O número de mortos com Covid-19 na China — assim como no Brasil e em outros países — é um dos dados da pandemia que alguns governos se esforçaram por ocultar, que os jornalistas tentaram por todos os meios descobrir e que a Organização Mundial da Saúde (OMS) sempre pediu que fossem transparentes. Dados indiretos, como o número de mortos cremados, fazem estimar que 1,5 milhões de mortes a mais tenham acontecido na China só no primeiro trimestre, noticia a revista científica BMJ.
Em dezembro de 2022, com o fim da política de “zero casos” da China, em que qualquer pequeno surto podia levar à quarentena de cidades inteiras, os especialistas previram que o número de mortes com Covid-19 no país poderia facilmente atingir um milhão de pessoas (ou mais). Dados de cremação divulgados e rapidamente retirados pelas autoridades da província de Zhejiang vêm confirmar essas suspeitas.
Fim de restrições contra a Covid-19 na China pode provocar um milhão de mortos no inverno
Os dados de cremação de cada trimestre costumam ser comunicados uns meses depois (pelo menos, há 10 anos), mas este ano, em junho, quando foram divulgados os relatórios de saúde do quarto trimestre de 2022, os dados de cremação já estavam ausentes em todas as províncias — em algumas províncias mais atingidas pela pandemia até já tinham desaparecido em relatórios anteriores. Os dados da província oriental de Zhejiang também não deviam ter sido divulgados, mas foram, durante o tempo suficiente para serem apanhados antes de serem retirados novamente.
Dados sobre mortes por covid-19 na China “certamente aquém” da realidade
Nesta província abastada junto ao mar da China, a cremação dos mortos é comum — cerca de 99% de todos os óbitos —, o que permite uma boa estimativa do número de mortos. Se no primeiro trimestre de 2021 tinham sido reportadas 90 mil cremações e 99 mil em 2022, os números mudam completamente em 2023 com 171 mil cremações nos três primeiros meses do ano.
Se este aumento de 72% na mortalidade fosse extrapolado para o resto do país, isso significaria cerca de 1,5 milhões de mortes em excesso (em relação ao que seria previsível em condições normais). Mas, na verdade, a província de Zhejiang tem melhores cuidados de saúde e uma percentagem maior de cidadãos vacinados, o que pode significar um número de mortos ainda maior no resto do país, de acordo com a BMJ.
China passará a divulgar mortes e casos graves de Covid-19 semanalmente e depois mensalmente
Com o fim da política “zero covid”, a China também deixou de divulgar dados diários de infetados e mortos, para passar a dados semanais e depois mensais. Se a opacidade dos números já era criticada, tornou-se ainda mais evidente. No entanto, a dado momento de fevereiro, a China reportou 83.150 desde o início da pandemia. O número é, claramente, inverossímil — com sete mil milhões de mortes em todo o mundo, de acordo com a OMS —, mas ainda assim muito superior ao que os relatórios diários tinham dado até então (um total de 5.272 desde o início da pandemia).
Um dos problemas com a contagem dos mortos reside também nos critérios usados pelas autoridades chinesas. Até janeiro só eram contabilizadas as pessoas que morriam com problemas respiratórios ou pneumonias, refere a CNN. Ou seja, ficavam de fora as pessoas que tinham outro tipo de complicações causadas pelo vírus SARS-CoV-2. Os critérios mudaram, depois das críticas da OMS, mas ainda assim só contabilizavam os que tinham teste positivo e que tinham morrido nos hospitais — deixando de fora todos os que morreram em casa ou em outros serviços de saúde.