Será que, após a realização de um estudo académico sobre a execução dos programas de fundos estruturais entre 2007 e 2020 que comprova que apenas foram detetados dois casos de fraude comprovada mais de 314 mil operações aprovadas podemos dizer que somos um país de gente honesta? “A resposta mais honesta é que não sabemos. Não sabíamos antes do estudo, continuamos a não saber e o que é mais preocupante é que o estudo demonstra que não é possível saber, se se tudo se mantiver como está”, afirmou a procuradora Ana Carla Almeida no programa “Justiça Cega”.
O estudo em causa foi promovido pelo think tank da Procuradoria-Geral da República (PGR) que tem acompanhado o risco de fraude em fundos estruturais e realizado por uma equipa de investigadores do ISCTE, com o apoio da Universidade Nova SBE. A ideia era simples: estudar e conhecer o fenómeno da fraude durante a execução do QREN e PT2020 que ocorreu entre 2007 e 2020.
Partindo do reporte que é feito trimestralmente pela Inspeção-Geral de Finanças ao Organismo Europeu de Luta Antifraude da União Europeia, e que se encontra sistematizado na plataforma IMS – Irregularity Management System, os investigadores concluíram o seguinte entre as 314.649 operações aprovadas:
- foram detetados 3.892 casos com irregularidades — grosso modo, irregularidades administrativas;
- apenas 135 casos foram sinalizados como tendo indícios de fraude;
- e somente dois casos foram classificados como sendo de fraude comprovada porque tivera condenações com trânsito em julgado.
Ou seja, apenas 200 mil euros (o valor total de fundos atribuídos nos dois casos classificados como tendo fraude comprovada) foram efetivamente mal aplicados em mais de 20 mil milhões de euros.
“Se o estudo chegou à conclusão que há dois casos, quer dizer, acho que podemos dizer tranquilamente que, na verdade, o reporte não é fidedigno porque ninguém acredita que tenham existido dois casos de fraude comprovada em Portugal em dois períodos de programação. Não há ninguém que possa dizer isto até com seriedade”, afirma a procuradora-geral adjunta Ana Carla Almeida.
“Portugal tem de facto um problema no reporte da sua fraude e tem de atacar esse problema, como recomenda o último relatório da proteção dos interesses financeiros da União Europeia feito pela Comissão Europeia”, enfatiza a dinamizadora do think tank da PGR.
Acresce a tudo isto que, mesmo nos dois casos de fraude comprovada reportados em 2013, os investigadores do ISCTE também apuraram que os 200 mil euros mal atribuídos ainda não foram recuperados pelo Estado português.
“Perdemos duas vezes” no acerto de contas com a União Europeia e com os fundos que não consegue recuperar, explica Ana Carla Almeida. Tudo porque não só porque Portugal teve de devolver os 200 mil euros a Bruxelas, como não consegue recuperar o valor aos beneficiários que cometeram a fraude.
Oiça aqui a entrevista na íntegra da procuradora Ana Carla Almeida no “Justiça Cega”