Agora, olhar para aquele tempo no final de uma corrida com 42,195 quilómetros parece quase natural. Não que seja fácil mas surge como uma imagem que confirma o irresistível destino de desafiar o impossível que os principais atletas africanos, cada vez mais novos na procura desse sonho, têm em mente. Kelvin Kiptum, de apenas 23 anos, levou mais à frente a ideia e passou da teoria à prática para chegar ao dia quase perfeito em que bateu o recorde mundial da maratona em Chicago, ficando somente a 35 segundos da mítica barreira das duas horas que se pensava ser impossível. E, dentro de uma história que fica para a História, nasceu um sem número de histórias que fazem daquela corrida um marco no percurso das corridas de fundo.

O mesmo atleta (agora com 37 anos), o mesmo local, menos 30 segundos: Eliud Kipchoge volta a bater o recorde do mundo da maratona

Nem tudo foi perfeito. Ou melhor, há sempre algo que pode ainda ser aperfeiçoado como todos os estudos que foram sendo feitos em 2009 quando Usain Bolt estabeleceu uma nova marca nos 100 metros que nunca mais voltou a ser batida (9,58). A noite em Berlim estava perfeita, o vento corria de feição, a corrida depois do arranque encontrou as passadas certas, o tempo de reação e a saída dos blocos podiam ser melhorados. Em Chicago, o filme teve parecenças: não havia vento e a temperatura estava boa com zonas mais frescas mas as lebres falharam a cadência de corrida logo nos cinco quilómetros iniciais, a passagem pelos 15 quilómetros tinha um tempo que não augurava nada de bom e a história só foi feita porque Kiptum acelerou por completo o ritmo nos 10.000 metros finais. “A minha intenção ao vir a Chicago era bater o recorde deste circuito mas por sorte acabei a bater o recorde do mundo, que à partida não tinha na cabeça”, admitiu no final.

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O feito do queniano ganha outra dimensão num pormenor que quase passou ao lado mas não deixar de ser importante no contexto desta marca: Kiptum corria em Chicago apenas a sua terceira maratona, depois de uma estreia prometedora em Valência no ano passado onde conseguiu tornar-se o terceiro homem mais rápido de sempre na distância (2.01.53) e de uma confirmação em abril deste ano com 2.01.25 em Londres. Agora, conseguiu tirar 34 segundos à melhor marca que pertencia ao compatriota Eliud Kipchoge, feita mais uma vez em Berlim, um terreno sagrado para bater recordes mundiais, em setembro de 2022.

Kiptum, que se tornou a partir de agora uma estrela que já muitos “desconfiavam” que iria ser, costuma ter como principal ponto de treino a terra natal, Chepkorio, na zona oeste do Quénia a cerca de 40 quilómetros (ou quase uma maratona) daquela que é considerada o berço do fundo africano, Eldoret, onde trabalha o ruandês Gervais Hakizimana. “Fazíamos sessões de montanha num bosque que ficava perto da sua casa e ele, já quando era pequeno, costumava seguir-nos, descalço, após cuidar das cabras e das ovelhas. Isso começou a acontecer em 2013, quando na verdade ainda não corria”, revelou o técnico à AFP. Só mesmo três anos depois o jovem atleta começou a entrar de forma regular em provas, sendo que em 2019 ganhou duas meias maratonas. “Por causa da Covid-19 fiquei retido no Quénia durante um ano, comecei a treinar com ele no bosque e desenhámos um plano para programar a maratona em 2021”, referiu, entre um reparo pelos mais de 250/300 quilómetros semanais de treino: “Sugeri que abrandasse o ritmo mas não quer”.

Com a prova na Cidade do Vento que parecia ter-se vestido propositadamente com as condições necessárias para o recorde, Kiptum recebeu 100.000 dólares pela vitória (94.850 euros) e mais 50.000 pela marca feita (47.400 euros) além do prémio por participação. No entanto, os “ganhos” não ficarão por aí: por um lado, haverá um aumento no dinheiro que irá receber apenas por participação nas provas; por outro, a ligação com a Nike vai passar a render ainda mais. E é daqui que advém a outra história que tem sido falada.

Custam 500 euros, só podem ser usados uma vez e estão esgotados: os super Adidas com que Tigist Assefa bateu o recorde mundial da maratona

Kelvin Kiptum correu com um novo prototipo da marca norte-americana que ainda não é comercializado, que se chama Alphafly 3 e que tem como principal característica diferenciadora uma placa de carbono que surge como uma adição às cápsulas Zoom Air e à espuma ZoomX na zona do antepé. Com isso, apenas duas semanas depois do recorde de Tigsit Assefa na maratona feminina com os Adizero Adios Pro Evo 1 de uso único com um preço a rondar os 500 euros que esgotaram quase de imediato quando foram lançados, a Nike volta a passar para a frente nesta “corrida” particular pelo calçado perfeito com um modelo que ainda está em fase de desenvolvimento e que foi ratificado pela World Athletics até 3 de dezembro. Para muitos esta será uma versão desenvolvida dos Air Zoom Alphafly NEXT% 2, que custam cerca de 325 euros.