado que conseguiram convencer os “duendes da selva” (espíritos que as tribos acreditam formar a “consciência” das selvas indomadas) a levantar o véu de invisibilidade que manteriam sobre as crianças, permitindo assim que estas fossem vistas pelas equipas de resgate. 24 horas depois, numa zona que já tinha sido revistada pelos operacionais, Lesly e os irmãos foram salvos.
Así encontraron con vida a los cuatro niños luego de 40 días del accidente del avión en una selva de Colombia.
Se trata de Soleiny Mucutuy, de 9 años; Tien Noriel Ronoque Mucutuy, de 4; Lesly Mucutuy, de 13 y Cristin Neriman Ranoque Mucutuy, de 11 meses. pic.twitter.com/X2pD9PDTaY
— Pergamino Virtual (@PergaminoVirtu1) June 12, 2023