O “unicórnio” Talkdesk está a tentar rescindir contrato com mais de uma centena de trabalhadores e, perante o descontentamento que foi manifestado pelos funcionários abrangidos, fez alterações à proposta de mútuo acordo. Oferece agora mais meio mês de salário, o valor (obrigatório por lei) das horas de formação não prestadas, um subsídio de teletrabalho, a manutenção do seguro de saúde até ao final do ano e a possibilidade de manterem os equipamentos de trabalho dados pela empresa. Mas o acordo continua a não dar acesso ao subsídio de desemprego.

A nova proposta de acordo escrito foi enviada aos trabalhadores esta terça-feira, com a Talkdesk a dar apenas um dia para responderem: até quarta-feira os funcionários em causa terão de dizer se aceitam ou não. O Observador tem questionado a empresa para perceber quantos trabalhadores já aceitaram as condições propostas, mas não obteve resposta.

Segundo informação recolhida pelo Observador, os trabalhadores tiveram, na sexta-feira passada, uma reunião à distância com o departamento de recursos humanos da empresa, onde ficou estabelecido que a Talkdesk iria alterar os acordos propostos para incluir as horas de formação não ministradas que não estavam a ser incluídas, mesmo para aqueles que não as receberam (esta inclusão é obrigatória por lei), e permitiria que os trabalhadores ficassem com o equipamento detido pela empresa.

O documento, apurou o Observador, também passou a prever a continuidade do seguro de saúde até ao final do ano, o pagamento de mais meio salário (além de um mês de ordenado por cada ano de trabalho, que já constava na proposta inicial), a possibilidade de manter o portátil e restante equipamento informático e um subsídio de teletrabalho (que a partir deste mês, por lei, passou a estar isento de IRS e TSU até ao montante de 22 euros por mês).  O prazo para que os trabalhadores deem resposta era, inicialmente, a sexta-feira passada, mas com o envio da nova proposta foi, assim, prolongado até dia 4 de outubro, quarta-feira. A data da rescisão mantém-se no dia 6.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Até aqui, a proposta previa o pagamento de créditos obrigatórios por lei como um salário proporcional aos dias de trabalho do mês de outubro, o montante das férias não gozadas, assim como os subsídios de refeição, férias e Natal (também proporcionais). Mas não havia referência aos montantes das horas de formação não recebidas, que foram só agora introduzidas. Além disso, a Talkdesk estava a propor uma compensação equivalente a um mês de salário por cada ano de antiguidade.

Funcionários convidados a sair e impedidos de trabalhar. O que se passa (de novo) com o unicórnio Talkdesk?

Mas a nova proposta não altera um dos pontos que mais preocupação tem causado aos trabalhadores: a grande maioria daqueles que assinem não tera direito ao subsídio de desemprego. Como o Observador explicou, em causa está um acordo de revogação que está previsto no Código do Trabalho. Aos olhos da lei, trata-se de um acordo entre as partes e não um despedimento e é uma via comum quando as empresas querem dispensar um número significativo de trabalhadores sem os prazos, as implicações jurídicas e o peso que traria um despedimento coletivo. Como é um acordo, e não está fundamentado em factos objetivos de reestruturação ou reorganização, o desemprego é considerado voluntário, logo, não há direito a subsídio de desemprego.

Para que os trabalhadores pudessem ter esse direito, e para evitar um despedimento coletivo, a Talkdesk teria de propor acordos ao abrigo do decreto-lei 220/2006, que também pressupõe um entendimento entre as partes mas que tem como fundamentos aqueles que seriam aptos a um despedimento coletivo. Este tipo de acordos acontece em cenários de reestruturação das empresas ou motivos de reorganização empresarial, por exemplo, pelo que o desemprego é considerado involuntário, logo, há direito a subsídio de desemprego. Só que tem quotas de abrangência, que dependem do número de cessações de contratos dos últimos três anos.

Como a Talkdesk já dispensou trabalhadores este ano e no anterior, terá esgotado (ou, pelo menos, quase esgotado) esta opção, o que pode estar a dissuadi-la de avançar com este tipo de acordo (mesmo ultrapassando as quotas, o empregador pode firmar este acordo, mas poderia ficar obrigado pela Segurança Social a pagar os subsídios de desemprego dos trabalhadores que excedem a quota, o que torna esta opção pouco atrativa para a empresa neste momento).

Enquanto refletem sobre a decisão a tomar, os trabalhadores viram o acesso às ferramentas internas de trabalho ser-lhes cortado, mesmo sem o seu consentimento. Este corte levanta dúvidas de legalidade aos especialistas em direito laboral ouvidos pelo Observador.

Um ano depois, “unicórnio” Talkdesk volta aos despedimentos. Fundador fala em “reduções limitadas”

A única posição da empresa — que se tornou um “unicórnio” em 2018 — sobre o assunto chegou na terça-feira passada, numa declaração assinada por Tiago Paiva, fundador e CEO da Talkdesk. Na nota, enviada ao Observador, não falou em despedimento mas numa “redução limitada do número total de trabalhadores em poucas áreas, que não vai impactar negativamente” a velocidade de inovação. Garante que a empresa quer “continuar a investir e a contratar em áreas estratégicas” e que o negócio “continua forte”. O Observador tem vindo a colocar questões adicionais à empresa, mas não obteve resposta.