O Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) confirmou esta terça-feira que a construção de um data center em Sines, recentemente envolvido em polémica devido ao processo judicial que envolve atuais e ex-governantes e que levou à demissão do primeiro-ministro António Costa, destruiu efetivamente pelo menos um habitat natural prioritário que é protegido por legislação portuguesa e europeia.
Em comunicado enviado aos meios de comunicação social, o ICNF explica que “levou a cabo, entre 13 e 17 de novembro, uma ação de fiscalização coordenada pelas Direções Regionais do Algarve e do Alentejo tendo em vista o apuramento da eventual destruição de habitats prioritários na zona do Data Center de Sines”.
“Na sequência da referida fiscalização, verificou-se que a condição de garantir a integridade do charco temporário identificado no primeiro parecer do ICNF, relativo à construção do primeiro pavilhão do Data Center em área fora da Zona Especial de Conservação (ZEC) da Costa Sudoeste, não foi cumprida, estando o edifício construído em cima da área identificada”, lê-se ainda no comunicado.
O instituto recorda também que, além daquele charco temporário identificado parcialmente fora da Zona Especial de Conservação, foram identificados dois outros charcos temporários no local do projeto do data center. A aprovação da Declaração de Impacte Ambiental do projeto só foi aprovada mediante a condição de os promotores do projeto adotaram medidas de “compensação da perda de habitat”, incluindo a “translocação de exemplares Erica ciliaris identificados naquelas áreas”.
Contudo, “na ação de fiscalização realizada, o ICNF registou que, dos dois locais identificados contendo vegetação a translocar, um deles foi parcialmente aterrado, não tendo sido apresentado ainda o necessário Relatório de Conformidade Ambiental do Projeto de Execução (RECAPE) por parte do promotor, enquanto o segundo, devido provavelmente a alterações ambientais, encontra-se invadido por espécies exóticas”.
“O ICNF adianta que deu conhecimento destas conclusões à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo, entidade responsável pela instrução e decisão dos processos contraordenacionais relativos aos incumprimentos detetados, assim como pela determinação das medidas cautelares e/ou preventivas, bem como pela eventual aplicação de sanções acessórias”, diz o ICNF.
“Foi, ainda, dado conhecimento à Inspeção Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território para os efeitos tido por convenientes, bem como à Agência Portuguesa do Ambiente, enquanto Autoridade de Avaliação de Impacte Ambiental”, destaca o instituto.
Como o Observador noticiou há duas semanas, o projeto do data center de Sines abrange um terreno onde se situam três charcos temporários mediterrânicos, um habitat natural protegido por legislação europeia e nacional. Uma boa parte do terreno encontra-se abrangido pela Zona Especial de Conservação (ZEC) da Costa Sudoeste, enquanto uma pequena porção está fora dela. Dois dos charcos presentes no terreno estão integralmente dentro da ZEC enquanto um outro está justamente no limite, encontrando-se parcialmente dentro e parcialmente fora da zona protegida.
Uma das principais polémicas em torno do data center prende-se justamente com o facto de a primeira fase do projeto (chamada “NEST”) ter sido isentada de Avaliação de Impacte Ambiental. Trata-se de um primeiro módulo do data center que está a ser construído justamente na porção de terreno que se situa fora da zona protegida. A condição para este parecer foi a de que a instalação do primeiro módulo não colocasse em causa aquele charco temporário situado no limite da zona protegida.
A isenção de Avaliação de Impacte Ambiental para a primeira fase do projeto pressupunha, também, que a segunda fase do projeto — essa já programada para a parte do terreno abrangida pela ZEC — fosse sujeita àquela avaliação. Este expediente não foi visto com bons olhos pelos ambientalistas. Francisco Ferreira, da Zero, disse ao Observador que via naquela decisão uma pressão para que, quando a segunda fase do projeto fosse submetida à avaliação ambiental, não houvesse margem para um chumbo — uma vez que a construção já estaria efetivamente em marcha.
Há duas semanas, a bióloga Rita Alcazar, da Liga para a Proteção da Natureza, explicou ao Observador que um dos charcos temporários já tinha sido destruído pela construção do primeiro módulo do data center. Rita Alcazar, que foi uma das responsáveis pelo projeto financiado por fundos europeus que cartografou os charcos temporários, não escondeu a tristeza com o facto de um habitat “de conservação prioritária” ter sido destruído.
“A fase inicial já está em construção. Neste momento, se formos ver as imagens que disponíveis no Google, o data center já foi implementado em cima de um dos charcos temporários”, revelou. “O que acho importante referir é que o Estado português tem uma obrigação legal de proteção destes habitats. Existe uma obrigação legal.”
O data center de Sines está no centro da Operação Influencer, o processo judicial que conduziu recentemente à queda do Governo. Nas escutas da operação há múltiplas referências a tentativas de contornar a proteção ambiental da zona, a partir de uma alegada influência dos administradores da empresa sobre o Governo, designadamente através de João Galamba, do empresário Diogo Lacerda Machado (amigo próximo de Costa e contratado como consultor do projeto) e do chefe de gabinete de Costa, Vítor Escária.
O antigo secretário de Estado da Energia, João Galamba, até recentemente ministro das Infraestruturas, é citado em escutas nas quais sugere que o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) deve retificar os limites da zona protegida para permitir o avanço do projeto. Numa conversa com o chefe de gabinete do primeiro-ministro, Vítor Escária, o secretário de Estado João Galamba recorda mesmo o caso Freeport, em que também houve retificação dos limites de uma zona protegida.