A bancada do Chega abandonou os trabalhos parlamentares esta tarde, depois de um confronto com o presidente da Assembleia da República a propósito das agressões aos deputados do partido na manifestação da habitação, no sábado. André Ventura pediu a Augusto Santos Silva que repudiasse o momento, mas o socialista não se ficou por condenar a violência e acrescentou que “também é necessário que nos abstenhamos de atos de provocação“, apontando ao Chega a participação numa manifestação da qual está “distante”. A resposta de Ventura foi sair da sala.
“Não o reconheço como Presidente da Assembleia da República”. André Ventura reagiu assim à resposta de Santos Silva, levantando-se e saindo da sala das sessões, acompanhado por toda a bancada do Chega. Não sem antes atirar: “Não sei se acha que quando uma mulher é violada e anda de mini saia a culpa é dela“.
O Chega diz que recebeu um convite de uma das plataformas (movimento Porta a porta – Casa para todos, Movimento pelo Direito à Habitação) que esteve na manifestação do passado sábado, nomeadamente para a concentração do Porto. Nos destinatários do convite, a que o Observador teve acesso, está o email geral não só do grupo parlamentar do Chega como de todas as outras bancadas e também o do gabinete do Presidente da Assembleia da República. No assunto do email consta: “[Apelo à participação] Manifestação ‘Casa para viver’ — Amanhã sábado 30 de setembro, 15h Batalha – Porto”.
Apesar de o email ser enviado por alguém que fez o convite em nome da associação, o movimento Porta a Porta garante ao Observador que não encontrou ninguém com aquele nome na base de dados da plataforma. “Não há ninguém com esse nome no Porta a Porta nem em nenhuma das plataformas envolvidas na manifestação”, diz o porta-voz do Porta a Porta, André Escoval. O representante do movimento adverte ainda que “a linguagem no email nada tem a ver com a nossa” e acrescenta ainda: “Mesmo que fosse convite, aquilo dizia Porto e os deputados foram à manifestação de Lisboa”.
Os incidentes registados no sábado aconteceram na concentração de Lisboa, com alguns manifestantes a agredirem os deputados do Chega presentes, Rui Paulo Sousa, Filipe Melo e Jorge Galveias. Segundo Ventura os seus deputados “foram agredidos, insultados e ameaçados numa manifestação pública” e Galveias “foi pontapeado e esmurrado”, descreveu.
Ataque a imobiliária e a deputados do Chega em dia de manifestações pela habitação por todo o país
De Santos Silva, Ventura queixou-se por não ter ouvido “uma única palavra de condenação para actos que em qualquer outro país mereceriam uma condenação clara”. “O que nos devia representar a todos ficou em silêncio perante os ataques de forças políticas extremistas, sem respeito pelo pluralismo e a representatividade democrática”, afirmou ainda lembrando a condenação pronta do Chega e também de Santos Silva quando ativistas pelo clima atacaram o ministro do Ambiente a semana passada. “É estranho que a tinta valha uma condenação mas as agressões não mereçam”, rematou ao mesmo tempo que desafiava Santos Silva “a emendar a mão” e condenar a violência.
Na resposta, o presidente da Assembleia da República faz isso mesmo, no entanto, acrescentou um “mas” ao texto. “A violência é sempre condenável e num regime democrático é ilegal e inaceitável”, disse, para logo acrescentar que “para que a convivência democrática se possa estabelecer com a normalidade que e a Constituição requer é também necessário que nos abstenhamos de atos de provocação“.
“Devemos respeitar as manifestações cujas motivações e objetivos estão muito distantes dos nossos. É uma condição da convivência democrática”, atirou, suscitando logo protestos na bancada do Chega. Também disse que o respeito deve estender-se mesmo às manifestações que se fazem à porta de outros partidos políticos” — atirando a uma iniciativa do Chega em maio passado junto da sede nacional do PS no Largo do Rato, em Lisboa.
Não terminou a sua resposta sem condenar a “criação artificial de incidentes e a apologia do ódio” que são “o contrário do debate democrático”. E respondeu à provocação de Ventura no dia anterior quando lhe chamou “cobarde” por ficar em silêncio: “Deve ter sempre em conta que quando me vê não se está a ver ao espelho”.
Perante a resposta, Ventura voltou a pedir a palavra para acusar Santos Silva de estar “mal informado”, uma vez que o Chega foi convidado a estar nas manifestações e, quando Santos Silva lhe pediu para baixar o tom, o líder do Chega ripostou: “Aumento a voz quando eu quiser”. Rematou com o “deputado de 73 anos [Jorge Galveias] que é agredido”, atirando a Santos Silva: “Se acha que isso é uma provocação, então já não é meu presidente, presidente desta bancada e de uma parte do país. Não o reconheço como presidente e vou-me embora”. Levantou-se e saiu do hemiciclo bem como toda a bancada do Chega, que não voltou à sala mesmo depois de Santos Silva ter sido substituído na Mesa da Assembleia da República pela vice-presidente Edite Estrela.