O número de casos semanais de infeção por SARS-CoV-2 registados em Portugal está a diminuir há três semanas consecutivas, depois de ter atingido, em agosto, um pico que já não se via desde novembro de 2022. No entanto, o número real de contágios pode ser muito superior ao registado, uma vez que existe um “subdiagnóstico”, admitem os especialistas. Dentro de pouco mais de uma semana (a 29 de setembro), arranca a campanha de vacinação sazonal contra a Covid-19. Mas, afinal, que grupos se devem vacinar? Há poucos dias, a Direção Geral da Saúde lançou uma norma a elencar os grupos elegíveis.

Mas comecemos pela realidade atual da Covid-19 em Portugal. Na última semana, entre 11 e 17 de setembro, contabilizaram-se 3.250 casos de infeção pelo SARS-CoV-2 (o vírus que causa a Covid-19), segundo os dados recolhidos pelo Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica, o BI SINAVE e consultados pelo Observador. Trata-se de uma diminuição de 19% em relação à semana anterior (de 4 a 10 de setembro), quando foram registados 3.996 casos.

Número de contágios cai há três semanas, depois do pico pós-JMJ

Contudo, a tendência de decréscimo no número de casos começou na semana anterior a essa, entre 28 de agosto e 3 de setembro, quando foram identificados 4.175 contágios, menos 4% do que os 4336 registados na semana imediatamente anterior, entre os dias 21 e 27 de agosto. Foi precisamente nesse período (de 21 a 27) que Portugal atingiu o número mais elevado de infeções dos últimos nove meses. É preciso recuar até ao final de novembro de 2022 para encontrar um total semanal de contágios mais elevado — no caso, 5.126.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Covid-19: Portugal está com uma média diária de 10 óbitos, disse epidemiologista

O número de contágios, que se manteve estável durante vários meses (com valores semanais a rondar os 2 mil casos) começou a subir de forma acentuada a partir da segunda semana de agosto, quando foram registados perto de 2.400 casos. Duas semanas depois, esse valor quase que duplicou para os 4.336 casos. Mas o que provocou o aumento acentuado de casos neste período? Os especialistas admitem que a explicação possa estar nos eventos que juntam largos milhares de pessoas, e em particular na Jornada Mundial da Juventude. “Quando há eventos de massa, as condições para a transmissão são potenciadas. A JMJ foi um fator de risco para o aumento de casos. Pode ter sido uma causa”, diz, ao Observador, o presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública (ANMSP). Gustavo Tato Borges sublinha, por isso, que “era expectável que o aumento pudesse acontecer”.

Também o epidemiologista Manuel Carmo Gomes admite que a causa do aumento de casos estará provavelmente relacionada com os “mega acontecimentos que ocorreram em agosto, com grandes aglomerados de pessoas”. Contudo, essa subida parou e, neste momento, “já há uma reversão” e “as coisas parecem estar a normalizar”, sublinhou o especialista, em declarações à Lusa.

No entanto, apesar de o número de casos estar a diminuir desde o final de agosto — o que pode indicar um “abrandamento da transmissibilidade”, sublinha o presidente da ANMSP — não é possível aferir o panorama atual da infeção em Portugal. Isto porque não é conhecido o número real de testes realizados nem de contágios, que é certamente superior ao que número de casos de infeção reportados ao BI SINAVE, diz Gustavo Tato Borges.

“Há um claro subdiagnóstico, não conhecemos a realidade”

Há um claro subdiagnóstico. Deixámos de testar a população de forma massiva e temos cada vez menor noção do que acontece com a Covid-19 em Portugal, não conhecemos a realidade”, alerta o especialista, sublinhando que os autotestes, a que muitas pessoas recorrem quando têm sintomas compatíveis com uma infeção por SARS-CoV-2, não são registados porque as pessoas não reportam os resultados. Os únicos testes que entram na contabilidade atual são os que são feitos em contexto de serviço de urgência, antes de um internamento numa unidade hospitalar e nos centros de saúde, aquando de uma consulta com o médico de família.

330 mil portugueses têm Covid Longa. Os casos de quem continua a viver com o cansaço e a confusão mental

“Os casos de que temos conhecimento representam uma grande subestimação relativamente à realidade porque a maior parte das pessoas agora faz um autoteste e não reporta”, realça, na mesma linha, Manuel Carmo Gomes.

O presidente da associação que representa os médicos de saúde pública defende que Portugal deveria optar por “aprofundar” a investigação à Covid-19, de modo a voltar a ter indicadores atualizados que permitissem perceber a evolução da situação epidemiológica. No entanto, e por outro lado, Gustavo Tato Borges sublinha que o facto de Portugal não apresentar uma mortalidade elevada por Covid-19 nem “uma taxa de ocupação hospitalar preocupante” dá razão ao Ministério da Saúde, que considera, diz o médico, que não se justifica aprofundar a investigação, uma vez que tal não seria “custo-efetiva”.

