O “dinamismo” das exportações e o otimismo em torno da “capacidade de inovação” da economia portuguesa foram os temas escolhidos pelo ministro da Economia para abrir a audição na comissão de Orçamento e Finanças sobre o Orçamento do Estado para 2024. Mas foi sobre a Efacec, cuja venda foi concluída à Mutares na semana passada, que os deputados quiseram ouvir António Costa Silva. O Chega deu, entretanto, entrada, com um pedido para uma comissão de inquérito.
O PSD começou por questionar o ministro sobre as garantias que o fundo alemão deu no negócio, nomeadamente sobre o não desmantelamento da empresa e manutenção dos postos de trabalho. Isto depois de acusar Costa Silva, e todo o Governo de ter “enganado os portugueses durante três anos”, tempo que durou o processo de reprivatização da empresa, depois da saída de Isabel dos Santos, que fechou as portas à empresa a qualquer tipo de financiamento.
“Até para privatizar o Estado teve de pagar. O Estado foi maior perdedor do processo, foi maltratado, com a perda de centenas de milhões. A Mutares ficou com a empresa por 15 milhões. O Governo fechou a porta com estrondo, mas há dúvidas sobre o futuro” da empresa, atirou o deputado do PSD Jorge Salgueiro Matos.
Costa Silva responderia que o Estado tem essas garantias, e que nunca foi aceite o desmembramento da Efacec, lembrando que houve propostas para haver uma Efacec “boa” e outra “má”, e que foram rejeitadas. Além disso, “a Mutares valoriza a força de trabalho, tem planos para reforçar, deu garantias de que vai preservar a força de trabalho e o centro de decisão e de competências em Portugal”.
Antes, Costa Silva dissertou sobre a operação, lembrando o período “muito difícil” que a empresa passou após a alteração acionista, com a covid, em que a capacidade de vendas se reduziu em 60%. “Nos anos bons” a empresa faturava 433 milhões de euros, no ultimo ano foram “cento e tal”, além do EBITDA negativo e a acumulação de dividas”.
A Efacec, sublinhou o ministro, “é um dos grandes emblemas da engenharia portuguesa, tem mais de 100 patentes, é uma empresa fulcral da região” e 2800 fornecedores. Nesse sentido, “o Estado investiu 200 milhões para manter a empresa a funcionar” que era “o mínimo que podia fazer, e fez de acordo com regras europeias”. Nos últimos tempos, conseguiu ganhar projetos de 845 milhões de euros, para a modernização a rede elétrica em França e Espanha.
Pelo facto de empresa estar a funcionar, revelou, o Estado recolheu 100 milhões de euros em contribuições para a Segurança Social. Se a Efacec falisse, a lista de custos para o Estado era extensa: 1,7 a dois milhões de euros por mês em subsídios de desemprego, o que totalizaria 20 a 25 milhões por ano. Mais 3,3 milhões de euros contribuições não recebidas, num total de 40 milhões por ano. O que totalizaria um custo de 60 a 65 milhões de euros.
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“Tinha de se fazer a reestruturação financeira da empresa”, vincou, adiantando que os os acionistas anteriores perderam mais de 300 milhões de euros, e que a Mutares vai investir 15 milhões mais 60 milhões em garantias. E que o esforço do Estado ascende a 156 milhões de euros.
As contas do PSD são outras e apontam para um esforço público superior a 500 milhões de euros, valores que Costa Silva não reconhece, e que o PSD disse serem originários de uma auditoria pedida pelo comprador. Confrontado ainda pelo PSD sobre um suposto Processo Especial de Revitalização (PER) que terá dado entrada pela Efacec, o ministro disse desconhecer tal ação.
“Se vamos recuperar tudo? Não afirmo isso. Poderemos recuperar uma parte” do dinheiro colocado na Efacec, admitiu Costa Silva, repetindo a expressão de João Nuno Mendes, de que o negócio “não é um depósito a prazo”. “Acredito que vamos conseguir recuperar esse valor e chegar a uma situação estável para o futuro”, acrescentou. Não sem antes finalizar: “seria uma pena que, por coligações negativas, este negócio não fosse para a frente”, disse em referência às movimentações para a criação de uma comissão de inquérito à venda da Efacec.
Mais tarde, Costa Silva reforçou que fechar a Efacec “seria um desastre para a industria, para o tecido produtivo do Norte” cujo PIB seria afetado em 1,5% a 2%. “O impacto seria dramático, estamos a tentar tudo para salvaguardar empresa e os postos trabalho, o dinheiro público está a ser bem utilizado e parte dele pode ser recuperado”.
