Se pode jurar que já fez de tudo para alcançar a felicidade, seguiu todas as recomendações que encontrou nos livros, em revistas e online, e mesmo assim não teve sucesso, talvez seja porque essas intervenções ainda não conseguiram provar ser eficazes — incluindo o tão apregoado mindfulness ou os passeios pela natureza.
É por isso que Dunigan Folk e Elizabeth Dunn, da Universidade da Colúmbia Britânica (Canadá), lançam a pergunta no início do seu artigo científico: “Será que as estratégias comportamentais mais frequentemente recomendadas são apoiadas pelo mesmo tipo de evidências de elevada qualidade que exigimos ver antes de tomar diariamente uma vitamina?”. Fique já a saber que a reposta é não.
Quais são os países mais felizes do mundo? Portugal não é um deles e não é dos mais generosos
Pode pensar que rir à gargalhada 10 vezes por dia (que leu no outro dia numa revista) não tem comparação com tomar um medicamento que ainda não passou nos ensaios clínicos, mas a pergunta dos investigadores quer precisamente saber porque é que as estratégias em Psicologia hão de ter menos valor ou ser investigadas de uma forma menos rigorosa que um tipo de tratamento que use fármacos. Pode continuar a rir à gargalhada, mas quem sabe se não poderia usar esse tempo numa estratégia mais eficaz.
Fazer meditação ou mindfullness, praticar exercício físico, expressar gratidão, estar em contacto com a natureza e interagir com outras pessoas são as cinco medidas que mais aparecem nos media para alcançar a felicidade e o bem-estar geral — no fundo, para estar de bem com a vida. Dunigan Folk e Elizabeth Dunn não mostraram que as estratégias não são eficazes, não era esse o objetivo, o que mostraram é que não existem estudos de qualidade suficientes para tirar conclusões sólidas sobre a sua eficácia, como revelaram na revista científica Nature Human Behaviour. Que é como quem diz: não se sabe.
Em contraste com a ideia generalizada de que o mindfulness e a meditação podem promover a felicidade, o único estudo pré-registrado sobre esse tópico não conseguiu descobrir tais benefícios, embora esse resultado se possa dever ao baixo poder estatístico [do estudo]”, escrevem os autores na análise para cada uma das estratégias.
As cinco estratégias mais comuns para alcançar a felicidade
- Gratidão — escrever listas daquilo por que está agradecido podem fazê-lo ficar com melhor disposição, mas não é solução para conseguir a felicidade a longo prazo.
- Interação social — manter conversas com estranhos nos transportes públicos (em vez de ficar em silêncio) deixa-nos mais bem dispostos, assim como agir de forma mais extrovertida. Mas as coisas voltam ao normal pouco tempo depois de interrompemos o comportamento.
- Mindfulness — não se pode afirmar com certeza se funciona ou não porque os estudos são de baixa qualidade ou não permitem distinguir se os benefícios são da meditação propriamente dita ou da interação social proporcionada pela experiência.
- Exercício físico — os estudos não conseguiram mostrar benefícios de longo prazo na felicidade, apenas que a atividade física nos deixa mais bem dispostos do que uma atividade aborrecida.
- Exposição à natureza — os estudos existentes quando analisados à luz dos padrões mais exigentes não permitiam dar aos passeios pela natureza o destaque que têm recebido nos últimos tempos.
Surpreendentemente, embora numerosos estudos tenham investigado os benefícios da atividade física e do exercício para a saúde, há relativamente pouca investigação rigorosa que examine os benefícios para o bem-estar [mais subjetivo]”, refere a equipa canadiana.
Estabelecer padrões de qualidade mais altos para a investigação em Psicologia
A falta padrões de qualidade exigentes nas experiências da área da psicologia fizeram com que, muitas vezes, se considerasse a disciplina pouco credível. E o facto de a maior parte dos estudos, pelo menos até 2011, não poder ser replicado e originar resultados comparáveis, não ajudou. A partir dessa altura, e para prevenir uma flexibilidade analítica que se poderia tornar pouco científica, os psicólogos foram incentivados a registarem as suas experiências, da mesma maneira que os ensaios clínicos com novos medicamentos devem ser registados. Assim, os passos da experiência e os métodos de análise devem ser decididos antes de se conhecerem os resultados — em vez de serem estrategicamente adaptados a estes.
A rápida adoção do pré-registo e o uso de amostras muito maiores [mais pessoas envolvidas ou mais observações], em conjunto com uma maior transparência, criou uma espécie de renascimento das ciências psicológicas”, escrevem os autores, também eles ligados a esta área científica.
Os investigadores saúdam este “renascimento”, mas lamentam que depois se continuem a comparar estudos com padrões mais flexíveis com outros de padrões mais exigentes e atuais. Foi isso que tentaram combater com o trabalho agora apresentado: dos 532 estudos encontrados relacionados com as cinco estratégias mais comuns já referidas, 475 não apresentaram qualidade suficiente para serem incluídos numa análise global. Na verdade, apenas quatro tinham sido pré-registados e mostraram ser sólidos estatisticamente, outros dois tinham sido pré-registados (mas eram fracos em termos estatísticos) e mais 51 pareciam ser mais ou menos sólidos em termos estatísticos, apesar de não terem feito um pré-registo.
A nossa revisão aponta para uma necessidade urgente de realizar experiências com poder estatístico e pré-registadas que testem a eficácia de todas as cinco estratégias, dada a avidez com que foram disseminadas pelo público”, afirmam.
Um dos problemas comuns com os estudos com padrões de qualidade mais baixo é que são feitos com poucas pessoas. E usá-los todos nas meta-análises, mesmo que sejam muitos, em vez de resolver o problema, parece amplificar a possibilidade de falsos positivos, destacam os autores. Muitos estudos pequenos não têm um poder estatístico tão grande como um estudo com muitas pessoas. “Por outras palavras, a suposição de que se poderia construir uma forte parede de provas com muitas pedrinhas revelou estar errada.”
“Hoje, dizer-se que não se é feliz é uma vergonha. Se não somos felizes é por culpa nossa”
Os investigadores terminam o artigo como começaram, com uma pergunta: “Há algum mal em recomendar estas estratégias ao público, mesmo que as evidências subjacentes sejam fracas, visto que algumas pessoas poderiam beneficiar dessas técnicas?”. O que a equipa receia é que as estratégias que são apresentadas como “cientificamente provadas” (sem o serem) depois não se mostrem eficazes e as pessoas percam a confiança na ciência.
“De fato, se levarmos a felicidade a sério, devemos exigir o mesmo nível de evidências de uma estratégia comportamental desenhada para melhorar o nosso bem-estar que exigiríamos de uma nova vitamina”, concluem.