A raiva ou o ressentimento são há muito estudados para se compreender os populismos de direita radical, mas um projeto em Coimbra propõe um foco nas emoções positivas, que são igualmente importantes no crescimento de partidos como o Chega.
A investigação científica em torno dos populismos tem-se concentrado em emoções como a raiva, ressentimento ou a injustiça, mas a equipa do UNPOP (“UNpacking POPulism” – “Desempacotar o Populismo”, numa tradução livre), da Universidade de Coimbra, decidiu explorar a possibilidade de haver emoções positivas associadas a partidos populistas da direita radical e de estas também explicarem a adesão às suas ideias, concentrando-se nos casos de Portugal e de Itália.
“Pensávamos: porque é que as pessoas, que em alguns países chegam a ser 50% da população, votam em coisas que muita gente acha inaceitáveis? O que procurámos perceber é quais são as emoções positivas associadas, para além das negativas”, que já eram estudadas, afirmou à agência Lusa Cristiano Gianolla, do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, que coordena o projeto, em conjunto com Lisete Mónico, do Centro de Investigação em Neuropsicologia e Intervenção Cognitivo-Comportamental (CINEICC).
O investigador falava à Lusa à margem do congresso do UNPOP, no qual se abordam emoções, narrativas e identidades no populismo, na democracia e na política, num evento que decorre em Coimbra, até sexta-feira.
Para a análise, os investigadores fizeram entrevistas semiestruturadas a simpatizantes, militantes e deputados de partidos mais à direita com assento parlamentar em 2021 (altura de arranque do projeto), em Portugal (Chega e CDS-PP), e em Itália (o partido que lidera a atual coligação governamental Irmãos de Itália, e a Liga, que também faz parte da mesma coligação).
“Nós partimos da ideia de que esses partidos têm uma capacidade muito grande de ter um impacto político através de uma narrativa social”, salienta.
Lisete Mónico complementa: “É como se estes partidos contassem uma história e têm esta capacidade tanto na expressão das emoções como na captação das emoções de mobilizar as pessoas”.
Segundo Cristiano Gianolla, a equipa identificou a esperança como uma das emoções positivas associadas ao populismo da direita radical.
“É uma esperança que está definida dentro de uma narrativa, em prol de um conjunto de ideias que nem toda a gente poderá concordar, mas é uma esperança sobretudo de mudar algo na sociedade”, de mudar um sistema que entendem como “corrupto, autocentrado, onde as elites fazem o que querem”, notou.
Outra emoção associada é o entusiasmo, que no caso de um partido recente como o Chega ganha mais força, por estar também associado ao momento de criação de uma nova “energia social”.
“Surge uma narrativa de possibilidade de mudar as coisas”, comenta.
Para Cristiano Gianolla, Portugal, que era visto como uma exceção face à ausência da direita radical no parlamento até há poucos anos, era um país onde “havia procura de populismo, mas não havia uma oferta”.
“O que vemos no Chega é um empreendedor político que percebeu isso muito bem”, salienta o investigador.
Para além disso, há, ao mesmo tempo, a construção de uma identidade grupal, afirmou Lisete Mónico.
“Há uma emoção de segurança. A pessoa pensa: ‘Não estou sozinho nesta aventura. Estou acompanhada e tenho colegas que pensam como eu'”, vincou a investigadora.
Para além da análise qualitativa, o UNPOP desenvolveu uma nova escala para medir populismos excludentes no sul da Europa, dividido em quatro subcategorias (anti-elitismo, chauvinismo, anti-pluralismo e povo-centrismo).
O questionário que tem como base essa escala já foi aplicado por duas vezes em Portugal, mas a equipa espera poder aplicá-lo este ano uma terceira vez, com recurso, dessa feita, a uma amostra representativa, que permitiria perceber a adesão da população portuguesa a populismos, explicaram os coordenadores do projeto.