O Governo acelerou nas últimas semanas uma série de negociações com os sindicatos da administração pública sobre o sistema de avaliação de cerca de 65% dos funcionários e as carreiras dos técnicos superiores, de forma a que entrem em vigor mais cedo do que se previa. Essas negociações terminaram em acordo, assinado esta segunda-feira no Palácio de São Bento com o primeiro-ministro e duas das três estruturas sindicais que se sentaram à mesa do Governo, o STE e a Fesap, a quem agradeceu o “sentido de diálogo e de compromisso”. Mais uma vez, a Frente Comum, afeta à CGTP, ficou de fora.
Em jeito de balanço, António Costa defendeu que “hoje” há um “terreno sólido para poder continuar a avançar”e pediu que os “passos e reversões” dados no passado — “não é trocadilho”, apressou-se a acrescentar, entre risos — não voltem a aplicar-se à função pública.
“Durante estes oito anos nem sempre fui bem compreendido quando disse que era preciso darmos um passo de cada vez e nunca um passo maior do que a perna, porque era preciso assegurar que ao conjunto dos trabalhadores da administração pública cada passo que dávamos não era um passo com risco de reversão, porque passos e reversões tivemos muito ao longo dos… — não é trocadilho [risos] — tivemos muito ao longo destes quase 30 anos que levo de trabalho na administração pública. É preciso garantir que não há risco de reversão“, defendeu, no discurso após a assinatura do acordo de valorização dos trabalhadores da administração pública. Estes avanços “não são contraditórios” com a política de contas certas, acrescentou. “Não são necessários nem cortes, nem estagnação para que esse equilíbrio exista.”
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Uma das alterações do acordo prende-se com a valorização da carreira de técnico superior (entre outras mexidas, o número de saltos necessários a dar até atingir o topo vão ser reduzidos). Para o primeiro-ministro, “é possível ter carreira e realização profissional na administração pública” e isso, argumenta, é essencial para melhorar a qualidade dos serviços públicos.
Antes, a ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, que tutela a função pública, argumentou que “em muitos casos”, o Governo foi “mais longe” do que o previsto no acordo da função pública assinado há um ano, que era um “ponto de partida”. “Fizemos revisões em função da inflação e acelerámos várias carreiras que queríamos rever”, disse. No caso dos técnicos superiores, “o vencimento de um licenciado [que entra] é hoje de 1.385 euros e de um doutorado de 1.807 euros, um salto qualitativo para que o Estado reconheça que as qualificações dos seus trabalhadores é algo em que quer investir”, defendeu.
Da parte da Fesap (Federação dos Sindicatos da Administração Pública), José Abraão elogiou o esforço de negociação do Governo mas deixou avisos para o próximo Executivo que sair das eleições de março, “seja qual for a cor”: a negociação é para manter. “A nossa matriz é a negociação, só esperamos que o nível de negociação, o crescimento que houve até agora possa ser continuado, o que aconteceu agora, soube bem mas só se for continuada é que não podemos dizer que soube a pouco”, afirmou.
Já Maria Helena Rodrigues, do STE (Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado), salientou que o sindicato não conseguiu “tudo”, mas “vamos continuar neste caminho”. E deixou um elogio rasgado ao primeiro-ministro e à ministra da Presidência: “Talvez pela primeira vez desde o 25 de abril, sinta que houve pela primeira vez a valorização da negociação coletiva, que ela tem resultados positivos para o trabalhador e isso diz-nos que temos ainda muito trabalho para fazer”, sublinhou.
A Frente Comum ficou de fora da assinatura do acordo. Ao Observador, após a reunião da manhã com a secretária de Estado da Administração Pública, o dirigente Alcides Teles disse desconhecer a existência da assinatura de um acordo sobre o sistema de avaliação na tarde do mesmo dia. “Qual acordo? Não sabemos de que acordo estão a falar”, reagiu assim quando questionado pelo Observador. Já no compromisso anterior (acordo plurianual de valorização dos trabalhadores da administração pública) a Frente Comum tinha ficado de fora e também aí a estrutura sindical mostrou surpresa quando à formalização de um acordo.
