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"Uma das maiores intervenções imobiliárias em Lisboa nas últimas décadas". Mesmo com poucos edifícios, terrenos da Portela podem ser mina

Este artigo tem mais de 6 meses

O Aeroporto Humberto Delgado pode fechar. Ainda que a maior parte da área onde está instalado seja convertida em espaço verde, foi feita uma análise para que 14,7% possa ser urbanizável.

Aeroporto de Lisboa, 29 de junho de 2022. NUNO VEIGA/LUSA
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NUNO VEIGA/LUSA

NUNO VEIGA/LUSA

Com a entrada em operação do novo aeroporto de Lisboa, a partir do momento em que tenha duas pistas, a comissão técnica independente acredita que será tempo de se equacionar o desmantelamento da atual infraestrutura, o Aeroporto Humberto Delgado (AHD).

Nos estudos da comissão técnica independentes concluiu-se que os terrenos onde está atualmente o aeroporto não terão de reverter para os privados que eram donos antes das respetivas expropriações. E, por isso, o Estado terá de decidir o que fazer com uma área que ocupa 477 hectares, estando ocupada por edificado em 7% (considerando apenas os edifícios do aeroporto e não os que estão na posse da TAP, ANAC, NAV, etc). Admite-se que a zona urbanizada possa estender-se a 14,7% da área, nos quais os terrenos valem 509,6 milhões de euros. E que possam permitir, nas vendas, receitas perto dos 3 mil milhões.

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O regulamento do plano diretor municipal de Lisboa determina que caso o aeroporto Humberto Delgado, vulgo Portela, encerre, a maior parte da área seja convertida em espaço verde.

“No caso de cessação da atividade do Aeroporto da Portela, as áreas não edificadas, nomeadamente as pistas e áreas de circulação, e as áreas edificadas, devem ser objeto de plano de pormenor que preveja a requalificação do solo para espaço verde, com vista à reestruturação da zona para parque urbano e à reutilização dos edifícios existentes”, segundo esse regulamento, citado no estudo.

Por isso, qualquer mudança de planos poderá revelar-se complexa no caso de Lisboa e mesmo na área já edificada tem de haver alteração de uso. No perímetro que está no concelho de Loures, de menor dimensão, “não vigora uma condicionante à reconversão do uso da infraestrutura aeroportuária nos termos mais restritivos previstos para Lisboa. Naquele concelho, e considerando também a existência de diversas subcategorias de uso do solo nas áreas contíguas, poderá ser viabilizado um desenvolvimentos urbanístico em área que hoje é, essencialmente, não edificada.

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Assim, ainda que a área edificada seja atualmente de 7%, que atinge os 9,5% com os espaços adjacentes, o estudo admitiu uma rentabilização imobiliária de 14,7% da área do AHD (700 mil m2), “admitindo que os limites de edificabilidade permitidos serão idênticos aos definidos no PDM para a zona limítrofe, bem como um conjunto de usos expectáveis – habitação, comércio, serviços, hotelaria e centro comercial”. O que significa, acrescenta o estudo coordenado pelo economista Fernando Alexandre, que nesta hipótese seria “uma das maiores intervenções imobiliárias em Lisboa nas últimas décadas”. Uma vez que o uso dessas áreas está, atualmente, condicionado.

Foram consideradas, no estudo, seis áreas de possível edificação, num total de 14,7% ou 700,2 mil metros quadrados.

Terrenos são uma mina

Com uma área edificada de 14,7%, o valor atual líquido da operação é positivo para o Estado em 167,5 milhões de euros, já que o VAL (valor atualizado líquido) com a operação imobiliária seria positivo em 509,6 milhões de euros — ao qual teria de ser reduzido o VAL negativo (custos) com a zona verde de 342 milhões de euros. Mas no estudo foram estimados VAL para outros cenários. Assim, se a área urbanizável passar a ser de apenas 7% (com uma zona verde a ocupar 93% do espaço), o valor atual líquido passa a ser negativo de 227 milhões de euros, montante (negativo) que ascende a 589 milhões de euros se não houver edificação e for tudo zona verde. Foi precisamente pelo facto de uma urbanização de 7% ter um VAL negativo — “o que tornaria a operação inviável” — que os autores do estudo elevaram a área possível de ser edificada.

Estes valores mudam se se considerar o valor dos ecossistemas. A operação passa a ser positiva em 260,4 milhões de euros para o Estado numa edificação a 14,7%, já que os custos da zona verde passariam a ser menores: 249 milhões em vez dos 342 milhões. No caso de uma urbanização de 7%, o VAL global da operação manter-se-ia negativo mas de “apenas” 126,4 milhões. E num cenário da zona verde ocupar 100% o custo seria de 458 milhões, contra os 589 milhões sem o benefício verde. Isto porque o estudo considera o benefício económico da natureza ambiental (regulação climática, regulação de seca, prevenção de erosão, produção agrícola, polinização, recreação e purificação da água).

O estudo considera, por outro lado, um índice de edificabilidade de 1,7, um valor possível no regulamento do plano diretor municipal para o desenvolvimento de polaridades urbanas (POLU) — face aos 1,2 para a generalidade das áreas. Mas o relatório indica “que a intervenção de rentabilização do AHD será enquadrada como POLU” e, como tal, terá um maior índice de edificabilidade. Por outro lado, a desafetação do AHD porá fim às servidões aeronáuticas que limitam a altura dos prédios.

