Os lesados que têm estatuto de vítima no processo BES/GES, cujo julgamento começa em maio deste ano e tem Ricardo Salgado como principal arguido, vão recorrer da decisão conhecida na semana passada, que os obriga a fazer novos pedidos de indemnização num processo cível, e vão avançar com uma queixa na Comissão Europeia contra Portugal.
A razão para o recurso e para a queixa contra Portugal, explica o advogado que representa os lesados com estatuto de vítima, Nuno da Silva Vieira, ao Observador, é a violação do artigo 16.º do Estatuto da Vítima. “À vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão relativa a indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável”, refere o número um deste artigo. Por isso, a defesa dos lesados considera que não devem ser obrigados a fazer novos pedidos no cível, tal como foi determinado na semana passada.
“Em vésperas de um julgamento crucial, a alegada decisão da Senhora Juiz, em remeter as indemnizações para um tribunal cível, constitui uma preocupante divergência dos princípios da justiça restaurativa, da legislação portuguesa e dos princípios europeus”, acrescentam as associações que representam as vítimas, em comunicado.
Apesar de as partes ainda não terem sido notificadas, a juíza Helena Susano entendeu, na semana passada, que os 1.306 pedidos de indemnização transformariam o processo BES/GES num “megaprocesso” e que esta situação “retardaria de uma forma intolerável” o julgamento que tem Ricardo Salgado como principal arguido — o ex-banqueiro será julgado por 29 crimes de burla qualificada (em operações que provocaram prejuízos superiores a 11 mil milhões de euros), 12 de corrupção ativa no setor privado, sete de branqueamento, sete de falsificação de documento, cinco de infidelidade, dois de falsificação de documento qualificada, dois de manipulação de mercado e um de associação criminosa.
Caso BES/GES. Julgamento de Ricardo Salgado e de outros 18 arguidos começa dia 28 de maio
Para evitar atrasos num processo em que a fase de instrução terminou 9 anos depois da queda do BES, foi determinado que os pedidos de indemnização fossem encaminhados para o cível, ficando fora do processo-crime. Neste caso, os lesados que não têm estatuto de vítima — e são uma minoria –, ficam fora do processo-crime. Estes processos que correrão no cível estão relacionados, por exemplo, com questões contratuais, ou com a emissão de obrigações que não foram pagas. No processo penal continuam apenas os lesados que têm estatuto de vítima, uma vez que na esfera do penal mantêm-se as indemnizações relacionadas com os crimes de, por exemplo, falsificação de documento. Ou seja, os lesados com estatuto de vítima acabarão por ficar em dois processos: no processo penal e no processo cível, de acordo com o tipo de indemnização.
Em relação à queixa na Comissão Europeia, o advogado refere que “Portugal está a violar o Estatuto Europeu da Vítima”, uma vez que “as vítimas têm direito a ter a sua indemnização no processo penal”.
Este processo teve início na queda do Banco Espírito Santo, em 2014 — foi a 3 de agosto de 2014 que o Banco de Portugal anunciou a resolução do BES. A acusação foi conhecida em julho de 2020, já com um dos arguidos falecido — José Castella. E também José Manuel Espírito Santo, da família, e que tinha sido acusado pelo Ministério Público de oito crimes, morreu no ano passado.
Durante a fase de instrução, vários advogados defenderam que não estavam reunidos os pressupostos para configurar crime de associação criminosa, mas o Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa decidiu manter a acusação por este crime, que surge em coautoria com Machado da Cruz, Morais Pires, Isabel, Almeida, António Soares, Pedro Pinto, Nuno Escudeiro, Pedro Serra, Alexandre Cadosh, Michel Creton, Cláudia Faria e Paulo Ferreira.
“O interesse do arguido Ricardo Salgado em todos os esquemas delineados por si, ou por terceiros, a seu mando, perpassa a acusação e é puramente financeiro, já que não está acusado de praticar caridade”, escreveu o juiz Pedro Santos Correia, no despacho da decisão instrutória, acrescentando que “os planos” de Salgado “não seriam certamente por causas sociais, pelo que a estratégia da defesa que assim vem sustentada é, no mínimo, hipócrita, já que parece que nem leu a acusação no seu todo”.