Enquanto a maioria dos socialistas vai avançando com pés de lã nos ataques ao Ministério Público (e com António Costa a tentar uma abordagem indireta), Augusto Santos Silva aparece com a carga pesada apontada a operadores judiciais e judiciários que acusa de terem “uma certa atitude” de que “os políticos são suspeitos por natureza”. Numa entrevista à RTP3, o socialista e presidente da Assembleia da República anunciou o apoio à candidatura de José Luís Carneiro no PS, mas o foco principal foram as críticas aos “erros acumulados do Ministério Público” e a pressão para que o processo-crime que envolve Costa seja concluído até às eleições.
A altura é de cautela entre socialistas, que aparecem pouco interessados em alinhar por um discurso que enfrente o poder judicial nesta fase, ainda com o receio de fantasmas do passado, como o Observador já contou, mas Santos Silva não parece querer seguir esse trilho. Surgiu na entrevista a pedir esclarecimentos diretos à Procuradoria Geral da República sobre os processos que fizeram cair o Governo, nomeadamente sobre o processo-crime contra o primeiro-ministro instaurado pelo Ministério Público no Supremo Tribunal de Justiça. Quanto a este caso concreto, o Presidente da Assembleia da República pede mesmo uma decisão “o mais depressa possível”.
Aliás, Santos Silva diz mesmo que “a consequência lógica mínima que devia decorrer era o Supremo e o MP concluírem o inquérito que abriram até ao dia 10 de março”, data das legislativas — isto quando questionado diretamente sobre o futuro político de António Costa, admitindo que este tem sobre a cabeça “uma espada de Dâmocles que suspende toda a vida publica nos próximos anos”.
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Decisão de Marcelo dá poder a Ministério Público
Para o socialista, a antecipação de eleições, decidida pelo Presidente da República na sequência da demissão do primeiro-ministro “não era necessária e pode ser perigosa”. E por dois motivos, alega: “Há uma maioria parlamentar coesa e estável” e “significa que o MP ou parte dele pode determinar o tempo dos mandatos, o tempo da agenda política e o tema dessa agenda”.
PS evita choque direto com Ministério Público. “Tese da cabala é armadilha”
Sobre o Ministério Público, Santos Silva começou por atacar a falta de explicações sobre a fuga do segredo de justiça, mas também sobre a forma como opera. Foi questionado sobre declarações do sindicato dos magistrados do Ministério Público, que veio dizer ao Expresso que Costa interpretou a nota da PGR “como lhe deu jeito”: cinismo. São as típicas respostas cínicas, não vale a pena perder tempo com elas”. “Não aceito que seja o sindicato e não a procuradora a ser o porta-voz do MP ou a agir como se fossem os chefes do MP”, atirou Santos Silva que acredita existir uma “atitude” “em vários operadores judiciais e judiciários — não sabendo com que grau de influência — de que a atividade política e governativa, por ser política, é por natureza suspeita”. Santos Silva sugere a existência de um comportamento que se verifica não só entre os magistrados judiciais, como também nos magistrados do Ministério Público, advogados, funcionários de justiça, por exemplo.
Essa “atitude” tende “a “criminalizar a ação política e governativa”, ao serem “abordadas em sede penal decisões que são políticas ou administrativas”. Isto ainda que também esclareça não estar a defender que “as ações políticas são, por natureza, legais” e admita que “podem ser criminosas”.
Ao mesmo tempo que nega a existência de “uma estratégia anti-políticos no Ministério Público” e que “tem todas as razões para confiar na Justiça”, Santos Silva aponta problemas processuais, nomeadamente no uso de escutas. “Há abuso da técnica da escuta como técnica de investigação”. “É profundamente invasiva e provoca efeitos de descontextualização”, argumentou na entrevista. “Gostava que fosse mais como nas séries americanas, em que se faz a escuta, se percebe quando o traficante vai vender ao outro e a polícia aparece na hora marcada”, exemplificou criticando a “tentação de deter para investigar”, que “anula a presunção de inocência”.
A este propósito, apresentou mesmo as desculpas “como presidente da Assembleia da República” e “em nome do Estado português” ao presidente da Câmara de Sines. Nuno Mascarenhas (eleito em listas do PS) esteve seis dias detido para interrogatório e saiu com Termo de Identidade e Residência, não tendo sido subscritos indícios de quaisquer crimes.
Sobre a necessidade de alterar as leis, Santos Silva diz que os Códigos Penal e o do Processo Penal já foram “muito alterados” e que o “problema principal não está aí mas numa certa atitude, uma mentalidade que tem de ser corrigida, e de o MP não atuar como a estrutura hierarquizada que é”. “Sente-se a falta de direção do Ministério Público”, conclui.
No entanto, não defende uma posição concertada do PS contra o Ministério Público — contrariando a ideia do ex-líder José Sócrates, num artigo escrito no Diário de Notícias –, argumentando que o PS “não faz rituais de autocrítica à maneira do estalinismo. O PS não é um partido estalinista, não tem uma posição oficial, não vamos publicar uma declaração oficial de autocrítica como a que existia na União Soviética, Não somos um partido desses.”
Os recados a Pedro Nuno em oposição com a “maturidade e paciência” de Carneiro
Logo no arranque da entrevista, o socialista despachou o assunto interno, declarando o seu apoio a José Luís Carneiro por considerar “ser o que melhor representa o PS e o espaço político do PS, um partido de gente do centro esquerda e da esquerda”. E também por ser o candidato que “dá melhores garantias de preservar a autonomia política do PS” que faz “as alianças que o interesse nacional exige”, mas que tem “uma direção e programa próprios”.
A tirada aponta ao adversário Pedro Nuno Santos, um apoiante confesso de entendimentos à esquerda que Santos Silva não considera serem o caminho que deve ser colocado à partida. Aliás, o socialista rejeita uma abordagem “do tipo frentista“, defendendo que o PS “não deve dissolver a sua autonomia própria numa frente que seja mais ampla”. Quando questionado sobre se Pedro Nuno Santos coloca isso em risco, Santos Silva evitou entrar nesse confronto, mas nas afirmações seguintes, o adversário de Carneiro esteve sempre nas entrelinhas de cada qualificativo usado a favor do atual ministro da Administração Interna.
Apontou-lhe a “prudência e a empatia” com as pessoas que demonstrou no desempenho dos cargos de secretário de Estado das Comunidades (quando o próprio Santos Silva era ministro) e de ministro da Administração Interna: “A prudência e a temperança como qualidade e método político parecem-me ser essencial”. Falou também da “maturidade e paciência” do candidato que enfrenta Pedro Nuno Santos a quem deixa um recado: “Isto não é um concurso de personalidades, por isso não podemos ficar só pela comparação da psicologia barata.”
Diz mesmo que “independentemente do entusiasmo” que sente na estrutura militante, o partido “não se deve esquecer que o interlocutor não está dentro de casa”, mas é “o conjunto dos portugueses”. E quando Pedro Nuno tem a máquina dominada, Santos Silva avisa que “não é apenas a estrutura de militantes que conta”, mas também “a sua base eleitoral, por isso deve falar para essa base eleitoral”, defendeu. As eleições do partido realizam-se a meio de dezembro.
Contagem de espingardas no PS. Pedro Nuno domina, Carneiro tenta roubar terreno