Joe Biden vai viajar esta terça-feira para o estado do Michigan para mostrar o apoio aos trabalhadores na já histórica greve do sindicato United Auto Workers (UAW), que pede aumentos salariais de 40% e maior igualdade salarial face aos gestores de topo das três maiores fabricantes automóveis do país (a General Motors, a Ford e a Stellantis, do português Carlos Tavares). Um dia depois, também Donald Trump vai discursar ao Michigan e encontrar-se com grevistas. Os dois candidatos presidenciais tentam, assim, captar votos com uma paragem que já abrange mais de 17 mil trabalhadores e que, na segunda-feira, levou a Ford a suspender a construção de uma nova fábrica de motores para veículos elétricos.

A greve, que começou a 15 de setembro, não parece ter fim à vista, apesar de na sexta-feira passada o próprio sindicato UAW ter reportado “progressos reais” nas negociações (com a segunda maior fabricante, a Ford), como um aumento na participação nos lucros. Mas há ainda muitas arestas por limar. A Ford disse, no domingo, que pese embora os progressos obtidos nalguns pontos, há “lacunas significativas a colmatar” em questões fulcrais que impedem um acordo com o sindicato.

Segundo a CNN Internacional, a Ford suspendeu a construção de uma nova fábrica de baterias para veículos elétricos, no valor de 3,5 mil milhões de dólares (cerca de 3,3 mil milhões de euros), no Michigan. A data esperada para a abertura era, inicialmente, 2026, mas o processo fica agora parado. Nesta fábrica, anunciada em fevereiro passado, a Ford planeava empregar 2.500 pessoas.

Milhares de trabalhadores da indústria automóvel em greve nos EUA. Pedem aumentos iguais aos que recebem os gestores, como Carlos Tavares

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“Estamos a suspender os trabalhos e a limitar as despesas de construção do projeto Marshall até estarmos confiantes quanto à nossa capacidade de explorar a fábrica de forma competitiva”, justificou o porta-voz da Ford T. R. Reid, citado pela CNN. Há “muitos fatores a ter em conta”, acrescentou.

A decisão foi duramente criticada pelo sindicado UAW. O presidente, Shawn Fain, apelidou-a, numa declaração publicada na rede social X (antigo Twitter), como uma “ameaça vergonhosa” para cortar postos de trabalhos. “O encerramento de 65 fábricas nos últimos 20 anos não foi suficiente para as Três Grandes, agora querem ameaçar-nos com o encerramento de fábricas que ainda nem sequer estão abertas”, afirmou.

A construção de carros elétricos, e a própria transição energética para este tipo de veículos, é um dos pontos centrais na discussão entre empresas e trabalhadores, que pedem uma “transição justa” e acusam a Ford de estar a acelerar “a corrida para o fundo do poço”. É que a montagem de veículos elétricos requer muito menos mão de obra do que a construção de veículos com motores a combustão. O sindicato receia, por isso, que os fabricantes passem a ter linhas de produção menos dependentes de trabalhadores e, em consequência, com salários mais baixos.

A transição energética tem sido uma das bandeiras de Joe Biden, que vai a Detroit, no Michingan, o centro histórico da indústria automóvel nos EUA, esta terça-feira, para se juntar a um piquete de greve e, segundo a imprensa norte-americana, tentar convencer algum eleitorado, numa altura em que as sondagens não lhe são particularmente favoráveis nos assuntos económicos.

Um Presidente juntar-se a um piquete de greve? Especialistas dizem não ter memória

Especialistas norte-americanos em assuntos presidenciais e relações laborais apelidam a visita como histórica e dizem que não têm memória de um outro Presidente se ter juntado a grevistas desta forma. Os chefes de Estado norte-americanos, acrescentam os especialistas ouvidos pela AP, têm tido uma postura de mediadores e não uma intervenção tão direta quanto Biden deverá ter.

Mesmo durante mandatos de presidentes mais pró-sindicatos como Franklin D. Roosevelt e Harry Truman. Theodore Roosevelt, por exemplo, convidou os líderes sindicais e mineiros para a Casa Branca durante uma greve histórica do carvão em 1902, uma tentativa de resolver o braço de ferro. Joe Biden já se tinha juntado a um piquete de greve de greve no casino de Las Vegas, mas na altura era candidato presidencial e não Presidente em funções.

Quanto à greve da indústria automóvel, Biden já defendeu publicamente a luta dos grevistas. Na segunda-feira, argumentou que as empresas do setor automóvel ainda não foram suficientemente longe para responder às reivindicações dos trabalhadores, mas não disse se apoia reivindicações específicas como o aumento salarial de 40% ou a semana de 32 horas de trabalho.

O que disse, ao certo, na segunda-feira? “Acho que o UAW abriu mão de muito quando a indústria automóvel estava a afundar-se. Deram tudo, desde as suas pensões, e salvaram a indústria automóvel”, disse, na Casa Branca. Os trabalhadores, acrescentou, também deveriam beneficiar desse crescimento agora que a indústria “está a recuperar”. “Se olharem para o aumento significativo dos salários dos executivos, o crescimento a indústria, eles devem beneficiar disso. Portanto, sim, apoio — sempre apoiei o UAW”, rematou.

A equipa de Donald Trump depressa associou a visita de Biden ao discurso que o republicano vai realizar no Michigan, na quarta-feira, falhando o segundo debate dos candidatos do Partido Republicano às presidenciais. Naquele estado norte-americano — um “swing state” — o ex-Presidente vai, também, reunir-se com trabalhadores da indústria automóvel em greve. Segundo a AP, tentará capitalizar com o descontentamento que os trabalhadores possam estar a sentir em relação ao estado da economia e com o “impulso” que a administração Biden tem procurado dar aos carros elétricos.

Mas a Casa Branca recusa que uma e outra visita estejam ligadas e diz que Biden viaja a convite do presidente do UAW. “Ele [Biden] é pró-UAW, é pró-trabalhadores”, disse a porta-voz Karine Jean-Pierre.

A greve sem precedentes no setor começou a 15 de setembro e já chegou a, pelo menos, 38 centros de distribuição dos EUA, abrangendo já mais de 17 mil trabalhadores. Os três fabricante propuseram aumentos de 20% ao longo de quatro anos e meio, mas o UAW quer 40%, assim como semanas de trabalho de 32 horas, o regresso das pensões de benefício definido (quando o valor a receber à data da reforma está previamente definido e as contribuições a entregar são calculadas para garantir esse montante) e eliminar as diferenças salariais que separam os trabalhadores mais novos dos mais velhos, e esbater as que distanciam os gestores dos funcionários.

Como o Observador já aqui explicou, a disparidade salarial é um dos grandes pontos de discórdia. Por exemplo, Mary Barra, CEO da General Motors, ganhou 29 milhões de dólares (27 milhões de euros) em 2022, ou seja, 362 vezes o salário médio na empresa. Outro exemplo: o CEO da Stellantis, o português Carlos Tavares, ganhou 24,8 milhões de dólares (23,2 milhões de euros) no ano passado, 365 vezes o salário médio do trabalhador da empresa.

Na semana passada, a General Motors suspendeu a produção na fábrica que tem no Kansas devido à escassez de peças que resulta da greve, o que levou a colocar 2.000 trabalhadores em layoff. Já a Stenllantis dispensou temporariamente 68 trabalhadores no Ohio na semana passada e já avisou que não deverá ficar por aqui por causa da greve.