“É bom para o ponto a que a situação chegou. Para o que chegou a valer, é pouco”. Foi esta a reação do Presidente da República à conclusão da venda da Efacec ao fundo alemão Mutares, num negócio no qual o Estado perde cerca de 400 milhões de euros. Esta quinta-feira, um dia após as explicações dadas pelo Governo em conferência de imprensa, multiplicaram-se as reações indignadas dos partidos à privatização. E ganhou força, à direita, a ideia de uma comissão de inquérito.

“Isso é o funcionamento do parlamento, que eu não comento”, acrescentou Marcelo. Mas também o Presidente admite que são necessárias mais explicações. Tomando a TAP como exemplo, Marcelo defendeu que “é importante que nestes processos de venda por parte do Estado, dentro do possível se faça o que é necessário para tornar transparente para os portugueses o que se está a passar”. Questionado sobre se o tema vai ser abordado na reunião semanal com o primeiro-ministro, esta quinta-feira, Marcelo diz que “é uma boa sugestão”. “Acho que ainda vai a tempo o Governo dessa explicação”.

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E pedidos de explicações ao Governo sobre o negócio não faltam. E são mais vocais à direita. Esta quinta-feira, o presidente do PSD anunciou que o partido vai pedir uma comissão de inquérito parlamentar se o Governo não esclarecer os detalhes do negócio. Montenegro pede “esclarecimentos do ministro da Economia”, mas também “de todo o Governo e do seu líder”. “Se esses esclarecimentos não forem cabais, nós no futuro teremos de lançar mão de todos os instrumentos que temos à nossa disposição na Assembleia da República, nomeadamente um inquérito parlamentar”.

O líder social-democrata sublinhou que “injetar 400 milhões de euros e vender por 15 é claramente um negócio ruinoso”.

IL desafia PSD a avançar com inquérito potestativo

A ideia da comissão de inquérito foi lançada ainda antes, pela Iniciativa Liberal. Rui Rocha, presidente do partido, disse em entrevista à TSF e ao Diário de Notícias, que o partido vai avançar com o pedido, porque “os portugueses têm que ser esclarecidos”.

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O líder da IL desafiou o PS, que tem maioria absoluta, a viabilizar a comissão de inquérito, e deixou já um pedido ao PSD para o caso de os socialistas votarem contra, para um pedido potestativo. “Faço também um desafio ao PSD porque o PSD, ao contrário da Iniciativa Liberal, tem a possibilidade depois de avançar com uma comissão de inquérito potestativa. Portanto, eu desafio o PSD para votar favoravelmente a este requerimento da Iniciativa Liberal e, se o PS o chumbar, para não se acobardar neste tema e usar os meios que tem ao seu dispor para que os portugueses possam ser esclarecidos”, disse.

Montenegro admite pedir inquérito parlamentar ao “negócio ruinoso” da Efacec

Horas mais tarde, no parlamento, Rui Rocha assegurou que “não houve qualquer contacto entre a IL e o PSD”, reiterando o desafio ao PS para que “não se coloque atrás da sua maioria absoluta e que permita que os portugueses sejam esclarecidos porque o dinheiro sai diretamente do bolso dos portugueses”.

Rui Rocha enunciou logo uma primeira lista de entidades que a IL gostaria de ouvir em inquérito parlamentar, entre as quais o atual e ex-ministros das Finanças, Fernando Medina, João Leão e Mário Centeno respetivamente, o atual e ex-ministro da Economia, Costa Silva e Siza Vieira, o Banco de Fomento, a Parpública e os “concorrentes a uma fase do processo que foi anulada”.

Os liberais também querem ouvir as administrações da Efacec ao longo do tempo, a anterior acionista Isabel dos Santos e o primeiro-ministro, António Costa. “Cerca de 400 milhões que terão sido desperdiçados nesta operação, o que quer dizer que para uma família de quatro portugueses estamos a dizer que são 160 euros do seu bolso que acabaram por sair, sem nenhum pedido de autorização, sem nenhuma explicação e sem qualquer utilidade para o país como hoje se comprova”, afirmou.

