Luís Montenegro recusou participar na escolha do novo diretor do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED), o diplomata José Pedro Marinho da Costa. António Costa procurou a articulação com o líder social-democrata, mas Montenegro fez saber que, depois do caso das secretas e de João Galamba, o PSD deixará de fazer parte desse tipo de conversações.

Ao que o Observador apurou, António Costa contactou Luís Montenegro para o envolver na escolha do novo diretor do SIED. No entanto, o presidente do PSD recusou o convite, recordando ao primeiro-ministro que o consenso entre os dois maiores partidos nestas matérias foi quebrado depois de o Governo ter ignorado o apelo do líder social-democrata para afastar a secretária-geral do Serviço de Informações da República Portuguesa (SIRP), Graça Mira-Gomes, na sequência do envolvimento das “secretas” na recuperação do computador de Frederico Pinheiro, antigo assessor de João Galamba.

Luís Montenegro já tinha ameaçado quebrar a regra não-escrita na política se António Costa não retirasse consequências políticas daquilo a que chamou de flagrante sinal de “promiscuidade” entre Governo e os serviços de informações. Numa carta enviada a António Costa, a 8 de junho, deixava claro que a não demissão de Mira-Gomes teria como consequência prática o fim dos acordos entre os dois maiores partidos nessa matéria.

“Pode teimar em manter tudo na mesma. É até o mais provável face à promiscuidade que, neste caso, existiu entre o Governo e os serviços de informações. Mas nessa circunstância quebra-se a regra política segundo a qual os dirigentes destes serviços beneficiam simultaneamente da confiança do Governo e do principal partido da oposição”, começou por escrevier o líder social-democrata.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“Caso não ocorra qualquer demissão, quero que V. Ex.ª saiba que passará a ocorrer um facto inédito em toda a democracia portuguesa: a direção do SIRP deixará de ter a confiança do maior partido da oposição. Espero que o SIRP continue a servir o Estado, mas fá-lo-á apenas com o aval e a confiança do Governo”, rematava Luís Montenegro. A recusa de Montenegro em participar no processo de escolha de José Pedro Marinho da Costa para novo diretor-geral da SIED é o primeiro sinal disso mesmo

De resto, a opção pelo diplomata já está a causar controvérsia, como escreve o Diário de Notícias esta segunda-feira. Marinho da Costa só poderá tomar posse depois de ser ouvido no Parlamento, quando acabarem as férias parlamentares — isto a poucos dias de começara a maior operação de segurança do país de sempre, acrescenta o mesmo jornal.

Inserido no SIRP, vulgarmente conhecido como “secretas”, o SIED é o serviço público encarregado de produzir informações que contribuam para a “salvaguarda da independência nacional, dos interesses nacionais e da segurança externa do Estado Português”, lê-se no site dos serviços. É da responsabilidade do SIED analisar, pesquisar e processar informações económicas, sociais e políticas, energéticas e militares, de países considerados prioritários na defesa dos interesses nacionais.

Além disso, o número dois do SIED, o major-general Melo Gomes, há 11 anos na casa, estará inclinado a bater com a porta depois de ter sido preterido pela segunda vez — em 2019, Carlos Pires, agora secretário de Estado da Defesa, já tinha ultrapassado Melo Gomes na corrida para diretor-geral da SIED. Segundo o Diário de Notícias, o major-general já terá pedido para sair logo a seguir à Jornal Mundial da Juventude, manifestando o seu desagrado.

A 26 de abril, depois de ter sido exonerado via telefone por João Galamba, Frederico Pinheiro deslocou-se até ao ministério para recolher alguns pertences, incluindo o computador portátil. Os elementos da equipa do ministro das Infraestruturas tentaram impedi-lo de sair do edifício, o que motivou confrontos físicos entre os envolvidos. Sem efeito.

Apesar das várias contradições, avanços e recuos, de acordo com a versão oficial do Executivo, Eugénia Correia, chefe de gabinete de João Galamba, ligou ao SIRP a comunicar o desaparecimento do portátil. A responsável do SIRP contactou depois Adélio Nevia da Cruz, diretor do Serviço de Informações de Segurança (SIS), que deu ordens para que se iniciasse a operação de recuperação do computador.

A atuação do SIS levanta questões delicadas do ponto de vista legal. Havendo a prática de um crime ou um pelo menos indício forte, o SIS deve abster-se de intervir ou só pode fazê-lo em cooperação com entidades como a Polícia Judiciária, por exemplo. O SIS garantiu sempre que interveio no processo numa lógica de prevenção de riscos, atendendo à existência de uma ameaça de divulgação de informação considerada classificada — argumento que não convenceu os partidos da oposição, nem tão pouco Marcelo Rebelo de Sousa, que exigiu a demissão de Galamba por, entre outras coisas, se ter permitido a usar as secretas com um braço armado do Governo.

“Como pode esse ministro não ser responsável por situações rocambolescas, muito bizarras, inadmissíveis ou deploráveis — as palavras não são minhas — suscitadas por esse colaborador, levando a apelar aos serviços mais sensíveis de proteção da segurança nacional, que, aliás, por definição, estão ao serviço do Estado e não de Governo”, afirmou então o Presidente da República.

Montenegro ameaça retirar confiança à direção das “secretas” em carta enviada ao primeiro-ministro