Migrantes etíopes acusam os guardas de fronteira da Arábia Saudita de terem disparado sobre eles quando estavam a tentar atravessar a fronteira a partir do Iémen. Centenas de migrantes e refugiados terão sido mortos entre março de 2022 e junho de 2023 naquilo que pode configurar um crime contra a humanidade, reporta a organização de direitos humanos Human Rights Watch (HRW).

Fomos alvejados repetidamente. Vi pessoas serem mortas de uma forma que nunca imaginei. Vi 30 pessoas mortas no local. Enfiei-me debaixo de uma pedra e dormi lá. Senti pessoas a dormir à minha volta. Percebi que o que eu achava que eram pessoas a dormir à minha volta eram na verdade cadáveres. Acordei e estava sozinho”, contou Hamdiya, uma menina de 14 anos, à HRW.

A organização tem registado a morte de migrantes na fronteira entre a Arábia Saudita e o Iémen desde 2014, mas diz que a situação se agravou, tanto no número de pessoas mortas como na forma como as pessoas são executadas, muitas das quais são mulheres e crianças.

As testemunhas ouvidas pela Human Rights Watch falam tanto de disparos à queima roupa como do uso de morteiros, e de sobreviventes que são espancados com pedras e barras de ferro. Algumas das testemunhas contam, por exemplo, como foram bombardeadas quando fugiam de regresso ao Iémen.

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Os sauditas recolheram-nos no centro de detenção em Daer e colocaram-nos num minibus de volta à fronteira com o Iémen. Quando nos libertaram, criaram uma espécie de caos; gritaram-nos: ‘saiam do carro e fujam’. Quando estávamos a um quilómetro de distância, os guardas de fronteira podiam ver-nos. Estávamos a descansar juntos depois de corrermos muito… e foi aí que dispararam morteiros contra o nosso grupo. Diretamente para nós. Havia 20 pessoas no nosso grupo e apenas dez sobreviveram. A arma parece uma bazuca de seis ‘bocas’, seis buracos de onde disparavam, e a arma foi disparada da traseira de um veículo – dispara vários tiros ao mesmo tempo. Disparavam sobre nós como chuva”, contou Munira, uma mulher de 20 anos.

A organização entrevistou 42 pessoas, analisou mais de 350 vídeos e fotografias publicados nas redes sociais ou disponibilizados de outras formas e analisou também imagens de satélite. Alguns dos entrevistados descrevem locais de detenção onde chegam a passar meses e onde são violentados, outros contam como foram obrigados a violar sobreviventes.

A Arábia Saudita deve revogar imediata e urgentemente qualquer política, seja explícita ou de fato, de usar força letal contra migrantes e requerentes de asilo, incluindo atacá-los com armas explosivas e tiros à queima-roupa. O governo deve investigar e disciplinar ou processar adequadamente o pessoal de segurança responsável por assassinatos ilegais, ferimentos e tortura na fronteira com o Iémen”, exige a Human Rights Watch.

De 150, apenas sete pessoas sobreviveram naquele dia… Havia restos de pessoas por todo o lado, espalhados por toda parte”, disse uma das testemunhas.

Não existe nenhum mecanismo internacional que monitorize a violação dos direitos humanos no Iémen, desde que o grupo mandato pelas Nações Unidas foi dissolvido, em 2021, por pressão da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos, diz a organização. A HRW apela assim a uma investigação por parte das Nações Unidas e que os governos dos vários países incitem a Arábia Saudita a acabar com os ataques a migrantes.

O primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, por exemplo, deve receber o príncipe saudita Mohammed bin Salman “assim que haja oportunidade”, noticiou o jornal The Guardian.

A Human Rights Watch critica ainda a tentativa de limpeza da imagem que a Arábia Saudita tem feito ao investir no desporto e entretenimento e apela a que organizadores e participantes de eventos desportivos se manifestem a favor dos direitos dos migrantes e refugiados.