A mortalidade em Portugal tem vindo vindo a aumentar de forma acentuada nos últimos dias e, na terça-feira, dia 2, atingiu mesmo o valor mais alto em quase três anos, desde fevereiro de 2021, quando o país ainda sentia os efeitos de um inverno marcado pela pandemia de Covid-19. No dia 2 de janeiro de 2024, morreram 514 pessoas em Portugal, o valor mais alto desde o dia 9 de fevereiro de 2021, quando morreram 519 pessoas, de acordo com os dados do Portal de Vigilância da Mortalidade da Direção Geral da Saúde, consultados pelo Observador.

Segundo a DGS, há dez dias — desde 24 de dezembro — que Portugal regista uma mortalidade acima do normal. Se analisarmos a mortalidade registada entre 25 e 31 de dezembro de 2023 (nos últimos últimos sete dias do ano), é visível o aumento em relação aos anos anteriores.

Neste período, foram registados 3.298 óbitos em Portugal (uma média de 471 por dia). Nos últimos sete dias de 2022, perderam a vida 2.641 pessoas (cerca de 377 por dia). Ou seja, no espaço de um ano, a mortalidade aumentou 25%. Já em relação a 2021, o aumento foi ainda mais acentuado: quase 30%.

E, mesmo comparando a última semana de 2023 com a última semana de 2020 — quando a pandemia de Covid-19 provocava um aumento acentuado da mortalidade (numa altura em que começavam as ser administradas as primeiras vacinas) –, o número de óbitos registados no final de 2023 está 10% acima desse período.

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Ministro da Saúde preocupado com pico de mortalidade, mas pede prudência na análise dos dados

Fazendo o mesmo exercício para os primeiros três dias de 2024, o cenário mantém-se.

Entre 1 e 3 de janeiro, morreram 1.481 pessoas em Portugal, um cenário que só tem paralelo com o mesmo período de 2017, em que morreram 1.532 pessoas — quando o país foi atingido por um intenso e prolongado surto de gripe. No entanto, se for retirado da equação o ano de 2017, a mortalidade registada nos primeiros três deste ano é a mais elevada dos últimos dez anos.

Nos primeiros dias de 2023, morreram 1.192 pessoas, menos 20% do que neste ano. Em 2022, Portugal registou menos 32% de mortalidade neste período. E, em 2021, a mortalidade ficou 9% abaixo da registado em 2024.

A mortalidade tem aumentado de forma significativa desde dia 24 de dezembro e, segundo os dados da DGS, esse aumento deve-se, na sua totalidade, a mortes de pessoas nas faixas etárias mais velhas: entre os 75 e os 84 anos e nos maiores de 85 anos — os grupos tradicionalmente mais vulneráveis.

Tempo frio, gripe e vulnerabilidade dos idosos justificam aumento da mortalidade, diz Tato Borges

À rádio Observador, o presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública aponta várias razões conjunturais, mas também de natureza estrutural, que podem justificar o aumento da mortalidade nesta fase.

Estamos a assistir a um aumento dos casos de gripe, estamos a sentir temperaturas muito frias e tudo isto tem consequências na mortalidade, tendo em conta que temos uma população idosa, vulnerável, com condições de habitabilidade duvidosas. É um caldo preocupante, que, nas primeiras duas, três semanas de janeiro, pode resultar num excesso de mortalidade”, disse Gustavo Tato Borges.

Para o médico de saúde pública, as limitações e encerramentos que atingiram vários serviços de urgência no final de 2023 podem explicar parte do excesso de mortalidade que se tem verificado, mas há outros fatores a ter em conta. “Não creio que o problema [que explica o excesso de mortalidade] tenha sido só o encerramento de muitos serviços de urgência. Há condições estruturais: condições de vida dos mais idosos, cobertura vacinal contra a gripe insuficiente, entre outros fatores, que precisam de ser analisados para que esta situação não se volte a repetir”, sublinha Tato Borges.

Referindo-se às dificuldades de resposta dos serviços de urgência hospitalar, em entrevista ao Observador, a meio de dezembro, o bastonário da Ordem dos Médicos já tinha admitido a possibilidade de haver “consequências” para a população, em concreto o aumento do nível de mortalidade num período do ano particularmente crítico de procura dos serviços de saúde. “Estamos num momento do ano particular, está a chegar o inverno, em que aumentam as infeções respiratórias, as descompensações das doenças crónicas, que vão levar mais pessoas à urgência. Hoje a urgência não tem a mesma capacidade de resposta”, disse Carlos Cortes.

Carlos Cortes sobre caso das gémeas. “Tenho sentido imensas pressões da esfera política numa decisão da Ordem dos Médicos”

Face à escassez de médicos para assegurar todos os turnos nestes serviços, o bastonário admitia que o aumento dos níveis de mortalidade pudesse verificar-se, “tendo em conta o péssimo funcionamento do SNS e tendo em conta a forma incompetente como o Ministério da Saúde e a Direção Executiva têm tratado esta questão”.

O Observador questionou a DGS sobre a análise que faz dos dados relativos à mortalidade e que causas considera serem as mais plausíveis para explicar o aumento brusco da mortalidade nos últimos dias, mas, até ao momento, não obteve resposta.

No final de 2023, o ministro da Saúde mostrou-se preocupado com os valores da mortalidade, mas pediu prudência na análise dos dados. “Nas curvas de mortalidade, nós não podemos analisar dias isolados, temos de ver o seu conjunto”, disse Manuel Pizarro, lembrando que se registou, em 2023, uma mortalidade bastante inferior nos meses de outubro e novembro deste ano.

Já esta quarta-feira, o titular da pasta da saúde justificava o aumento da mortalidade com “a combinação de tempo muito frio com a ocorrência de um pico de infeções”. “Os dados não podem ser desvalorizados mas também não podemos criar alarmismos, que têm a ver com comparações de coisas que não são diretamente comparáveis”, disse Manuel Pizarro, em Coimbra.