Adeline Morel estava no trabalho quando recebeu uma chamada da sua filha. “Ela estava a sussurrar e estava muito assustada”, revelou ao jornal francês Le Monde. O que se seguiu foi um relato que nenhum pai quer ouvir, especialmente à distância de um telefone.

A jovem, aluna do segundo ano (equivalente ao 11.º ano português) da escola secundária de Arras, no norte de França, estava a preparar-se para sair, para ir buscar “algo de que se tinha esquecido em casa”, até que um professor de educação física “gritou” e pediu que se escondesse.

Isto porque, no exato momento em que a adolescente se preparava para sair pela porta da frente, entrou um homem armado, a gritar “Allahu Akbar” (em português, Alá é Grande).

Esta sexta-feira, um jovem com cerca de 20 anos, identificado como Mohammed Mogouchkov, entrou na escola secundária e matou um professor de literatura, Dominique Bernard, e feriu outras duas pessoas gravemente, que estão “entre a vida e a morte”.

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França. Jovem checheno de 20 anos entrou numa escola, gritou “Allahu Akbar” e matou professor à facada

De origem chechena, Mohammed Mogouchkov era um antigo aluno da escola, descrito como “reservado e calmo”, que entrou pelo instituto “armado com duas facas”. Após ter feito a primeira vítima, perseguiu vários trabalhadores da cantina e outros professores, nomeadamente um de filosofia, Martin Dousseau — que percebeu que se tratava de “um ato político”, quando este lhe perguntou várias vezes se lecionava história — e um de educação física, Fabien Dufay, descrito como um herói por vários alunos da escola.

“Ouvi toda a gente a gritar por todo o lado e vi um professor no chão, com alguém a ameaçá-lo”, descreveu um jovem ao canal M6, citado pelo Le Figaro. “Depois, chegou o meu professor de educação física, que vinha com a boca ensanguentada e disse-nos para subir as escadas. Olhei pela janela e vi alguém a ser esfaqueado”, recordou.

O adolescente não foi o único a testemunhar o crime levado a cabo pelo ex-aluno da escola. Muitos outros não contiveram o medo ao ver o “chef de cozinha, que era bastante idoso, a ser atacado e a sangrar” e os professores a fugir pelos corredores. E, num deles, suscitou um pedido sincero: “Pai, quero mudar de escola”.

Foi a primeira coisa que o filho de Jean François Dubernay lhe disse quando o abraçou à saída da escola. O franco-marroquino foi a correr para o local do atentado quando a sua mulher, Samira, ouviu o que se tinha passado na televisão. Ao ver o jovem de 15 anos em segurança, não deixou de respirar de alívio. Mas esse suspiro foi logo roubado por uma preocupação. “Tal como depois do Charlie [atentado à redação do Charlie Hebdo, que matou 12 pessoas], vão perguntar-me se o apoio. As pessoas misturam tudo. Ainda por cima agora, com o Hamas e Israel…“, lamentou ao jornal Le Monde.

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“São os nossos filhos que vão ter de levar com isto. Não sabemos o que dizer. É difícil para eles”, referiu, acrescentando que a sua mulher estava “angustiada” com tal possibilidade.

Professores “estupefactos” falam em “período de luto”

A poucos dias do aniversário da morte de Samuel Paty, professor decapitado em 2020, os docentes da escola não deixam de se sentir “estupefactos” com tal tragédia no seu estabelecimento.

É o início de um período de luto. Não sabemos como será o ambiente quando as aulas recomeçaram na segunda-feira”, confessou o professor de filosofia Martin Doussan, que explicou como o pessoal docente viu todo o alvoroço.

“Refugiámo-nos no edifício central e depois vimo-lo frente a frente connosco através das janelas. Ele estava a tentar abrir as portas. A polícia chegou pouco tempo depois”, recordou ao jornal Le Figaro.

Após o ataque, diversos sindicatos de professores e de diretores chegaram-se à frente para lamentar o facto de “as escolas serem mais uma vez visadas, porque encarnam os valores da República: liberdade, igualdade e fraternidade”, declarou Agnès Andersen, secretária-geral do sindicato dos diretores escolares ID-FO, à Agência France-Presse (AFP), citado pelo Le Monde.

“É simplesmente inaceitável e todo o país vai ter de se mobilizar para proteger as suas escolas, porque estão obviamente a ser visadas. Vamos precisar de uma reação à altura”, acrescentou Sophie Vénétitay, secretária-geral do Snes-FSU.