As imagens da operação de desmontagem do palco-altar do Parque Tejo, onde decorreu a cerimónia de encerramento da Jornada Mundial da Juventude, foram recebidas com surpresa. Primeiro, nas redes sociais, onde começaram a circular a meio da semana: “Estão a desmontar o palco da JMJ. Não era para ficar?”, questiona-se no X (antigo Twitter) uma utilizadora. Depois, na própria Câmara de Lisboa. “A única coisa que sempre nos foi dita é que o palco-altar ficava, que a estrutura ficaria”, diz ao Observador a vereadora do PS, Inês Drummond.
Passados dois meses, da infraestrutura utilizada durante os últimos dois dias da jornada mantém-se apenas a cobertura metálica e uma base que cobre o solo e a suporta, como mostram várias imagens que começaram a circular nos últimos dias nas redes sociais e imagens posteriores captadas pelo Observador.
Questionada sobre a intervenção que tem estado a decorrer naquele espaço e o que permaneceria, afinal, do palco-altar, a Câmara de Lisboa disse ao Observador que a “estrutura do palco foi retirada, como previsto”. E acrescentou que este é um custo que está incluído no valor final da empreitada — os 2,9 milhões de euros anunciados em fevereiro deste ano, depois de uma polémica sobre o valor inicial apresentado para aquela estrutura: 4,2 milhões de euros.
A base do palco e a cobertura manter-se-ão, como sempre esteve previsto, bem como todas as infraestruturas que ali foram instaladas por causa da JMJ e que se irão manter: energia, saneamento, água potável, rega com Água+, entre outras que permitirão a realização de qualquer tipo de eventos nesta zona, antigo aterro sanitário e que já é um parque da cidade”, referiu a autarquia numa primeira resposta, por escrito, a um conjunto de perguntas enviadas pelo Observador.
Pouco depois das questões colocadas pelo Observador, já em declarações à Agência Lusa, a Câmara Municipal de Lisboa dizia que a estrutura (o palco) tinha sido guardada para “utilizações futuras”.
A operação surpreendeu quem, na própria Câmara, foi acompanhando todo o processo de preparação da JMJ. “A única coisa que sempre nos foi dita é que o palco-altar ficava, que a estrutura ficaria (…). Não foi detalhado se saía metade da estrutura ou não. Isso não foi detalhado”, diz ao Observador Inês Drummond, vereadora do PS, admitindo que já viu as imagens que têm circulado nas redes sociais, ainda que não tenha tido oportunidade de se deslocar até ao Parque Tejo. Já o gabinete de comunicação dos vereadores do PCP apontou que as informações que lhes tinham sido transmitida, a propósito da permanência do palco após o evento, eram “genéricas”. “Os projetos foram avançando, projeto a projeto, e não tínhamos esse detalhe. Na generalidade, isso nunca foi mencionado”, refere ao Observador.
Moedas destacou “muito interesse na utilização deste palco”
Nos dias que antecederam a JMJ, o presidente da Câmara Municipal de Lisboa garantiu várias vezes que o palco seria utilizado em eventos futuros e que já existiam alguns interessados em realizar eventos com aquela estrutura. “Tenho tido já muito interesse na utilização deste palco, obviamente não é o momento de o dizer, nem de anunciar. Mas há bastante interesse. Não há ninguém que venha aqui que não queira olhar para este parque com o potencial que ele oferece”, chegou a afirmar Carlos Moedas no final de julho, em declarações à SIC.
Alô @Moedas, onde raio está o palco das JMJ? ???? pic.twitter.com/LAXqznGYHv
— ???????????? (@AJ1904__) October 5, 2023
Parece que estão a desmontar o palco… pic.twitter.com/HecFM94FhY
— AC (@_A_M_P_C_) October 6, 2023
Numa outra ocasião, Carlos Moedas disse que o palco-altar no Parque Tejo seria “uma centralidade para a cidade” após o evento. “Temos, obviamente, projetos para que esse altar-palco no futuro seja utilizado para eventos. Não os vou anunciar agora, uma semana antes de vir o Papa, mas estamos a pensá-los, estamos a organizá-los […], tenho levado algumas pessoas a ver toda aquela área, é uma área extraordinária para eventos, com o palco ou sem o palco”, garantiu. Moedas dizia nessa altura que “as pessoas vão querer, também, ver onde tudo aconteceu e, portanto, é um palco (…) que tem também uma história e tem um significado, e isso é importante para a cidade e é importante para ser um palco diferenciador”.
