Cerca de 140 mil crianças portuguesas poderão ser vítimas de abusos sexuais, estimou nesta quinta-feira a diretora executiva da UNICEF Portugal, que denunciou a falta de dados estatísticos representativos sobre o fenómeno.

A responsável esteve nesta quinta-feira a ser ouvida, juntamente com a diretora de Programas e Políticas de Infância e Juventude da UNICEF Portugal, no grupo de trabalho para a avaliação da legislação sobre abusos sexuais de menores, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, a pedido do grupo parlamentar do Partido Socialista (PS).

Na opinião de Beatriz Imperatori, a nível nacional, falta mais e melhor informação, apontando que “a meta dos objetivos de desenvolvimento sustentável relativa à proporção de jovens, mulheres e homens, com idades entre os 18 e 29 anos que foram vítimas de violência sexual durante a sua infância, ou seja, até aos 18 anos, não tem dados para Portugal“. “Os dados que dispomos não são representativos da realidade em Portugal”, denunciou.

Deu como exemplo o facto de as estatísticas da justiça portuguesa registarem 964 crimes de abuso sexual de criança em 2022, apontando que esse número ficará aquém da realidade se os cálculos tiverem por base os valores de referência da Organização Mundial de Saúde (OMS).

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“Se quisermos ter uma ideia da dimensão deste fenómeno em Portugal, e utilizando os valores de referência da Organização Mundial de Saúde, o que temos é um universo de cerca de 140 mil crianças que poderão sofrer deste tipo de abuso em Portugal”, apontou, salientando o impacto do fenómeno.

“Onde é que estamos quando estes abusos acontecem?”, questionou. Defendeu, por isso, que no combate aos abusos sexuais de crianças, tem que haver alguém ou alguma instituição “que não durma à noite quando as coisas não correm bem” e que as crianças saibam que existe essa pessoa para as proteger, seja um provedor da criança ou tenha outro nome qualquer.

Beatriz Imperatori lembrou que durante os períodos de confinamento obrigatórios por causa da pandemia Covid-19, as crianças tiveram de ficar em casa, em muitos casos, juntamente com os seus abusadores, uma vez que grande parte dos casos acontece no seio da família ou por parte de pessoas da confiança da criança.

“De repente pensamos: mas quem de facto não dorme à noite por causa destas crianças? Quem é responsável? Temos de facto conhecimento sobre estas realidades, mas tudo isto está diluído e é preciso trazer e concentrar a preocupação na criança”, defendeu.

Na opinião da presidente da UNICEF Portugal, essa responsabilidade não tem de ser feita apenas com dimensão nacional, defendendo que seja incorporada a dimensão local, dando como exemplo a sua existência ao nível dos municípios.

Para uma melhor compreensão do fenómeno e quais as medidas de prevenção a pôr em prática, sugeriu a elaboração de um estudo sobre “toda e qualquer situação e contexto onde as crianças vivam”, seja o ambiente escolar ou das instituições de acolhimento.

Beatriz Imperatori aproveitou também para chamar a atenção para os perigos do ambiente digital, defendendo a necessidade de trazer para o online as orientações que já existem na legislação e reforçando a proteção real das crianças, desde logo envolvendo as empresas do setor.

Entre as várias recomendações que deixou, defendeu “legislação robusta” sobre os abusos sexuais online, a recolha periódica de dados, a formação especializada em direitos das crianças e a proibição de recrutamento de pessoas anteriormente condenadas, protegendo a identidade de quem denunciar os abusos.

Sobre o aumento do prazo de prescrição destes crimes, a responsável disse ainda que “a evidência é a de que prazos mais longos não prejudicam”.