A Avenida Almirante Reis, em Lisboa, transformou-se numa espécie de “rua da contestação” onde cartazes e frases pintadas nas paredes expressam o desagrado pela realização da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), que decorre de terça-feira a domingo.
A falta de habitação condigna e a preço acessível, os abusos sexuais na Igreja Católica e até a construção dos confessionários da JMJ, feita por reclusos de estabelecimentos prisionais, são temas criticados e “estampados” naquela avenida no centro da cidade.
Frases como “+ casas; – papa” e “Livrai-nos dos pobres, amém!” “pintam” a artéria, bem como cartazes ilustrados com fotografias de apartamentos para arrendar por mais de 1.000 euros durante a JMJ em que se lê “Dia da juventude, Ano da especulação”.
O problema da habitação, na opinião de populares, deveria ser prioritário face ao maior evento mundial da Igreja Católica que a cidade acolhe.
Sentado numa floreira da avenida, Manuel Camilo, de 93 anos, diz-se “a favor de tudo o que sejam manifestações construtivas em benefício das pessoas”, considerando que “se está a gastar imenso dinheiro” com as jornadas.
Acho que a câmara, que é tão avara em facilitar as pessoas a contribuir para resolver os seus problemas, especialmente os da habitação, pelas contas que eu faço, porventura muito mal feitas, (…) com uma contribuição [para a JMJ] superior a 30 milhões de euros faria 400 casas para as pessoas”, disse à Lusa.
Afirmando não ter “nada contra o Papa nem contra qualquer religião”, Manuel Camilo é da opinião que, “em nome do Papa, se gasta demasiado dinheiro que devia ser utilizado em benefício da população”.
Questionado se a JMJ dará notoriedade a Portugal, o idoso não tem dúvidas de que “é provável que também contribua para isso”, mas “entre notoriedade ou bem-estar das pessoas e satisfação das suas necessidades vai uma diferença muito grande”.
João Carvalho, de 26 anos, considera positiva a realização do evento, até porque se vê ruas mais limpas e arranjos que até aqui não tinham sido feitos, mas tem a mesma opinião: “Sinceramente, haveria outras prioridades, nomeadamente arrendamento que não existe para os jovens”.
“Há muitos jovens que estão a ser despejados das casas, que não têm condições, que têm trabalhos e não conseguem pagar uma renda de uma casa”.
Para o jovem, os cartazes e as frases que se encontram e leem pela avenida Almirante Reis servem para mostrar o desagrado de quem vive na incerteza de ter uma casa a preço acessível.
Proibidos cartazes de grandes dimensões ou com mensagens ofensivas
“O governo existe para dar resposta ao povo, o povo faz-se ouvir, isso é positivo”, disse João Carvalho.
A contestação expressa na rua é compreensível para António Pereira, contudo, o barbeiro defende que “há uma certa manipulação na forma de se contestar” e “em todas as formas que têm sido usadas” para criticar os gastos na JMJ, como a “passadeira da vergonha”, instalada pelo artista Bordalo II no palco-altar do Parque Tejo.
“Estamos a confundir muito as coisas. Sou cristão católico, percebo a vinda do Papa, compreendo as dificuldades das pessoas, que estão a passar muitas dificuldades, mas está-se a confundir tudo”, disse, acrescentando que o que se deve contestar “é o ato político (…) o envolvimento dos políticos”.
Na sua opinião, a vinda do Papa Francisco tem muito significado para os cristãos, “que são muitos em Portugal”, e atualmente no país “ou se aceita ou se é contra” a JMJ, o que coloca Portugal numa “posição ridícula”.
“Diz-se não ou diz-se sim, não há intermédio, não se tenta ver as coisas. A vinda do Papa é positiva, reúne jovens. Há algum evento em Portugal, ou até na Europa, que concentre um número tão grande de juventude no mesmo acontecimento?”, questionou, mas dando a sua certeza de que não existe nada semelhante e sublinhando que as jornadas “trazem paz”.
E trazem também “esperança, a esperança que anda arredada, que anda por aí desmultiplicada dentro das redes sociais, da vaidade pessoal”, disse António Pereira, para quem se deve ver as jornadas “com mais positividade”.
O problema de falta de habitação é “político e não se pode culpar uma instituição de fé como a Igreja Católica, que é uma instituição enorme”, cabendo aos políticos encontrar soluções, defende.
“(…) Os políticos têm muito, muito, muito, muito que se concentrar exatamente nas pessoas (…) ainda é a Igreja que vai dando atenção às pessoas, os políticos não se interessam pelas pessoas (…) só no momento do voto”, conclui.
Considerado o maior acontecimento da Igreja Católica, a JMJ vai realizar-se este ano em Lisboa, com a presença do Papa Francisco, sendo esperadas mais de um milhão de pessoas.