Um debate entre dois candidatos que não quiseram exatamente debater e pareciam mais apostados em mostrar as convergências. Ainda assim, quando decidiram trocar argumentos, discordaram em relação à aplicabilidade prática do Rendimento Básico Incondicional defendido pelo Livre, que o Bloco de Esquerda considera uma “ilusão que não pode ser concretizada porque não é suportável do ponto de vista financeiro”, e sobre a proibição de vender casas para não residentes que não façam delas a sua primeira habitação, que o Livre considera uma pulsão “proibicionista” que não vai resolver o problema.

Ainda assim, o arranque do duelo acabou por ficar marcado pela ideia que Mariana Mortágua tinha deixado no frente a frente com Luís Montenegro, quando defendeu que a avó vivia “sobressaltada” com medo de ser despejada. Ora, tecnicamente, a avó da coordenadora bloquista estava protegida do Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado em 2012, que deixava duas ressalvas: quem tivesse mais de 65 anos estava protegido de despejos e de aumentos significativos; quem tivesse menos de 65 anos e rendimentos inferiores a quase 2 500 euros mensais beneficiara de um período de transição de cinco anos.

Confrontada com a possibilidade de ter mentido quando usou o exemplo da avó, Mortágua reiterou que a lei era “muito cruel”, mas recusou explicar o que aconteceu exatamente de facto com a avó. “Não faz muito sentido discutir as questões particulares. Cada idoso terá tido a sua situação particular”.

Entrando no debate propriamente dito, Mariana Mortágua reconheceu que os dois partidos têm “diagnósticos comuns” para os problemas que o país atravessa e um objetivo que os une —  “derrotar a direita” e conseguir virar “as páginas dos problemas da maioria absoluta” socialista. Ainda assim, a coordenadora bloquista tentou marcar as diferenças, a começar pela necessidade de proibir a venda de casas a não residentes que não as usem como primeira habitação. Rui Tavares considera a medida um “erro político” e tem dúvidas que seja legal no quadro europeu.

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Noutro momento, os dois bateram discordaram também em relação à proposta do Livre para a adoção, eventual, de um Rendimento Básico Incondicional. “A implementação para ser universal, mesmo que fossem 200 euros por pessoa, seriam 28 mil milhões de euros”, criticou Mortágua. Rui Tavares defendeu a medida, sugeriu que era preciso estudá-la — porque o “conhecimento em si tem valor” — e lamentou os papões que existem em relação à proposta.

Na relação do país com Europa, um tema que separa os dois partidos, faltou tempo para que ambos marcassem mais diferenças, sendo que Rui Tavares não deixou de argumentar que a esquerda não pode desistir de intervir no debate sobre a construção do projeto europeu, sugerindo que é essa a posição do Bloco, sob pena de entregar a discussão ao “centrão”.

Antes de tudo isso, uma referência ao tema que tem que marcado os últimos dias desta pré-campanha: a recusa de Luís Montenegro em debater com Rui Tavares e Paulo Raimundo. Com ironia, o líder do Livre disse estar “chateado” com Mariana Mortágua porque, depois do debate com a bloquista, Luís Montenegro passou a ter medo de enfrentar a esquerda. “É uma descortesia enorme. O Livre só foi informado pela comunicação social. É uma diferença de tratamento que para quem quer ser primeiro-ministro me parece especialmente grave”, queixou-se Rui Tavares, questionando a palavra de Montenegro. “Acho errado que se mudem as regras a meio do jogo”, concordou Mortágua.

O diálogo mais revelador 

Mariana Mortágua: Há um conflito à partida entre o Rendimento Básico Universal e o seu custo e os seus gastos, para ser universal e incondicional, sei que é um projeto piloto que o Livre defende, mas é com vista à implementação. Porque é que se faz um projeto piloto de algo que não se quer fazer? E que fazendo tens custos incomportáveis para o Estado Social. 

Rui Tavares: Está esclarecido. O Livre quer saber mais porque o conhecimento em si é um valor e eu vejo muitas pessoas, à esquerda e à direita, que têm muitas certezas sobre o RBI, umas porque acham indesejável um instrumento que que erradicaria a pobreza, que não é o caso da Mariana, porque têm questões sobre a implementação dele, com que fontes de rendimento e outros ainda porque acham que vem destruir outras provisões do Estado Social. Estamos numa discussão que faz lembrar um bocadinho as discussões antes do Copérnico. O que o Livre diz, é, experimente-se. 20 a 30 milhões de euros, ordens de magnitude a baixo do que a Mariana disse e sei que frisou que era um projeto piloto.

Mariana Mortágua: Sim, disse.