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Houve uma indemnização ” à Alexandra Reis” na Efacec? IL diz que sim
A comissão de inquérito ainda não começou, nem se sabe se vai existir, mas no plenário desta quinta-feira houve uma amostra do que poderá vir a ser. Com uma referência a uma comissão de inquérito concluída num passado recente. Bruno Dias, do PCP, chamou-lhe o “episódio 1 da temporada piloto da comissão de inquérito” à Efacec. Carlos Guimarães Pinto, deputado da IL, questionou o ministro sobre a saída da Efacec de José Manuel Almeida Sousa da Efacec com uma indemnização “à Alexandra Reis”, no valor de cerca de 400 mil euros, semelhante aos 500 mil euros que a ex-administradora da TAP recebeu, e devolveu entretanto, e que deu origem à comissão de inquérito da TAP.
Na resposta, Costa Silva disse não ter conhecimento sobre o caso em concreto, sublinhando que não aprovou a indemnização. “A empresa teve percalços, coisas que correram menos bem, pessoas que saíram, outras irão reforçar a equipa de gestão. Não quero comentar situações particulares”, disse.
Carlos Guimarães Pinto quis ainda saber se a Mutares vai receber cinco milhões de euros por ano, durante três anos, de comissão de gestão da Efacec, totalizando 15 milhões de euros, o mesmo valor que vai injetar. Costa Silva começou por remeter a resposta para depois da audição, por não ter consigo os dados, mas acabaria por revelar que o contrato não inclui nenhuma comissão de gestão.
O deputado da IL tentou ainda pedir explicações ao ministro sobre outros temas relacionados com a Efacec. Primeiro, se está salvaguardada a venda da Efacec, por parte da Mutares, a uma empresa que não seja do universo da própria Mutares. Costa Silva adiantou que a Mutares “reconhece a especificidade da Efacec, quer manter a marca, não vejo grande risco a esse nível” e que, nesse sentido, “pensa que” o contrato “exclui essa possibilidade pela forma como o negócio foi desenhado”.
Também admitiu que não havia “nenhuma obrigatoridade de entregar empresa ao setor privado, foi uma opção política do Governo”, e que não há por parte da comissão europeia “qualquer questão a esse nível”.
A IL quis ainda saber como é que os bancos perderam a dívida quase toda (80%) e os obrigacionistas perderam apenas 10% no negócio. Aqui, Costa Silva reconheceu que a “negociação foi complexa” e que o Governo propôs um corte de 50% aos obrigacionistas que não foi aceite. Os bancos são nacionais e os obrigacionistas “eram sobretudo internacionais, espanhóis”. A IL achou “estranho” que os bancos “tenham abdicado de receber quase tudo”.
Na intervenção da IL, Guimarães Pinto questionou ainda o ministro sobre a empresa Odkas, que Costa Silva disse desconhecer. “É uma empresa de consultoria administrada pela mulher de Mário Leite da Silva, pessoa próxima de Isabel dos Santos”. Segundo a IL, “a Odkas assinou um contrato de consultoria com a Efacec, que foi pago durante a gestão pública, em 2021, quando a Efacec não pagava a outros fornecedores”. O ministro lembrou que pegou na pasta em março de 2022 e que não conhece o processo.
Pelo mesmo motivo também disse desconhecer uma carta enviada pelo administrador da Efacec Rui Lopes à Parpública em 2020, que dizia que o Estado tinha injetado 70 milhões de euros na Efacec para pagar a fornecedores essenciais, mas que este valor estava a ser usado para pagar a fornecedores não essenciais. A empresa sofreu com falta de matérias-primas, falta de encomendas, segundo a IL, e parte do dinheiro injetado agora “é para pagar indemnizações por falhas de encomendas”. O ministro disse apenas que “a correspondência trocada neste período é diversa” e foi acusado por Guimarães Pinto de não conhecer os meandros da empresa.
“O que fizeram com o dinheiro público foi muito grave, pagar a fornecedores não essenciais enquanto fornecedores essenciais ficavam por pagar, empresas portuguesas tinham as suas dívidas por pagar. Renovação de frotas de luxo já nessa altura. Houve coisas muito graves a acontecer com a Efacec com dinheiros públicos”, acusou o deputado da IL.
O ministro garantiu que o Governo dá “muita atenção a isso” e que “se há alguém que foi altamente prejudicado foi Isabel dos Santos” que teve perdas totais. “Podemos investigar isso tudo”, rematou.
Já em resposta a Rui Tavares, do Livre, que levantou a questão de os trabalhadores não estarem representados na administração da Efacec, sugerindo que, no futuro, as empresas não possam sair das mãos do Estado sem trabalhadores na administração, Costa Silva admitiu que é “admirador” desse modelo e que o Governo vai “tentar sensibilizar a Mutares para a adoção deste modelo”.