Os indícios recolhidos pela Polícia Judiciária (PJ) que sustentavam uma relação indireta entre o ministro João Gomes Cravinho e o contrato fictício que permitiu a Marco Capitão Ferreira ganhar 60 mil euros em apenas quatro dias saíram reforçados nos últimos dias.

Tal como o Observador já tinha noticiado, a PJ suspeita que o referido contrato entre Capitão Ferreira e a Direção-Geral de Recursos da Defesa Nacional (DGRDN) será uma forma de remuneração pelo trabalho de aconselhamento informal do João Gomes Cravinho, então ministro da Defesa Nacional.

PJ investiga relação de contrato fictício de Capitão Ferreira com alegados serviços prestados ao ministro João Gomes Cravinho

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A revista Visão revelou na última edição documentação que comprova que Marco Capitão Ferreira, que foi obrigado a demitir-se a 7 de julho do cargo de secretário de Estado da Defesa Nacional por ter sido constituído arguido por corrupção nos autos da Operação “Tempestade Perfeita”, foi efetivamente assessor informal de João Cravinho entre fevereiro e março de 2019.

Capitão Ferreira fez parte de um grupo informal — que o próprio apelidou de “comissioni fantasmi”, segundo um email citado pela Visão — que aconselhou diretamente João Gomes Cravinho sobre o tema “Economia da Defesa Nacional – Vetores de Atuação e Papel do Estado”.

A grande proximidade temporal entre essa colaboração informal — que ocorreu entre fevereiro e março de 2019 — e o contrato entre Capitão Ferreira e a DGRDN — assinado a 25 de março de 2019 e concluído em apenas quatro dias — para a “elaboração de pareceres (…) no âmbito da Lei de Programação Militar” e para apoio ao processo decisório dos contratos de manutenção dos helicópteros EH-101, reforçam os indícios da PJ de que este contrato terá servido para remunerar a colaboração informal e alegadamente gratuita.

Esta questão tem relevância em termos criminais porque, além do crime de corrupção que lhe foi imputado, o ex-secretário de Estado Marco Capitão Ferreira é ainda arguido pelo crime de participação económica em negócio em regime de co-autoria com o ex-diretor-geral Alberto Coelho — que autorizou a despesa.

Ou seja, como os serviços contratualizados entre a DGRDN e Capitão Ferreira não terão sido efetivamente prestados, terá ocorrido um prejuízo para o Estado. Essa é a base da imputação do crime de participação económica em negócio.

A relação de João Gomes Cravinho com este alegado prejuízo para o Estado é algo que está sob escrutínio do MP e da PJ.

Cravinho desmente que exista contradição nos seus esclarecimentos sobre o caso

João Gomes Cravinho foi confrontado pelo Observador a 10 de julho com as suspeitas da PJ de que o contrato de Capitão Ferreira com a DGRDN terá servido para remunerar o trabalho de aconselhamento direto do próprio Cravinho.

Uma das perguntas enviadas por escrito era a seguinte:

O dr. Marco Capitão Ferreira aconselhou-o informalmente enquanto ministro da Defesa Nacional e num período anterior à sua designação como presidente da Empordef? No caso de resposta positiva, em que período se verificou tal aconselhamento informal e por que razão o dr. Marco Capitão Ferreira não foi nomeado assessor ou adjunto do seu gabinete ministerial durante o período de tal aconselhamento?”

Gomes Cravinho respondeu assim às três perguntas enviadas:

Não existiu qualquer prestação de serviço de assessoria da parte do Prof. Marco Capitão Ferreira ao Ministro. Toda a operacionalização dos contratos que fazem parte da Lei de Programação Militar está cometida à DGRDN, que decide sobre as ferramentas e os recursos, internos ou externos, que considera necessários para alcançar os objetivos.”

