O ex-administrador do Banco Privado Português (BPP) Fernando Lima, de 53 anos, está a tentar tudo para evitar o cumprimento de uma pena de prisão efetiva de seis anos. Em causa o chamado caso dos prémios do BPP, cujos autos estão prestes a chegar ao tribunal de primeira instância depois de terem transitado em julgado nos tribunais superiores. Para isso, apresentou já dois requerimentos junto da primeira instância. O primeiro a defender a prescrição e o segundo a requerer a aplicação da amnistia aprovada aquando da vinda a Portugal do Papa Francisco para celebrar a Jornada Mundial da Juventude, válida para quem tem entre 16 e 30 anos.

O ex-colega de João Rendeiro na administração do BPP defende a aplicação da amnistia apesar de ter 53 anos (nasceu em 1969) e mesmo já tendo mais de 30 aquando da prática dos factos criminosos que lhe são imputados. Porque, no entender da sua defesa, a cargo da advogada Ana Quintino, esta lei da amnistia (que levantou bastante controvérsia) é inconstitucional por ser discriminatória em função da idade. Logo, o perdão da pena de um ano deve ser aplicado ao ex-gestor.

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O objetivo da advogada Ana Quintino é abrir novas linhas de recurso para conseguir o efeito suspensivo e, com isso, conseguir impedir a execução da pena de prisão. Mas a decisão é da juíza Tânia Loureiro Gomes, que irá apreciar os requerimentos sobre o efeito desses recursos.

Se a amnistia não for aplicada a Fernando Lima, então “é inconstitucional”

Fernando Lima foi condenado em maio de 2021 pelo Juízo Central Criminal de Lisboa pelos crimes de abuso de confiança qualificada, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais por factos que ocorreram entre 2003 e 2008, por se ter apropriado de fundos do banco de forma indevida, tendo os factos e a pena de prisão efetiva de seis anos sido confirmada a 23 de fevereiro de 2022 pela Relação de Lisboa.

Os autos relativos a Fernando Lima transitaram em julgado a 8 de setembro, segundo informação oficial do Tribunal Constitucional, tendo sido transmitidos à Relação de Lisboa a 19 de setembro. Dois dias depois, o desembargador Rui Teixeira ordenou a baixa dos mesmos à primeira instância para execução da pena de prisão, decidida pela 3.ª Secção da Relação de Lisboa.

Enquanto os autos não baixaram, a advogada Ana Quintino interpôs na primeira instância os dois novos requerimentos já referidos. No último, apresentado já depois dos autos terem transitado em julgado e relativo à amnistia da Jornada Mundial da Juventude, requer ao tribunal que “seja reconhecida a inconstitucionalidade” da lei da amnistia, “na parte em que limita o seu âmbito na aplicação a pessoas que tenham até 30 anos à data da prática dos factos, por violação do princípio da igualdade”, lê-se no requerimento.

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Ana Quintino invoca um parecer do Conselho Superior da Magistratura, dado aquando da discussão pública do projeto-lei do Governo, que indicou que “a diferenciação de tratamento entre pessoas que praticaram idênticas infrações com base unicamente na idade que possuíam no momento da sua prática (…) suscita as maiores reservas quanto à sua conformidade constitucional”.

O objetivo da advogada é que o tribunal aceite esta alegação de inconstitucionalidade para que seja “aplicado o perdão” de um ano (o máximo que a lei da amnistia permite) e, consequentemente, seja “formulado um novo cúmulo jurídico” das penas aplicadas aos três crimes pelos quais o seu cliente foi condenado. Novo cúmulo jurídico esse que poderá fazer com que a pena seja reduzida a cinco anos e, com isso, possa ser possível a Fernando Lima cumprir pena suspensa, em vez da prisão efetiva.

Já no caso do requerimento da prescrição, a advogada de Fernando Lima alega que o crime de fraude fiscal qualificada se consumou em julho de 2005, quando terá aderido ao plano gizado por João Rendeiro e a sua administração. Tendo em conta o prazo máximo de prescrição de 18 anos para o crime em causa (e que tem associado o crime de branqueamento de capitais), Ana Quintino entende que prescreveu no dia 1 de setembro de 2023. E que não se deve aplicar a este caso o regime execional de suspensão do prazo de prescrição no âmbito da chamada legislação Covid-19.

Além dessa questão, Ana Quintino também parte do princípio que não houve prática continuada dos crimes de fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais, o que faria com que — e seguindo o seu raciocínio — o prazo de máximo de prescrição só se consumasse em 2026.

O que é o chamado processo dos prémios?

O chamado processo dos prémios do BPP diz respeito a um valor total de cerca de 30 milhões de euros que João Rendeiro, Paulo Guichard, Salvador Fezas Vital e Fernando Lima decidiram atribuir a si próprios pelos alegados resultados positivos na gestão do BPP no período entre 2005 e 2008.

Tal como Fernando Lima, também os ex-administradores Paulo Guichard e Salvador Fezas Vital foram condenados pelos crimes de crimes de abuso de confiança qualificada, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais. O mesmo aconteceu com João Rendeiro, que morreu numa prisão na África do Sul em maio de 2022 , depois de ter estado foragido à justiça portuguesa.

Contudo, as penas de Guichard (que se encontra a cumprir pena de prisão superior a quatro anos na prisão de Custóias devido a outro processo do caso BPP) e de Fezas Vital admitem recurso para o Supremo Tribunal de Justiça — que em breve irá analisar os pedidos desses dois ex-gestores do caso BPP.

Do valor total, mais de 28 milhões de euros que foram foram retirados do BPP entre 2005 e 2008, distribuiram-se da seguinte forma:

  • João Rendeiro — 13,613 milhões de euros
  • Salvador Fezas Vital — 7,770 milhões de euros
  • Paulo Guichard — 7,703 milhões de euros
  • Fernando Lima — 2,193 milhões de euros

Rendeiro e outros ex-administradores do BPP foram acusados neste processo pela procuradora Ana Margarida Santos (então no DIAP Regional de Lisboa e que é agora procuradora delegada da Procuradoria Europeia) dos já referidos crimes de fraude fiscal qualificada, abuso de confiança qualificada e branqueamento de capitais.

Na prática, os ex-gestores foram acusados por se terem apropriado indevidamente de fundos do próprio banco. Acresce que não os terão alegadamente declarado ao fisco e ainda terão alegadamente realizado operações de branqueamento de capitais.

A sentença do Juízo Central Criminal de Lisboa chegou apenas em maio de 2021 e foi dura. João Rendeiro foi condenado a uma pena de prisão efetiva de 10 anos, Paulo Guichard e Salvador Fezas Vital tiveram uma pena de prisão efetiva de 9 anos e seis meses, enquanto Fernando Lima teve a pena mais baixa: seis anos de prisão efetiva.

Após analisar os recursos dos arguidos, a Relação de Lisboa manteve as mesmas penas a 23 de fevereiro de 2022. Isto é, havendo uma ‘dupla conforme’ e uma pena inferior a oito anos de prisão, não foi possível a Fernando Lima recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça.

Lima perdeu a última reclamação no Constitucional ainda antes das férias judiciais e a 8 de setembro os autos ficaram com nota de trânsito em julgado e começaram a baixar para a primeira instância.