Número de mortes por Covid-19 estabilizou

Ao contrário do número de novos casos de infeção por SARS-CoV-2, que apresenta uma tendência descendente, o número de mortes atribuídas à infeção têm-se mantido estável ao longo das últimas três semanas, depois de um pico registado em agosto. Assim, entre 11 e 17 de setembro, registaram 59 óbitos por Covid-19 (uma média de 8 casos por dia), exatamente o mesmo valor da semana anterior. Há três semanas, entre 28 de agosto e 3 de setembro, morreram 60 pessoas infetados com SARS-CoV-2 (à média de 9 casos por dia) — este número representou, à data, uma queda significativa em relação às 82 mortes registadas na semana de 21 a 27 agosto (12 mortes diárias, em média, num período em que também se registaram mais contágios) — para encontrarmos um número de mortes semanal superior é necessário recuar até julho de 2022.

“Nesta fase, o mais viável é manter uma vigilância apertada”, sublinha Tato Borges, reconhecendo que um eventual regresso a uma testagem massiva não traria “uma mais-valia prática”. O especialista antecipa um aumento progressivo no número de casos, internamentos e mortes por Covid-19 com a chegada do outono mas sublinha que o fator decisivo é a dimensão do aumento e o impacto na mortalidade na taxa de internamento hospitalar.

Umas das formas de controlar a infeção é a adesão dos grupos de risco à vacinação contra a Covid-19 que, à semelhança da vacinação contra a gripe, vai arrancar no dia 29 de setembro. Na última semana, a Direção Geral da Saúde publicou uma norma que define os grupos elegíveis nesta fase, isto é, os grupos de risco.

Vacinação arranca no dia 29. Estes são os grupos elegíveis

De acordo com a norma 005/2023, todas as pessoas com idade igual ou superior a 60 anos estão elegíveis para vacinação contra a Covid-19. Para além destas, poderão receber a vacina os seguintes grupos:

  • Profissionais e residentes/utentes em Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas (ERPI), instituições similares e Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI), e estabelecimentos prisionais;
  • Profissionais dos serviços de saúde (públicos e privados) e de outros serviços prestadores de cuidados de saúde, estudantes em estágio clínico, bombeiros envolvidos no transporte de doentes, prestadores de cuidados a pessoas dependentes;
  • Grávidas;
  • Pessoas entre os 5 e os 59 com patologias de risco (pessoas com neoplasia maligna ativa; transplantados ou candidatos a transplante; pessoas imunodeprimidas; pessoas com infeção VIH; pessoas com doenças neurológicas, doenças mentais, diabetes, obesidade, doenças hepática crónica, baixo peso, doença cardiovascular, doença renal crónica, doença pulmonar crónica, trissomia 21; e pessoas com baixo peso, isto é, que tenham um IMC igual ou inferior a 18,5 kg/m2)

A dose de reforço da Pfizer/BioNTech, administrada a estes grupos de risco e a todas as pessoas com 60 ou mais anos, a partir da próxima semana, é gratuita. A DGS recomenda também a vacinação primária de todas as crianças entre os 6 meses e os quatro anos de idade.

Organização Mundial da Saúde insiste no reforço da vacinação face a novas variantes da Covid-19

Quanto aos locais de vacinação, a norma estabelece que as pessoas com 60 ou mais anos de idade são as únicas que poderão ser vacinadas nas farmácias comunitárias, locais a que se estende a vacinação em 2023/2024. Neste caso, o agendamento deve ser feito presencialmente ou na plataforma online disponibilizada pelas farmácias. Mais de 2.100 farmácias já aderiram à campanha de vacinação contra a Covid-19 e a gripe, abrangendo 92% dos concelhos no país, segundo a Associação Nacional de Farmácias.

Já a vacinação das pessoas de risco abaixo dessa idade será realizada nos centros de saúde, locais onde todos aqueles que têm mais de 60 anos também poderão receber a vacina, se assim preferirem. Nesta campanha de vacinação, as autoridades de saúde esperam vacinar entre 1,9 milhões e 2,6 milhões de pessoas contra a Covid-19 e a gripe.

Esta quarta-feira, o coordenador da Comissão Técnica de Vacinação da DGS, Luis Graça, admitiu que a vacinação sazonal se possa estender a pessoas com menos de 60 anos, “desde que não prejudique a dos grupos de maior risco”. “Eventualmente, o alargamento a outras faixas etárias poderá ser considerado (…) desde que não impacte nesta vacinação dos grupos prioritários”, sublinhou o responsável.

Para além da vacinação, Gustavo Tato Borges relembra a importância da regras de etiqueta respiratória, de modo a limitar as infeções por SARS-CoV-2. “Se voltarmos a usar máscara se tivermos sintomas respiratórios, se desinfetarmos as mãos regularmente, se mantivermos a distância das pessoas que estão doentes ou se mantivermos as distâncias dos outros se estivermos doentes, poderemos ter um inverno em que, apesar de ter mais casos, não teremos necessidade de fazer nenhuma intervenção mais forte”, destaca o presidente da ANMSP, avisando, em contraponto que, se as pessoas “esquecerem o que aprenderam durante a pandemia, não tiverem cuidados, poderemos ter um inverno mais complicado“.