Ou seja, e tal como o Observador assinalou na notícia publicada a 11 de julho, João Gomes Cravinho desmentiu categoricamente que alguma vez Capitão Ferreira lhe tenha prestado qualquer “serviço de assessoria” enquanto ministro da Defesa Nacional.

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Após a revista Visão ter revelado a documentação, nomeadamente troca de emails, que atesta a colaboração informal de Marco Capitão Ferreira com Cravinho entre fevereiro e março de 2019, o gabinete do agora ministro dos Negócios Estrangeiros admitiu em comunicado que, afinal, Capitão Ferreira tinha prestado um “aconselhamento em matéria de restruturação das indústrias de defesa”, o qual “não foi remunerado.”

No comunicado, o gabinete de Gomes Cravinho enfatizava a diferença entre essa colaboração alegadamente gratuita e o contrato de assessoria prestada à DGRDN.

O Observador confrontou o ministro João Gomes Cravinho sobre a contradição entre a primeira resposta dada ao nosso jornal a desmentir a colaboração informal de Capitão Ferreira e Cravinho e a admissão pública (após a revista Visão revelar documentação nesse sentido) de que afinal a mesma colaboração tinha ocorrido.

Contudo, fonte oficial do gabinete do ministro dos Negócios Estrangeiros entende que “não houve qualquer contradição na resposta enviada ao Observador”.

Recordando toda a sua resposta enviada a 10 de julho — acima reproduzida —, a mesma fonte fez questão de enfatizar que existem “duas questões” diferentes:

  • “A primeira relativa ao aconselhamento em matéria de restruturação das indústrias de defesa, designadamente o Estudo para o qual contribuiu o Professor Marco Capitão Ferreira com os seus conhecimentos na área da defesa nacional, que não foi remunerado;”
  • “E a segunda, o contrato de assessoria prestada pelo Professor Marco Capitão Ferreira à Direção-Geral de Recursos da Defesa Nacional (DGRDN), que foi remunerado”.

Caso pode ser alvo de certidão para nova investigação

O Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa, titular dos autos da operação “Tempestade Perfeita” deverá deduzir até ao final de agosto acusação contra o grupo alegadamente liderado pelo ex-diretor-geral de Recursos da Defesa Nacional Alberto Coelho pelos crimes de corrupção ativa e passiva, peculato, participação económica em negócio, abuso de poder e branqueamento de capitais.

A procuradora do DIAP de Lisboa titular dos autos decidiu avançar para a constituição de arguido de Marco Capitão Ferreira porque está na fase final da investigação — e a correr contra o relógio. Tudo porque existem medidas de coação, como a suspensão do exercício de funções públicas, que se vão extinguir nas próximas semanas. Daí que o DIAP de Lisboa queira avançar para a acusação para conseguir uma renovação das medidas de coação.

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Contudo, não é certo que todas as matérias relacionadas com Marco Capitão Ferreira venham a ser incluídas nesse despacho de acusação. Existe a possibilidade da extração de certidão para uma novo processo de uma parte dessas suspeitas.

A operação “Tempestade Perfeita” teve visibilidade pública a 6 de dezembro de 2022 com uma mega-operação de 59 buscas domiciliárias e não domiciliárias. Foi nessa altura que foram detidos Alberto Coelho (ex-diretor-geral de Recursos da Defesa Nacional), Paulo Branco (então diretor de serviços de Gestão Financeira e Apoio na mesma direção-geral) e Francisco Marques  (ex-chefe de divisão de Recursos Humanos igualmente da mesma direção-geral).

Estes três responsáveis do Ministério da Defesa Nacional são suspeitos de terem sido alegadamente corrompidos pelos empresários Manuel António Sousa, André Barros e Paulo Machado. Como o Observador revelou, Alberto Coelho, Paulo Branco e Francisco Marques terão alegadamente recebido cerca de 546 mil euros, entre contrapartidas financeiras e não financeiras, para beneficiarem aqueles empresários em quase 20 contratos com o valor global de cerca de 4,2 milhões de euros.