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No dia 6 de agosto, que marcou o fecho da JMJ, o autarca manteve que eram várias as propostas de promotores para a realização de espetáculos e eventos desportivos naquele local, até com a possibilidade de instalação de outros palcos adicionais. “Vou tentar escolher aquele [evento] que traga mais à cidade”, prometeu, garantindo estar “aberto” a mais sugestões. “Assim que tiver uma decisão, terei muito gosto em anunciar (…). A cidade tem aqui um potencial enorme. Nós temos este um milhão e meio de pessoas que vão passar a palavra sobre Lisboa e que vão passar a palavra a outros que virão a Lisboa. Lisboa, se quer ser capital do mundo, tem de ser capital do mundo”, destacou.
Ao longo deste processo, não ficou completamente claro se toda a estrutura do palco iria permanecer depois da JMJ, nem sobre se parte dela ficaria guardada. Num comunicado divulgado a 8 de julho, em que era dado a conhecer que a cobertura estava finalizada, a Câmara Municipal de Lisboa garantia que esta fora construída para lá ficar de forma permanente, sem fazer referência à restante estrutura. “Com cerca de 40 toneladas, trata-se de uma estrutura metálica espacial, tubular leve/ligeira, composta por um conjunto de telas que permitem criar jogos de som, luz e sombras no palco, que, com uma área de 3 250 metros quadrados, servirá de altar ao Papa Francisco. A estrutura conta ainda com duas laterais, que serão montadas nos próximos dias, e foi pensada no enquadramento da Ponte Vasco da Gama. Permanecerá no Parque Tejo após a Jornada Mundial da Juventude, cumprindo assim o propósito de ser uma obra para a cidade e para os lisboetas.”
Nas mesmas declarações à Agência Lusa, esta sexta-feira, a CML referiu que retirou e guardou, “tal como previsto”, a estrutura do palco instalado no Parque Tejo. Fonte da autarquia explicou que as estruturas ficarão guardadas e ao serviço da Câmara de Lisboa “para utilizações futuras”. E nota ainda que tudo o que “estava relacionado com estruturas metálicas e andaimes, que tinham sido alugados, foram devolvidos” à empresa que ficou responsável pela intervenção no Parque Tejo, a MotaEngil.
Nas questões colocadas esta sexta-feira sobre o espaço e sobre a intervenção que ainda terá de ocorrer até que o Parque Tejo seja finalmente aberto ao público, a CML não avançou quaisquer detalhes. Também não respondeu se, tendo em conta o tipo de evento a acolher, esses custos estarão ao cargo da câmara ou da responsabilidade das empresas que realizarem eventos naquele espaço.
Poucos detalhes e informação por apresentar
Ao Observador, Inês Drummond, vereadora do PS na Câmara Municipal de Lisboa, refere que das reuniões da câmara e das declarações públicas do presidente da autarquia sempre ficou a perceção de que o palco iria ficar como estava no Parque Tejo.
O que Carlos Moedas disse é que iria manter o palco e que era depois para a cidade. E permitiria grandes eventos que pudessem ocorrer naquela zona da cidade. Não sei o que está a acontecer. Se esta era uma estrutura que ia ficar para a cidade, estava ajustada e adaptada e tinha sido pensada para ficar para a cidade, não percebemos e estranhamos o que ali está a acontecer e iremos questionar”, refere. “Não foi detalhado se ia sair metade da estrutura ou não. Isso não foi detalhado. Portanto, a nossa perceção é que o palco ficaria”, acrescenta.
A vereadora do PS diz ainda que já pediram várias vezes informações sobre todo o processo administrativo de contratações para a construção da estrutura do palco-altar e que até agora ainda não lhes foi enviada, afirmando que falta uma série de documentação. “À exceção dos concursos públicos que estão no portal Base, este é o único que não tem a informação toda que é suposto, nomeadamente o projeto e o caderno de encargos”.
Inicialmente estava previsto que o palco da JMJ custasse 4,2 milhões de euros, valor que foi reduzido para 2,9 milhões, como anunciou Carlos Moedas no início de fevereiro — redução de custos que resultou da diminuição da altura do palco de nove para quatro metros.
“Sabemos que existiram alterações em função do valor inicial que estava previsto, houve um acordo com o empreiteiro para reduzir custos, mas desconhecemos o caderno de encargos original e depois as alterações que foram feitas para o acordo com o empreiteiro. Só conhecendo o caderno de encargos e o que era suposto acontecer depois da negociação do valor saberemos, mas até isso desconhecemos e temos insistido já depois da Jornada para ter acesso a todos esses documentos — que, aliás, têm de ir para o Tribunal de Contas para fiscalização”, acrescenta Inês Drummond.
Sobre o mesmo assunto, o gabinete de comunicação dos vereadores do PCP disse que, compreendendo a dimensão e exigências de um evento desta natureza, entendeu desde o início que “os gastos deviam ser limitados a estruturas que pudessem perdurar e ficar para a cidade”. Critica também a falta de informação pedida e que ainda não foi disponibilizada. “Ainda há pouco tempo questionamos sobre o futuro do Parque Tejo e também não obtivemos informação”, aponta.