“O acordo anterior foi negociado nas costas da Frente Comum com a Fesap e o STE, com o argumento de que a Frente Comum se tinha recusado a negociar, o que é uma mentira completa deste Governo. Nunca rejeitámos a negociação. É natural que os amigos se continuem a sentar à mesa na manjedoura para comer aquilo que têm a dar”, continuou Alcides Teles.
O Governo já negou que não tenha convidado a Frente Comum para este novo acordo. Segundo a secretária de Estado da Administração Pública, Inês Ramires, “na última reunião do SIADAP foi perguntado às três estruturas sindicais se a proposta” que tinha sido colocada em cima da mesa merecia acordo, “da parte da Frente Comum tivemos um não e do STE e Fesap tivemos um sim”.
“Não há nada que conste deste acordo que vai ser assinado que não seja conhecido das três estruturas”, disse Inês Ramires, após uma ronda negocial com os sindicatos esta segunda-feira, acrescentando que o Executivo não propôs “mais nada” do que aquilo que foi discutido na última reunião sobre o sistema de avaliação, em que a Frente Comum esteve presente.
Há duas semanas, já depois do anúncio da demissão pelo primeiro-ministro, o Executivo revelou aos sindicatos da administração pública que algumas das novas regras de avaliação de 65% dos funcionários públicos, que aceleram as progressões, seriam antecipadas, produzindo efeitos em 2025 e não em 2026.
Por um lado, para progredirem, os trabalhadores passam a ter de juntar oito pontos em vez dos dez atualmente exigidos. Além disso, aumenta o número de trabalhadores que podem progredir com mais do que um ponto por ano, de 25% para 60%. Neste contexto, é criada uma nova nota de avaliação, de bom, que corresponde a 1,5 pontos e abrange 30% do total de trabalhadores. É ainda alargada a quota de “muito bom”, de 25% para 30%, com dois pontos por ano, e, destes, passa a haver 10% que podem ter “excelente”, em vez de 5%, com três pontos.
Revisão da carreira de técnico superior garante salto salarial a 40 mil pessoas em 2025
Inicialmente, o Governo propôs que esta alteração só produzisse efeitos práticos em 2026. Mas depois da demissão do primeiro-ministro e do anúncio das eleições antecipadas pelo Presidente da República, o Executivo viria, esta quarta-feira, a mudar a proposta, de forma a que produza efeitos na vida dos funcionários públicos em 2025, ao aplicar-se já ao ciclo avaliativo em curso, de 2023 e 2024.
Também com efeitos já em 2024 está a valorização da carreira de técnico superior. Aqui, a ideia é reduzir o números de posições remuneratórias das atuais 14 para 11, o que significa que haverá trabalhadores que terão um aumento salarial garantido em 2024 porque a revisão da carreira os colocará numa nova posição remuneratória. A ideia inicial proposta aos sindicatos era que entrasse em vigor em 2025, mas esta segunda-feira, o Governo decidiu antecipar a produção de efeitos para 2024.
Além disso, foi feita outra alteração à proposta inicial que faz com que, por via da revisão da carreira, apenas cerca de 1.250 trabalhadores que estão na primeira posição remuneratória (1.122,84 euros) tenham um salto automático em 2024 para a nova primeira posição (1.385,99 euros). Os restantes vão manter-se em posições intermédias e passar para a nova carreira assim que forem reunindo os pontos necessários para progredir (seis pontos pelo chamado “acelerador” de progressões para quem teve a carreira congelada entre 2005 e 2007 e entre 2011 e 2017; ou oito pontos pela normal avaliação de desempenho).
Governo antecipa para 2024 redução do número de posições salariais na carreira de técnico superior
O Governo salienta que o acordo “constitui o culminar de um processo de negociação que se iniciou em janeiro deste ano e que vem concretizar o compromisso assumido pelo Governo no âmbito do Acordo Plurianual de Valorização dos Trabalhadores da AP firmado em outubro de 2022, introduzindo medidas que aprofundam esse compromisso não só no que respeita ao SIADAP como à valorização da carreira geral de Técnico Superior”.
Leia aqui o que diz o novo acordo.