Chega admite proposta conjunta com PSD e IL

No mesmo sentido, o presidente do Chega anunciou que o partido também vai propor uma comissão parlamentar de inquérito, além de tentar suspender o negócio através de uma providência cautelar. Questionando se PSD, Chega e Iniciativa Liberal podem vir a apresentar uma proposta conjunta , André Ventura afirmou que “poderá eventualmente chegar-se a uma proposta conjunta”, mas ainda não falou com Luís Montenegro ou Rui Rocha.

“A par da proposta que faremos de uma comissão parlamentar de inquérito à venda da Efacec, tendo sido um negócio que aparenta ter sido absolutamente ruinoso, o Chega decidiu ir um pouco mais longe e avançar com uma providência cautelar no tribunal, na jurisdição administrativa, para suspender este ato e esta venda, até termos torda a informação necessária em matéria de salvaguarda dos trabalhadores, de informação financeira e das garantias que têm de ser dadas aos portugueses e ao Governo quanto à gestão futura da Efacec”, anunciou o partido de André Ventura.

O líder do Chega apelou ao PS para que viabilize a comissão de inquérito “em nome do interesse nacional”, porque a Efacec é “uma empresa absolutamente estratégica”. O deputado considerou que uma providência cautelar “é a única possibilidade que há, real, de parar este negócio enquanto é tempo” e que esta será justificada com a “violação grosseira das leis em matéria de transparência, de informação e até da defesa económica dos contribuintes”.

Ventura disse ainda que “ao contrário do que garantiu o Governo, nem os postos de trabalho, nem as condições de operacionalidade da empresa estão asseguradas” e notou que o fundo alemão Mutares, que comprou a empresa, “não tem bom historial”. “É um fundo que praticamente vai buscar empresas em situação de calamidade e não as tem reconstruído, tem destruído muitas vezes”.

Bloco admite inviabilizar inquérito, PCP quer travar negócio

À esquerda, o Bloco sublinhou ser contra a privatização da Efacec “desde o início”, mas admitiu que poderá não inviabilizar uma proposta de inquérito parlamentar para obter mais esclarecimentos sobre o processo.

A deputada Isabel Pires remeteu uma decisão concreta para quando for formalizada a proposta de comissão de inquérito — anunciada primeiro pela IL, depois pelo Chega e admitida pelo PSD.

“À partida não [seremos contra], mas teremos de conhecer pormenores, não sabemos o que se quer avaliar. Quando esse documento existir iremos pronunciar-nos em concreto”, disse.

A deputada frisou que o Bloco vai querer “todos os esclarecimentos”, seja por que forma for, e frisou que se manifestou contra a privatização logo que esta foi incluída como um cenário futuro no decreto de nacionalização.

“Nós estivemos contra, avançámos com uma apreciação parlamentar para que a reprivatização fosse retirada desse decreto, mas na altura foi chumbada pelo PS e por toda a direita, que concordam com essa privatização”, salientou.

“Na próxima segunda-feira, teremos a audição do ministro da Economia, António Costa Silva, no âmbito da discussão orçamental e iremos questioná-lo sobre o processo de privatização e transmitir as nossas posições”, assegurou.

Já o PCP, em comunicado, classificou o negócio como um “crime contra os interesses nacionais” e pediu ao Governo “toda a informação” sobre a venda.

Mais tarde, pela voz do deputado Bruno Dias, o partido defendeu que a prioridade é travar a privatização da Efacec e não “analisar a desgraça” após estar feita. O partido espera receber a documentação solicitada até à próxima semana.

“O Governo tem a responsabilidade política, perante o país, de ainda ir a tempo de travar este negócio ruinoso. O Governo deve impedir, travar esta decisão e este processo”, declarou Bruno Dias.

Questionado sobre a constituição da comissão de inquérito, Bruno Dias respondeu que a “questão central” para o PCP é “travar esta privatização”. “Parece-nos mais ou menos claro que partidos como a IL, o PSD, certamente que não é aí que está a sua preocupação. A nossa preocupação não é analisar só a desgraça depois de ela estar feita: nós queremos mesmo travar, prevenir e evitar que este mal seja feito”.