O protesto foi pacífico em quase todo o país, mas em Lisboa houve duas vezes em que a polícia foi chamada a intervir na manifestação pela Habitação: primeiro, para escoltar os deputados do Chega após serem empurrados e insultados; depois, como reação ao ataque com martelos e tinta vermelha a uma imobiliária na Avenida Almirante Reis, em Lisboa. Houve manifestações em 24 cidades, com a maior a registar-se na capital, onde dezenas de milhares de pessoas gritaram palavras de ordem entre a Alameda e o Rossio.
Deputados do Chega forçados a abandonar a manifestação
Os deputados do Chega, Filipe Melo, Jorge Galveias e Rui Paulo Sousa, foram forçados a abandonar a manifestação com escolta policial e debaixo de gritos de “fascismo nunca mais”. No local, os repórteres do Observador testemunharam alguns empurrões e contactos físicos no meio da confusão.
O deputado do Chega, Rui Paulo Sousa, contestou o ataque de que foi alvo: “Estamos num país livre, se acham que somos fascistas é problema deles, viemos para defender quem necessita de habitação condigna e com condições”. Também o deputado Filipe Melo justificou a presença dizendo que a “habitação é um direito de todos” e que “não é uma luta exclusiva da extrema-esquerda”.
Os deputados prestaram declarações aos jornalistas já sob escolta das forças da PSP que os retirou do local da manifestação logo nos primeiros momentos da concentração que começou esta tarde na Alameda. No protesto estão também a coordenadora do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua e o líder do PCP, Paulo Raimundo.
Mariana Mortágua: “É muito razoável que Chega não seja bem recebido”
A líder do Bloco de Esquerda, que está presente na manifestação em Lisboa, diz que é “natural que um partido de extrema-direita que defende a especulação imobiliária não seja bem recebido numa manifestação pelo direito à habitação”. Mariana Mortágua diz mesmo que “é muito razoável” e “expectável” a reação dos manifestantes ao Chega, que lembra que é um “partido de extrema-direita que defende interesses imobiliários e os vistos gold”.
A líder bloquista atacou ainda o PS, dizendo que “a maioria absoluta tem chumbado todas as medidas que têm efeito prático no direito à habitação”, acusando os socialistas de se juntar “à direita que defende a especulação”. Diz ainda que “em maioria absoluta há uma única maneira de pressionar o governo: a mobilização popular.” Para Mortágua, o programa “Mais Habitação” nunca foi suficiente e diz que “Portugal não é uma offshore para os estrangeiros endinheirados virem comprar as suas casas”.
Mais de 20 cidades vão ser este sábado palco de protestos contra a crise na habitação, enquadrados na plataforma “Casa para viver, Planeta para habitar”, que agrega mais de uma centena de associações e coletivos.
Bloco de Esquerda: “É natural que extrema-direita não seja acolhida”
Paulo Raimundo: “O Chega já foi alimentado mais do que bastasse”
O líder do PCP, Paulo Raimundo, sugere que os deputados do Chega fizeram de propósito para provocar a situação que os levou a abandonar a manifestação pela a habitação. “Vieram cá com um propósito e infelizmente conseguiram. Está feita a notícia”, disse o líder comunista. Raimundo diz ainda que o ” acontecimento, por si só, já alimentou o Chega, mais do que bastasse.”
Sobre a manifestação, Raimundo não escondeu a “alegria” pela grande mobilização. Os protestos, diz o líder comunista, são de pessoas que enfrentam uma “profunda privação pessoal” e que “não aguentam mais as rendas”. O secretário-geral do PCP denuncia ainda o “escândalo” que é estarem todos “apertadíssimos” e a banca ter “lucros de 11 milhões de euros por dia”.
Paulo Raimundo diz que a manifestação de abril “obrigou o Governo a tomar medidas, mas foram insuficientes”, o que também é uma “frustração”. O líder comunista lembra ainda a proposta do PCP para limitar o aumento das rendas a 0,43%.
As manifestantes sem partido e sem casa que criticam ataque a imobiliária
Junto a umas das tendas espalhadas pela Avenida Almirante Reis, duas manifestantes saíram do centro dos protestos para tentar falar com a pessoa em situação de sem-abrigo que vive acampada. “Isto foi feito para as pessoas acamparem e não para viverem”, disse Sandra Trindade, técnica de apoio social que vive em Lisboa.
Tem casa própria, mas garante que a prestação aumentou tanto que se torna “incomportável” para alguém que tem um salário a rondar os 700 euros. Sandra está acompanha pela colega de profissão, Ana Cristina, que com 52 anos se viu obrigada a deixar uma casa para ir viver num quarto pelo qual paga 300 euros.
As duas manifestantes não pertencem a nenhuma estrutura partidária e dizem apelar pela dignidade nos salários, para conseguirem pagar uma casa para viver. Garantem que não se identificam com alguns cartazes que apelam à “morte dos ricos” e consideram que atos de vandalismo como o que sucedeu na agência imobiliária, poucos metros atrás, “não fazem sentido” durante um protesto pacífico.
Diogo Faro: “A violência que é partir uma montra não é comparável com viver numa tenda”
Questionado sobre o ato de vandalismo a uma agência imobiliária na Avenida Almirante Reis, Diogo Faro, uma das caras do protesto pela habitação, garante que um ato violento como o praticado não é o seu “método de atuação”. No entanto, relativiza a sua gravidade: “A violência que é partir uma montra não é minimamente comparável com uma pessoa a viver numa tenda.”
“Mas contra as vozes que se vão levantar contra isso, honestamente, estou-me a cagar”, garante, afirmando que “se o ato distrair do protesto, a culpa é de quem der atenção a isso”. E acrescenta: “Imaginado que estão cá 50 mil pessoas, houve um grupo de cinco que partiu uma montra. Espero que a comunicação social e os jornalistas coloquem a atenção nas outras 49.995 pessoas que tiveram pacificamente a reclamar os seus direitos.”
O ativista do movimento cívico “Casa é um Direito” adiantou que, à partida, os manifestantes são em maior número que na manifestação que ocorreu em abril sob o mesmo mote. “Somos muitos mais aqueles que queremos um país melhor, mais justo e que não viva em roda do lucro de uma minoria que esmaga os direitos de uma maioria”, afirmou.
“Costa vê se te arrebitas, isto é bom para parasitas”
Entre os cartazes de protesto destacam-se alguns, com mensagens diretas ao poder autárquico e ao Governo de António Costa. Em referência à Jornada Mundial da Juventude, que Lisboa recebeu há dois meses, lê-se a crítica: “Recebemos peregrinos, despejamos inquilinos”.
“Costa vê se te arrebitas que este pacote podre só é bom para parasitas”, lê-se em outro cartaz de protesto, em referência ao Pacote Mais Habitação, aprovado pelo Governo.
Também não faltaram as críticas a quem arrenda casas. Os manifestantes garantem que “senhorio não é profissão”. Noutro cartaz do movimento casa para viver, lê-se:” Senhorios são bué cringe”.