A Justiça portuguesa voltou a ficar do lado dos clientes na ação coletiva movida contra a Vodafone Portugal pela cobrança de serviços não solicitados, como a ativação automática de pacotes adicionais de internet quando o plafond se esgota. Depois de, em fevereiro de 2022, ter transitado em julgado a decisão que determinou que a operadora de telecomunicações deve devolver os montantes cobrados em excesso aos clientes, a ação coletiva movida pela Citizen’s Voice recorreu mais uma vez à justiça para pedir a liquidação da sentença, um passo que permitirá avançar para o apuramento de como poderão ser feitos os cálculos do valor a devolver a cada cliente.
Octávio Viana, presidente da Citizen’s Voice, contextualiza ao Observador que “a juíza de primeira instância entendeu que cada lesado teria de executar legalmente a sentença, ou seja, entrar com um processo a título individual”. A associação recorreu e, em simultâneo, avançou com “vários lesados” para “execuções junto dos tribunais”. E, conforme explica, “todas as decisões até agora foram de que a sentença tinha de ser liquidada”. E, já esta semana, o Tribunal da Relação de Lisboa “confirmou” o entendimento dos clientes, “ou seja, de que tem de ser o tribunal a apurar o que é que cada lesado de facto tem de receber.”
Através do pedido da liquidação da sentença, o juiz terá agora de “determinar o apuramento daquilo que a Vodafone tem de pagar”, podendo optar por “diferenciar o valor a atribuir a cada lesado” ou por “ter o montante ‘x’ a dividir por cada lesado”, explica Octávio Viana.
Em 2022, a estimativa feita pela Citizen’s Voice era de que a empresa de telecomunicações teria arrecadado cerca de quatro mil milhões de euros com a cobrança destes serviços adicionais. No caso desta ação coletiva, todos os clientes da Vodafone Portugal estão representados automaticamente.
A Citizen’s Voice – Consumer Advocacy Association, uma associação satélite da ATM – Associação de Investidores, que avançou com esta ação coletiva em outubro de 2018, partilhou nas suas redes sociais o desenvolvimento, ocorrido esta semana, falando numa “vitória” para os clientes.
O presidente da Citizen’s Voice nota que a Vodafone Portugal ainda tem a hipótese de recorrer desta decisão.
O Observador contactou a operadora de telecomunicações para obter uma reação a esta decisão e perceber se a empresa pretende recorrer da decisão. Fonte oficial da Vodafone Portugal indica que “foi hoje [sexta-feira] notificada da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, referente ao processo de liquidação instaurado pela Citizen’s Voice”, indicando que está “ainda a analisar a referida decisão”.
Próximos desenvolvimentos podem “demorar meses”, diz associação
Octávio Viana estima que possa “demorar meses” até que haja alguma indicação da Justiça sobre os próximos passos, lembrando que, antes de tudo, é preciso terminar o prazo que a Vodafone Portugal tem para, entendendo, recorrer. Depois, é ainda necessário cumprir os trâmites habituais, como o regresso à primeira instância. Feitas as contas, Octávio Viana fala em “mais um ano, ano e meio para uma decisão final, que também pode ser alvo de recurso”, lembra.
O presidente da associação sugere que pode demorar anos até que os clientes sejam ressarcidos. “A nossa estimativa, contando com o comportamento que a Vodafone tem vindo a adotar, é que, na melhor das hipóteses ou numa hipótese razoável, os consumidores irão receber o seu dinheiro dentro de três anos.”
Nas redes sociais da associação, há já alguns comentários de clientes que tentam perceber o que vai acontecer nos próximos capítulos desta história.
O que diz a decisão que sentenciou a Vodafone em 2022
Em fevereiro de 2022, o Supremo Tribunal de Justiça considerou que, a partir das queixas dos clientes, as cláusulas contratuais de ativação automática de serviços adicionais feita pela operadora eram proibidas.
Na sentença, consultada na altura pela Lusa, é referida uma cláusula específica, sobre o litígio das condições gerais do contrato de adesão ao serviço fixo e/ou serviço móvel relativa à descrição do ‘Serviço de Acesso à Internet Móvel’. Nessa cláusula, era possível ler que “o serviço permite, ainda, utilizar um conjunto de serviços adicionais, como por exemplo a opção extra para os tarifários pós-pagos ou o acesso gratuito a ‘wi-fi’ nos ‘hotspots’ da Vodafone Portugal, remetendo-se informações adicionais para o site da operadora e a linha de atendimento aos clientes.
Segundo o Supremo Tribunal, essa cláusula “contraria as duas vertentes da boa fé — a tutela da confiança e a proibição do desequilíbrio significativo de interesses — porque introduzida num pacote de serviços com um preço, a troco de uma prestação principal, a que acrescem custos adicionais atípicos como contrapartida de serviços extra ativados automaticamente, sem que o consumidor tenha a possibilidade de recusar tais serviços”.
A cláusula “envolve riscos para os interesses económicos do aderente, desrespeita a autodeterminação e as expetativas deste e provoca, ainda, um desequilíbrio contratual significativo traduzido na circunstância de a ré, onerando os consumidores com custos adicionais com os quais estes não contam no seu orçamento familiar, obter um incremento injustificado nas suas margens de lucro”, escrevia na altura a Lusa.