Armita Geravand está em “morte cerebral”, anunciaram as autoridades iranianas. A jovem curda de 16 anos foi hospitalizada depois de um incidente no metro de Teerão — ainda por esclarecer — quando não usava o hijab como obriga a lei do país. “A equipa médica da Armita informou-nos que o cérebro dela não está a funcionar e que não há esperança de recuperação”, disse o pai da jovem, Bahman Geravand, à organização curda Hengaw.

A notícia chega dias depois da atribuição póstuma do Prémio Sakharov a Mahsa Amini, uma iraniana curda de 22 anos que morreu depois de detida pela Polícia da Moralidade no Irão em setembro de 2022. Mahsa Amini foi detida e agredida por não estar a usar o véu islâmico em conformidade, acabando por morrer três dias depois de ter dado entrada no hospital.

As organizações de defesa dos direitos humanos e os media internacionais não tardaram a estabelecer uma semelhança entre os dois casos. O governo iraniano e os media controlados pelo Estado, por sua vez, dizem que se trata de propaganda anti-Irão por parte do Ocidente e de desinformação por parte da oposição ao governo.

Prémio Sakharov para a iraniana Mahsa Amini, que morreu o ano passado, e para o movimento Mulher, Vida, Liberdade do Irão

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No dia 1 de outubro — domingo em Portugal, mas dia de trabalho no Irão —, Armita Geravand e duas colegas pretendiam viajar até ao estabelecimento onde estudavam. Alegadamente, nenhuma das jovens usava hijab. Pouco depois de entrarem na carruagem, voltaram a sair já com a estudante de artes desmaiada e puxada pelas amigas.

O que aconteceu dentro da carruagem (e durante quanto tempo) é alvo de relatos contraditórios. A Agência de Notícias da República Islâmica (IRNA), controlada pelo regime, diz ter entrevistado as amigas que, alegadamente, disseram que: um segundo depois de entrar na carruagem, Armita caiu para trás e bateu com a cabeça. A organização não-governamental curda Hengaw, sedeada na Noruega, alega que a família e a amigos foram intimidados para replicarem a versão oficial. O canal Iran International, sedeado em Londres e ligado à oposição do governo iraniano, relata que os pais foram assediados pela polícia para não apresentarem queixa.

A Hengaw, que denuncia a violação dos direitos humanos de curdos a viver no Irão, diz que Armita Geravand terá sido confrontada e agredida por fiscais do uso do hijab no interior da carruagem — o Centro para os Direitos Humanos no Irão diz que o município de Teerão terá contratado cerca de 400 agentes para estas funções. As agências de notícias controladas pelo Estado negam que essas agressões tenham acontecido. As únicas imagens de videovigilância divulgadas são do exterior da carruagem e terão sido editadas; as organizações de direitos humanos pedem que sejam divulgadas as imagens do interior da carruagem.

As informações contraditórias e a desconfiança sobre uma potencial agressão já levaram o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (UNHRC), a Amnistia Internacional e Josep Borrell, Alto Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros, a pedirem uma investigação independente ao incidente, noticia o canal Iran International. Vários grupos de profissionais de saúde, incluindo médicos iranianos no Canadá e Estados Unidos, pedem que o Ministério da Saúde iraniano “acabe com o silêncio e forneça informação sobre o estado de saúde” de Armita.

Depois de desmaiada e retirada da carruagem, Armita foi levada para o Hospital Fajr, das Forças Armadas iranianas, que terá sido sujeito a medidas adicionais de segurança, de acordo com a Hengaw. A jovem foi reanimada ainda na estação de metro, mas está em coma desde aí. Dito de outra forma, apesar de os pulmões e o coração estarem a funcionar graças ao ventilador, o cérebro não comanda o corpo, o que significa que a jovem está morta (mas ligada às máquinas) — tal como o caso de Archie Battersbee.

Archie está morto, em termos biológicos e legais. Como seria tratado um caso destes (por pais, médicos e justiça) em Portugal?

No mesmo dia em que foi anunciada a morte cerebral de Armita Geravand, foi também noticiado que Niloofar Hamedi e Elaheh Mohammadi receberam, respetivamente, 13 e 12 anos de prisão pela acusação de terem colaborado com os Estados Unidos e terem ameaçado a segurança nacional. As duas mulheres são jornalistas iranianas que foram detidas por noticiarem a morte de Mahsa Amini, lembra o jornal The Guardian. Maryam Lotfi, jornalista no Shargh Daily (tal como Niloofar Hamedi), foi detida (e entretanto libertada) por tentar investigar o que aconteceu com Armita.

Os vários relatos sobre o incidente de Armita Geravand parecem ser coincidentes no ponto em que a jovem bateu com a cabeça e que terá sido isso a desencadear, em última análise, o coma. Os relatos recolhidos pelo jornal The Guardian afirmam que a jovem foi empurrada por uma pessoa que a confrontava por não estar a usar o véu; as autoridades e representantes do metro dizem que teve uma quebra de tensão e caiu. Uma queda por quebra de tensão ou tonturas, no entanto, dificilmente provocaria um incidente desta gravidade, reporta o jornal El País: a pessoa sente-se mal, as pernas falham, mas normalmente há tempo para sentar ou cair devagar.

O Centro para os Direitos Humanos no Irão, que denuncia várias situações de violação de direitos humanos na plataforma X (antigo Twitter), e o Comité das Mulheres do Conselho Nacional de Resistência do Irão reportaram que Roya Zakeri, de 31 anos, foi agredida até ficar inconsciente, no dia 15 de outubro, e levada para um hospital psiquiátrico por se estar a manifestar contra o véu islâmico com a cabeça descoberta. A cientista de computadores já tinha sido detida, em outubro de 2022, pelo mesmo motivo: acusada pelas autoridades de sofrer de distúrbios mentais.