António Cluny, membro nacional da Eurojust, alertou para a necessidade de o parlamento alterar e adequar as leis processuais penais à jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), designadamente quanto aos mandados de detenção europeus.

António Cluny falava na Comissão Parlamentar de Direitos, Liberdades e Garantias, onde entregou aos deputados o último relatório (2022) da Eurojust (Agência da União Europeia para a Cooperação Judiciária Penal) e o Guia de Referência Rápida.

Trata-se de uma publicação do gabinete nacional português da Eurojust que pretende ser um auxiliar prático das magistraturas, dos oficiais de justiça e de outras profissões jurídicas para as questões práticas da cooperação judiciária internacional em matéria penal, sobretudo na União Europeia, nomeadamente para o processamento de instrumentos que, neste domínio, careçam de ser emitidos, transmitidos, cumpridos ou executados.

Na ocasião, Cluny, procurador-geral-adjunto, antigo presidente da MEDEL (Movimento de Magistrados Europeus pela Democracia e Liberdades) e membro nacional na Eurojust nos últimos nove anos, revelou que este foi o último relatório que apresenta à comissão parlamentar uma vez que, em 22 de outubro próximo, jubila-se da magistratura do Ministério Público após 46 anos de carreira.

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O relatório indica que em 2022 a Eurojust centrou-se fortemente no apoio à resposta judicial dos Estados-Membros e dos parceiros à guerra na Ucrânia, continuando a Agência da União Europeia a “cumprir plenamente o seu mandato de luta contra todos os crimes transfronteiriços graves”.

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“A Eurojust contribuiu para a detenção de mais de 4.000 suspeitos, a apreensão e/ou congelamento de ativos criminosos no valor de quase três mil milhões de euros e a apreensão de drogas no valor de quase 12 mil milhões de euros“, refere o documento, acrescentando que refletindo a escala crescente do desafio, os casos tratados pela Agência em 2022 envolveram mais do triplo do número de vítimas do que em 2021.

“Além disso, em comparação com o ano anterior, mais do dobro do número de casos recorreu ao apoio da Eurojust na elaboração e execução de mandados de detenção europeus (MDE)”, menciona ainda o relatório, notando que estes resultados operacionais “não teriam sido possíveis sem a cooperação transnacional entre as autoridades judiciárias facilitada pela Eurojust, em estreita cooperação com todos os atores da cadeia de justiça penal”.

Em relaçao à problemática do MDE e da sua articulação com a legislação processual penal nacional, António Cluny considerou que o parlamento português devia preocupar-se com as “questões em jogo”, na medida em que a doutrina e jurisprudência do TJUE exige que os mandados de detenção sejam emitidos por um juiz, o que não está ainda consagrado no Código de Processo Penal (CPP) português.

Segundo António Cluny, até agora os juízes de instrução criminal portugueses têm colaborado em suprir essa lacuna, mas se houver algum juiz que se recuse a emitir porque não está previsto nas suas competências no CPP, o arguido detido ou suspeito de crime grave pode acionar um `habeas corpus´ e ser libertado devido àquela falha na legislação.

Durante a audição parlamentar, Cluny falou ainda de problemas ligados às plataformas de transmissão de documentos, das dificuldades ligadas aos mecanismos de tradução linguística, bem como das potencialidades que são abertas pela digitalização da cooperação judiciária no combate à criminalidade grave.

De acordo com o relatório, o trabalho em casos da Eurojust continuou a crescer em 2022, com um aumento de 14% em comparação com o ano anterior. Assim, mais de 5.000 novos processos foram abertos em 2022, enquanto mais de 6.000 casos de anos anteriores continuaram a receber apoio jurídico, analítico, logístico e financeiro da agência.

“O elevado número de processos em curso reflete a assistência contínua exigida ao longo de anos por muitas das investigações cada vez mais complexas que a Eurojust apoia”, adianta o relatório, destacando que o tráfico de droga foi um dos dois principais tipos de crimes tratados pela Eurojust em 2022.

“A Eurojust tratou mais de 2.000 casos (de tráfico de droga), incluindo 1.054 casos em curso do ano anterior, para além de 1.061 novos casos. Este máximo histórico deve-se em parte a um aumento particularmente acentuado dos processos relativos a cocaína e drogas sintéticas abertos na agência em 2022”, especifica o relatório.

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No total, a Eurojust facilitou a apreensão de drogas no valor de quase 12 mil milhões de euros em 2022, incluindo mais de 800 mil quilos de drogas sintéticas e mais de 120 mil quilos de cocaína. Durante 2022, a Eurojust prestou assistência judiciária significativa às autoridades nacionais em vários processos de grande visibilidade contra grupos de criminalidade organizada grupos de criminalidade organizada que se dedicam ao tráfico de droga em diferentes continentes, conclui o documento.