Num cenário de polaridade urbana, foi considerado que a área urbanizável teria como destino comércio e serviços (60%), ficando os restantes 40% para habitação e hotelaria.

Fonte: CTI

Com base nestes destinos, o estudo estima que a receita total estimada com os projetos atinjam quase 3 mil milhões de euros, sendo 1,3 mil milhões com vendas de casas para habitação e 1,19 mil milhões vendas de escritórios.

Fonte: CTI

Demolir e renaturalizar implica também descontaminação

Face a este plano, os especialistas são de opinião de que os edifícios existentes não poderão ser reutilizados para os fins propostos pelo que “foi considerada a demolição das estruturas existentes e edificação de novas estruturas”.

Os custos de demolição e renaturalização dependem da área determinada para os espaços verdes, mas integram também despesas com a limpeza de solos e descontaminação. É que se assumiu que terá de ser “removido 0,50 m de solo contaminado em todas as zonas verdes (podendo variar entre 0,30 m e 1,00 m) e que 10% dos resíduos dos edifícios contêm materiais perigosos (podendo variar entre 5% e 10%)”.

Considerou-se, por outro lado, uma área total de renaturalização de 409 hectares, podendo ser menor na medida em que se considerem arruamentos (a área urbanizável seria de 70 hectares).

Ou seja, os custos, a valores atuais, de demolir e renaturalizar essas áreas será de pelo menos 342 milhões de euros. Mas mesmo nesta estimativa há potenciais desvios. Por exemplo o risco associado ao maior custo com a descontaminação, já que, conforme alerta o estudo, “só após a realização de uma due diligence técnica aprofundada poderá ser quantificado com maior precisão”.

Por outro lado, realçam os técnicos, “existem potenciais benefícios (e custos) de natureza social, ambiental e económica que não estão refletidos na avaliação realizada, por exemplo, resultantes do aumento da disponibilidade de habitação, cuja oferta é, hoje, insuficiente face aos níveis de procura existentes na cidade de Lisboa”. Ou mesmo os benefícios decorrentes da redução de emissões poluentes da aviação e redução de poluição sonora; ou os custos da deslocação dos trabalhadores que estão hoje no AHD, nomeadamente, “os afetos às atividades aeroportuárias e atividades conexas, que, por falta de informação, não foram considerados”.

“A adequada contabilização dos benefícios ambientais que advêm da renaturalização requer uma definição programática para esta operação, identificando o tipo de soluções a implementar e os respetivos efeitos ao nível da redução dos efeitos da ilha de calor, retenção de águas pluviais, mitigação da poluição, redução do ruído, efeitos sobre o bem-estar, entre outros. Atendendo às especificidades da localização do AHD, esta análise requer um volume de dados e prazo de execução incompatíveis com os prazos para este relatório”.

António Costa era presidente da Câmara de Lisboa quando vendeu os terrenos do aeroporto ao Estado

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Terrenos não revertem para expropriados. Risco existe em expropriações com menos de 20 anos

Durante anos debateu-se se o fim do aeroporto Humberto Delgado obrigaria à devolução dos terrenos onde estava instalado às famílias que foram expropriadas dessas áreas para a construção da Portela. Mas numa análise jurídica, incluída no relatório que está em consulta pública até 19 de janeiro, indica-se que “se o proprietário dos terrenos – o Estado – não encontrar uma reutilização dos terrenos que prossiga interesses públicos e não renove a DUA, conforme descrito no ponto do Relatório – fase II, não se vislumbra como possa ser exercido o direito de reversão dos antigos proprietários, face ao acervo de informação de que dispomos”.

No entanto, na análise jurídica coordenada por Raquel Carvalho, há o risco de poder existir reversão nos terrenos expropriados há menos de 20 anos. “Independentemente da questão de saber se têm ou não por causa da sucessão legislativa que, a meio, retirou tal direito, importa referir que a jurisprudência tem sustentado que o regime a aplicar, quanto ao direito de reversão, é o do quadro legal vigente aquando do seu exercício. Assim, nos termos da lei, só existe direito de reversão se não tiver decorrido um prazo de mais de 20 anos desde a data da aquisição do bem pela entidade expropriante”.

Segundo o levantamento feito, não há registo de expropriações com esse prazo. Mas este seria o limite para que os antigos donos reclamassem a devolução dos terrenos.

Nos anexos divulgados consideram-se várias expropriações. O Aeroporto da Portela foi inaugurado a 15 de outubro de 1942 (mudou de nome, para Humberto Delgado em 2016). Os terrenos foram adquiridos por expropriação pelo município de Lisboa em 1935 e 1938, tendo ocorrido outras expropriações, mais pequenas, em 1944, 1945 e 1946. Também houve expropriações em 1959 pela DGAG e em 1985 pela ANA para a instalação do sistema de sinalização da aproximação à pista 21. Esses terrenos estão hoje nas mãos do Estado, depois de em 2013 o Governo de Passos Coelho ter feito um acordo com a Câmara Municipal de Lisboa, então presidida por António Costa, para ficar com os terrenos, pagando à autarquia 286 milhões de euros.

“Em relação aos terrenos em que estão implantadas as instalações da TAP, esses terrenos são da sua propriedade, tendo sido excluído o direito de reversão, em relação aos terrenos que foram expropriados”, lê-se ainda no estudo.

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